Descrição de chapéu The New York Times

Entrada de gigantes de bebidas e cigarros no mercado da maconha prenuncia mudança no setor

Estimativa é que vendas legais de maconha em todo o planeta chegarão a R$ 120,3 bilhões em 2021

The New York Times

Os proponentes da legalização da maconha passaram décadas envolvidos em uma lenta batalha por sua aceitação na sociedade. Agora que o uso recreativo da maconha se tornou legal no Canadá e em muitos estados dos Estados Unidos, grandes empresas decidiram que é hora de entrar no jogo.

A Altria, fabricante de cigarros como o Marlboro, na semana passada pagou US$ 1,8 bilhão (R$ 6,98 bilhões) por pouco menos de metade das ações do Cronos Group, uma empresa de maconha sediada em Toronto.

Em agosto, a Constellation Brands, dona da Corona e outras marcas de cerveja, pagou US$ 4 bilhões (R$ 15,5 bilhões) por participação majoritária na Canopy Growth, outra companhia canadense de maconha. No mesmo mês, o grupo Molson Coors, outro fabricante de cerveja, formou uma joint venture com uma empresa de maconha em Quebec.

Tampas da cerveja Corona
Constellation Brands, dona da Corona, pagou R$ 15,5 bilhões por participação na Canopy Growth, companhia canadense de maconha - Justin Sullivan/AFP

"Sempre houve a expectativa de que as grandes empresas entrariam; faz décadas que circulam boatos sobre o 'Marlboro Verde'", disse Bethany Gomez, diretora de pesquisa do Brightfield Group, que pesquisa sobre o mercado da maconha. "Agora passamos do ponto de não retorno".

A chegada de grandes empresas multinacionais prenuncia mudanças abrangentes em um setor que até recentemente operava na sombra. Com bilhões de dólares investidos no desenvolvimento de produtos, marketing e produção, essas empresas vão buscar criar grandes marcas, com fatias de mercado à altura.

O Brightfield estima que as vendas legais de maconha em todo o planeta chegarão a US$ 31 bilhões (R$ 120,3 bilhões) em 2021, ante menos de US$ 8 bilhões (R$ 31 bilhões) no ano passado.

Mas embora esses investimentos em larga escala indiquem que a aceitação da maconha pela sociedade se tornou irreversível, muitos dos ativistas históricos pela liberalização da maconha se preocupam por os empreendedores idealistas que tornaram esse momento possível estarem sendo deixados para trás.

A despeito da onda de transações, o mercado para produtos legais de maconha continua fragmentado. O Canadá legalizou a venda de plantas e óleos de maconha este ano, mas produtos comestíveis e bebidas feitas com concentrados de maconha continuam ilegais.

Nos Estados Unidos, diversos estados legalizaram o uso recreativo da maconha, mas ele continua ilegal no plano federal. Essa regulamentação confusa leva diversas empresas que poderiam se interessar pelo setor a manter distância, por enquanto.

Em setembro, a rede de supermercados Target começou a vender produtos que contém CBD, um derivativo de maconha sem substâncias psicoativas. Mas em poucos dias a direção da empresa mudou de ideia e retirou os produtos das prateleiras.

James Quincey, presidente-executivo da Coca-Cola, disse que a empresa não entraria no mercado por enquanto. "É preciso que seja legal, e seguro, e consumível", ele disse à rede de notícias CNBC, terça-feira. "Ainda não chegamos a esse ponto".

Mas no começo do ano, representantes da Coca-Cola reconheceram que a empresa estava acompanhando o setor de perto. E ela não é a única.

O conglomerado de bebidas alcoólicas Diageo estava, de acordo com rumores, a ponto de fechar um acordo com uma companhia canadense de maconha, em agosto, mas nada foi anunciado. E o Walmart Canada reconheceu que estava considerando possibilidades nesse segmento, mas afirmou não ter planos para vender produtos contendo CBD ou THC, o componente psicoativo da maconha.

Mesmo assim, os proponentes da maconha dizem que o setor atrairá empresas cada vez maiores, daqui por diante.

"É essa a cara que a maconha legal tem", disse F. Aaron Smith, diretor executivo da Associação Nacional da Indústria da Maconha, uma organização setorial sediada em Washington. "Alguns dos pesos pesados estão se interessando, e isso é positivo. Vai criar mais vitalidade econômica, mais empregos".

A Altria, que está enfrentando uma queda mundial na venda de produtos de tabaco, com o abandono do cigarro pelos consumidores, talvez seja quem tem mais a ganhar, com o ingresso no setor. "O tabaco vem passando por quedas ano após ano", disse Gomez. "Eles precisam de algo mais com que possam trabalhar".

E a experiência da empresa produzindo e distribuindo cigarros a posiciona bem para fabricar produtos de maconha em larga escala.

"Existe espaço para um cigarro [de maconha] pré-enrolado, de preço econômico, que ganharia escala rapidamente e concorreria bem com os produtos do mercado negro", disse Gomez.

A Constellation e a Molson Coors parecem ter prioridades diferentes. A Constellation está injetando dinheiro na Canopy com a esperança de que a empresa canadense venha a se tornar uma das maiores produtoras industriais de maconha recreativa e medicinal. E a Molson Coors diz que seu foco é criar uma bebida não alcoólica contendo maconha, em parceria com a Hydropothecary, uma empresa do Canadá.

Especialistas acreditam que com a entrada de grandes empresas no setor, podem crescer os esforços de lobby para legalizar a maconha em nível federal, nos Estados Unidos, ainda que até o momento as grandes empresas não tenham agido nesse sentido. "Esperamos que a Altria e a Constellation se envolvam mais nos esforços para mudar a lei federal", disse Smith.

Para Steve DeAngelo, veterano proponente dos benefícios da maconha e de sua legalização, e fundador do Harborside, um dispensário de maconha na Califórnia, a chegada das grandes marcas é causa de festa - e preocupação.

"Quando vejo empresas como a Constellation e a Altria mudando suas cadeias de suprimento, de substâncias tóxicas para essa planta curativa, é a culminação do trabalho de minha vida, de certa forma", ele disse.

Mas DeAngelo afirmou temer que muitas das pessoas que batalharam pela maconha e foram pioneiras do setor se vejam excluídas da repentina criação de riquezas, por conta dos produtos de massa. "Muitas das pessoas que trabalharam para que esse dia pudesse surgir não estão sendo incluídas ou celebradas", ele disse.

DeAngelo expressou a esperança de que, à medida que grandes empresas como a Altria e a Constellation realizem investimentos, a maconha possa mudar os setores de tabaco e álcool, e não o contrário.

"Temos de criar um setor que rompa os velhos moldes, já que eles claramente deixaram de funcionar", ele disse. "Imagine se todas as pessoas que estão fumando tabaco fumassem maconha, que não causa câncer. Quando isso acontecer nos corações e mentes dos consumidores, veremos a 'maconhização' do mundo corporativo".
 
Tradução de PAULO MIGLIACCI

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