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Negras ganham menos e sofrem mais com o desemprego do que as brancas

Quem sobe na carreira vive solidão de gênero e raça, desconfiança e até hostilidade de chefes e colegas

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Flávia Silva, liderança em multinacional da tecnologia; apenas 0,4% das negras chegam a cargos executivos no país

Flávia Silva, liderança em multinacional da tecnologia; apenas 0,4% das negras chegam a cargos executivos no país Eliária Andrade/Folhapress

São Paulo

Negro sem emprego fica sem sossego, já cantava a sambista Dona Ivone Lara. E as mulheres negras são as que mais ficam sem sossego no Brasil. A taxa de desemprego entre elas é de 16,6%, o dobro da verificada entre homens brancos, de 8,3%. 

A taxa entre as mulheres negras também é maior do que entre as brancas (11%) e os homens negros (12,1%), segundo levantamento feito com base na média dos últimos quatro trimestres da PNAD contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), pelo economista Cosmo Donato, da LCA consultores.

Da mesma forma, mulheres negras têm um rendimento médio real de R$ 1.476 —menos da metade da renda do homem branco, de R$ 3.364. Acima dela também estão os homens negros, que ganham R$ 1.849, e em seguida as brancas, que recebem R$ 2.529.

“Ela primeiro sofre por ser negra e depois por ser mulher. A questão racial é determinante na sociedade brasileira”, diz a fundadora do movimento Black Money, Nina Silva. 

Donato acrescenta que a renda de uma pessoa também está relacionada à educação e à condição socioeconômica de seus pais. “As mulheres brancas geralmente se beneficiam de uma herança socioeconômica mais favorável do que as negras e, assim, ficam menos presas a esse ciclo de desigualdade econômica”, diz.

Segundo a diretora executiva do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdade (CEERT), a psicóloga Cida Bento, a solidariedade de raça é maior do que a de gênero. “Se um homem branco tiver que abrir a porta para a diversidade, quem ele vai colocar para dentro primeiro? A mulher branca, que parece com a mãe dele, a esposa.”

As mulheres negras, que reúnem pretas e pardas, formam o maior grupo da população. Somam quase 60 milhões de pessoas —28% dos brasileiros, segundo a PNAD.  

Para traçar a trajetória delas na geração da riqueza nacional, a Folha ouviu 26 mulheres pretas e pardas e apresenta os depoimentos numa série de quatro capítulos. Nesta edição, o foco é a participação delas no mercado de trabalho. 

Nos quadros executivos das maiores empresas do Brasil, a presença de mulheres negras é de apenas 0,4%, segundo pesquisa do Instituto Ethos de 2015. O percentual sobe para 13,6% quando consideradas mulheres de todas as cores.

“A chamada inclusão de gênero não tem contemplado a mulher negra. As brancas ainda têm muitos desafios de ascensão, mas as negras sequer foram inseridas. E por isso a gente até questiona: Será que gênero se aplica à mulher negra?”, afirma Bento, do Ceert. 


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A coordenadora de Direitos Humanos do Instituto Ethos, Sheila de Carvalho, que também é negra, diz que muitas iniciativas dentro das empresas surgem de grupos de diversidade criados internamente. 

Mas, como há poucas mulheres negras no ambiente corporativo, o debate da dupla discriminação não é colocado. “Elas ficam nesse limbo”, afirma. Isso se reflete nas pesquisas de liderança feminina em empresas, que dificilmente trazem o recorte de raça. 

“Não dá para atacar um problema só de cada vez, porque sempre a camada mais privilegiada do grupo desprivilegiado vai sair na frente. É o que acontece com as brancas”, diz a economista Regina Madalozzo, coordenadora do Núcleo de Estudos de Gênero do Insper. 

Nesse contexto, mulheres negras que atingem cargos estratégicos no meio empresarial sabem que são raridades. Flávia Roberta Silva, 43, assessora executiva da presidência da IBM América Latina, conta que ela e os três irmãos sempre foram os únicos negros na escola, na aula de inglês e no curso de russo. Mesmo com dificuldades financeiras, seus pais sempre valorizaram a educação. 

“Há uma dívida histórica em relação aos negros. Até que todos tenham educação de qualidade vai ser difícil ter o resultado lá na ponta [nas empresas]”, diz. 

O fato de ser sempre a única no ambiente de trabalho causa um desconforto. É como se a empresa passasse uma mensagem subliminar de que ela não pertence àquele lugar. 

“Sempre que a pessoa chega é vista com certo estranhamento, isso gera um sofrimento. A resiliência para se manter e ascender nesses espaços tem que ser muito alta e uma prática cotidiana”, diz a representante interina da ONU Mulheres Brasil, Ana Carolina Querino, que é negra. 

Ela conta que frequentemente é confundida por uma estrangeira, como se uma brasileira não pudesse estar na sua posição. “As pessoas falam comigo em inglês, dizem que eu tenho sotaque, é curioso.” 

Crise econômica

A crise também tem afetado de forma desproporcional as mulheres negras, segundo especialistas, o que fica evidente no desalento (pessoas que desistiram de buscar emprego). As mulheres negras são 1,89 milhão —mais do que o triplo do número de homens brancos desalentados. 

“Essa crise, para pretos ou pardos, é mais agressiva, mais perversa”, diz o coordenador de trabalho e rendimento do IBGE, Cimar Azeredo. 

Outro reflexo do momento negativo da economia é a concentração maior de mulheres, especialmente negras, em ocupações relacionadas ao trabalho doméstico. “Em 2011, 2013, 2014, o número de domésticas caiu, porque as mulheres pretas ou pardas estavam conseguindo migrar para outras atividades. Com a crise, essa população voltou a aumentar”, afirma Azeredo. 

Quase 20% das mulheres negras ocupadas trabalham com serviços domésticos, taxa que cai para cerca de 10% entre brancas, segundo a PNAD. A ocupação sequer aparece entre as 20 primeiras para homens brancos ou negros. 

De acordo com Querino, da ONU Mulheres, há uma divisão sexual das áreas de conhecimento e trabalho. “As mulheres vão para os setores de cuidado e doméstico. E os homens para as exatas”. O recorte de raça também tem aspectos históricos, ligados à escravidão", diz ela. “Quando teve o período da abolição as mulheres negras continuaram trabalhando nas casas-grandes.”

O foco nessas áreas também se reflete dentro das estruturas das empresas, em que as mulheres tendem a trabalhar em setores de suporte, como RH, jurídico, comunicação e marketing, afirma a fundadora da Rede Mulher Empreendedora, Ana Fontes. 

“As mulheres não estão nas áreas de ciência mais hard. E são áreas mais bem remuneradas e valorizadas nas corporações, onde as carreiras são mais ascendentes.”

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