Operação Fantoche pode ter identificado ponta de iceberg

Segundo pessoas próximas, funcionamento do Sistema S é propício à fraude

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São Paulo

Os desvios de recursos do Sistema S descobertos pela Operação Fantoche —que levaram a prisão do presidente da CNI, Robson de Braga Andrade,  nesta terça-feira (19)— podem ser apenas a ponta do iceberg.

Pessoas que conhecem de perto a “caixa-preta” do sistema, criado na década de 40 no governo Getúlio Vargas, avaliam que seu funcionamento é propício à fraude.

“Trata-se de uma arrecadação de bilhões de reais, cuja destinação não passa pelos crivos do sistema democrático, e que fica nas mãos de gestores escolhidos por uma governança frágil”, explica Sérgio Lazzarini, professor do Insper.

O sistema S é financiado por uma contribuição compulsória descontada diretamente do faturamento mensal das empresas de diferentes setores. A alíquota varia de 0,2% até 2,5%. Parece pouco, mas não é.

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Desfile do Festival Sesi de Bonecos do Mundp (SP) em 2011; PF investiga se evento foi usado para desvios - Alessandro Shinoda - 18.ago.2011/Folhapress

Apenas em 2018, a Receita Federal arrecadou das empresas e repassou para as nove entidades que compõe o Sistema S –Senai, Sesi, Senac, Sesc, Sebrae, Senar, Sest, Senat e Sescoop– R$ 17 bilhões.

Esses recursos são considerados “para-fiscais”, ou seja, não entram no Orçamento da União e não passam pelo crivo do Poder Executivo e do Congresso para a definição de como, quando e no que devem ser gastos.

A destinação desses bilhões cabe as próprias entidades do Sistema S, que são geridas por um conselho, encabeçado pelos presidentes de confederações e federações patronais.

Levantamento feito pela Folha mostrou o sistema patronal de representação se transformou em um verdadeiro feudo de grupos políticos, apesar de realizar eleições periódicas para definir seus dirigentes.

De 99 entidades pesquisadas pela reportagem, 41 presidentes de federações estavam há mais de oito anos no cargo. Pior: em 17 casos, comandavam há mais de duas décadas. O recordista acumulava 43 anos de mandatos ininterruptos.

O próprio Robson de Braga Andrade é um exemplo. Dono de uma empresa em Contagem (MG), faz parte do sistema de representação empresarial há pelo menos 17 anos, desde que assumiu a presidência da Federação das Indústrias de Minas Gerais em 2002.

Depois de dois mandatos à frente da Fiemg, foi eleito presidente da CNI em 2010. No cargo, alterou o estatuto da entidade que passou a admitir duas reeleições ao invés de uma. Reeleito pela segunda vez em 2018, seu mandato vai até 2022.

Quando confrontadas com os exemplos de governança frágil e questionadas se isso influencia na gestão do Sistema S, federações e confederações alegam que são obrigadas a prestar contas anualmente ao Tribunal de Contas da União (TCU).

Para especialistas, porém, apenas essa fiscalização pode não ser suficiente. Sob a condição de anonimato, uma liderança da indústria afirma que as entidades do Sistema S não são obrigadas a gerar lucro e tem atribuições demais, o que favorece as fraudes

Além da capacitação dos trabalhadores, atribuição para o qual foram criadas, entidades como Sesi, Sesc, Senac gerenciam escolas primárias, clínicas médicas e dentárias, atividades de promoção ao esporte e à cultura.

Parte das iniciativas é considerada de boa qualidade e baixo custo. No Sesc, por exemplo, foram realizadas 70.846 exibições em 2017, entre filmes, peças de teatro e exposições. Por conta disso, contem amplo apoio popular. O problema, portanto, não é a face pública do sistema, mas o que ele esconde.

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