Hidrelétricas gastam 4 vezes mais água que todo o consumo humano do país

Evaporação nos reservatórios é segundo maior gasto hídrico do país, atrás apenas da irrigação na agricultura, revela estudo da ANA

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São Paulo

O gasto de água das usinas hidrelétricas do país é quase quatro vezes maior do que todo o abastecimento humano nacional — ou seja, tudo o que é consumido nas casas, comércios e lojas do Brasil, em zonas urbanas e rurais.

Esse enorme gasto de água é resultado da evaporação nos reservatórios das usinas. 

Quando se consideram outros espelhos-d’água artificiais (por exemplo, açudes), as perdas são ainda maiores: o volume chega a ser 5,3 vezes mais alto que o consumo humano.

Os dados são da ANA (Agência Nacional de Águas), órgão federal responsável pela gestão dos recursos hídricos. Após dois anos de estudos, a autarquia reuniu pela primeira vez, em um manual, o uso de água em cada setor.

O documento, obtido em primeira mão pela Folha, foi usado como base para o Plano Nacional de Segurança Hídrica, que será anunciado no início de abril pelo Ministério de Desenvolvimento Regional. 

O levantamento mostra que, em 2017, a evaporação dos reservatórios foi o segundo maior consumo de água no Brasil, atrás apenas da atividade de irrigação na agricultura.

A pesquisa considera o quanto de água foi retirado por cada setor e o quanto foi devolvido —o saldo dessa conta é o consumo total. No caso da evaporação nos reservatórios, não há retorno garantido.

“Em algum momento, a evaporação retorna. Mas não necessariamente naquela bacia e naquele momento. Quando se faz o balanço entre a oferta e a demanda de um local, essa água [evaporada] foi consumida, não está disponível para os demais usos. Isso é essencial na hora de fazer a gestão hídrica”, afirma o superintendente de Planejamento da ANA, Sérgio Ayrimoraes.

A evaporação nos reservatórios não é um indicador ignorado pelo setor elétrico. 

Hoje, ele já é previsto na hora de construir uma usina, segundo Rafael Kelman, diretor-executivo da PSR, consultoria especializada no setor de energia. “O coeficiente de evaporação é mapeado no planejamento. É uma característica do reservatório que não muda ao longo do tempo”, diz ele.

Os novos cálculos feitos pela ANA, porém, deverão influenciar a fiscalização e a concessão de outorgas por parte da agência a partir de agora. 

O órgão tem a prerrogativa de avaliar os projetos de geração elétrica e definir o quanto de água cada usina pode utilizar, deixando uma margem para outros usos, como o abastecimento das cidades e das indústrias na região.

No caso das usinas já existentes, também poderá haver uma revisão do total de água disponível para a eletricidade, à medida que os empreendimentos tiverem que renovar suas outorgas, diz Marcelo Cruz, diretor da ANA.

 

O impacto tende a ser maior ainda no caso de hidrelétricas antigas, cujo uso de água foi definido antes da criação de regras para esse consumo.

A usina com maior índice de evaporação no país é a de Sobradinho, que opera no rio São Francisco.

“Esse é um caso extremo. A usina está numa região seca, com muito calor. Além disso, tem uma área enorme para a evaporação”, afirma Kelman.

A região do semiárido —que abrange principalmente o Nordeste do país— tem o  maior índice de evaporação.

No entanto, ressaltam os técnicos, nem sempre o reservatório é prejudicial. 

A criação de um espelho-d’água artificial proporciona à região uma nova fonte hídrica. Mesmo quando estão associados a uma grande hidrelétrica, a população é beneficiada, já que o uso é sempre compartilhado. 

“O reservatório é fundamental para a oferta de água em diversos usos, mas é preciso considerar a evaporação, para que a perda não supere a oferta e ele não se torne inviável”, diz Cruz.

Na prática, resume o diretor, os resultados do estudo serão uma nova ferramenta de avaliação para a agência, mas ainda terão que ser aplicados caso a caso.

Gasto de água em 8 cidades equivale a 80% de toda a indústria

 
A irrigação na agricultura é o principal uso de água no Brasil e no mundo.

Um retrato disso são oito municípios cuja principal atividade é a agricultura irrigada e que, em 2017, gastaram, juntos, 84% do total retirado por toda a indústria de transformação brasileira. 

Os dados também constam no levantamento realizado pela ANA. 

No ranking das dez cidades que mais retiram água, lideram com folga São Paulo e Rio de Janeiro, onde a principal causa do consumo é o abastecimento humano.

Depois, vêm os oito municípios. Cinco deles têm menos de 100 mil habitantes. 

A irrigação é uma prática usada na agricultura para aumentar o fornecimento de água no plantio e, assim, viabilizar ou tornar mais eficiente a produção.

O alto consumo hídrico, portanto, não necessariamente reflete irregularidades, segundo Sérgio Ayrimoraes, superintendente da ANA. “O setor é um grande consumidor pela natureza da atividade.”

No entanto, a solução para um menor gasto passa pelo avanço de técnicas para tornar a irrigação mais eficiente e precisa. 

No Brasil, o arroz e a cana-de-açúcar representam mais da metade das áreas irrigadas. 

O uso dessa técnica é comum em diversas regiões. O Rio Grande do Sul, porém, é campeão no consumo hídrico.

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