A percepção de que o governo Jair Bolsonaro começa em meio a um aumento na atração de investimentos externos não é confirmada pelos números oficiais.
Os investimentos estrangeiros no Brasil em 2018 cresceram 18,6% de janeiro a novembro para um total de US$ 77,8 bilhões, mas essa alta foi turbinada por dinheiro trazido de volta por filiais de empresas brasileiras no exterior.
Dados do Banco Central mostram que o investimento externo considerado novo, de verdade, perdeu força em 2018: queda de 9%, totalizando US$ 58,4 bilhões. Números fechados ainda não foram divulgados.
O indicador que mede todo o volume de recursos vindo de fora, o IDP (Investimento Direto no País), recebeu US$ 12,2 bilhões a mais até novembro sobre igual período de 2017.
O grosso disso, no entanto, veio de recursos trazidos por filiais de companhias brasileiras no exterior --boa parte para pagamento de dívidas.
O dinheiro trazido de volta por essas filiais cresceu 72%, totalizando US$ 32 bilhões em 2018. Foram US$ 13,4 bilhões a mais que em 2017 —quantia superior ao adicional recebido via investimento direto.
"Os números mostram um quadro preocupante: as empresas estrangeiras reduziram investimentos no Brasil, e as brasileiras estão se desinternacionalizando", afirma o economista-chefe da Mapfre Investimentos, Luís Afonso Fernandes Lima.
Segundo ele, que também é diretor-presidente da Sobeet (Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e Globalização), empresas brasileiras com endividamento elevado trouxeram recursos de suas filiais lá fora para complementar o caixa.
"Esses recursos significam desinvestimento no exterior, e não nova aposta no Brasil", diz Lima, que não vê mudança de tendência no curto prazo.
Entre as razões, diz ele, estão o ritmo lento de retomada da economia brasileira, o baixo crescimento global e efeitos da mudança de tributação nos Estados Unidos, que reduziram impostos nas transferências de recursos de filiais americanas para as matrizes.
Eduardo Fleury, do escritório FCR Law, pondera que o segundo semestre ruim era esperado em razão das eleições.
Nos dados sobre investimentos estrangeiros do Banco Central, o IED (Investimento Estrangeiro Direto), que está incluído no número mais geral (o IDP), mostra mais claramente o dinheiro novo vindo para o Brasil.
Esse fluxo, que caiu 9% no ano passado, é considerado por especialistas um indicador mais acurado sobre investimento externo porque exclui recursos reinvestidos no país por filiais brasileiras que atuam no exterior —justamente o que cresceu em 2018, melhorando os dados gerais.
O IED também não considera os reinvestimentos feitos por empresas estrangeiras que atuam no Brasil, a partir de lucros obtidos por aqui.
Para Silvio Campos Neto, economista e sócio da Tendências Consultoria, a queda de 9% do investimento externo considerado novo não surpreende, pois 2018 foi marcado pelo processo eleitoral, fonte de grandes incertezas.
Além disso, diz ele, o ano foi bem pouco movimentado por novas operações de concessões em infraestrutura, que costumam gerar entradas vigorosas de capitais externos.
"Por fim, o panorama internacional também se mostrou mais volátil e menos favorável para emergentes em 2018, embora nesse caso as perspectivas futuras sigam incertas", diz Campos Neto.
Segundo especialistas, o exterior segue desafiador em 2019, com dúvidas com relação à economia americana e à guerra comercial travada entre EUA e China.
A avaliação geral, porém, é que, se o Brasil avançar com a agenda de reformas, pode se destacar entre os emergentes.
Para Campos Neto, a combinação entre o cenário externo adverso e uma orientação econômica que qualifica como "liberal e ortodoxa" do governo Bolsonaro faz com que a tendência seja "moderadamente positiva" para investimentos estrangeiros no Brasil nos próximos anos.
"Há setores atrativos, como infraestrutura e óleo e gás, que vão requerer capitais externos para ampliar os investimentos", diz o economista.
Campos Neto afirma, no entanto, ser provável que uma melhora mais intensa dos fluxos de investimentos estrangeiros para o Brasil seja observada a partir de 2020, caso o governo consiga ser bem-sucedido em seu primeiro ano e intensifique a agenda de concessões e privatizações.
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