Descrição de chapéu

STF mira mau empreendedor que se esquiva do ICMS

Tese do Supremo preconiza punição a quem faz do inadimplemento uma variável de risco ao modelo de negócio

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Fernando da Silva Comin

Na última semana ganhou relevo, no cenário jurídico e, principalmente, empresarial, a discussão havida no STF (Supremo Tribunal Federal) quanto ao reconhecimento do crime de apropriação tributária do ICMS, que ocorre quando o agente deixa de recolher aos cofres públicos o valor de tributo que cobra dos adquirentes de seus produtos e serviços.

A partir da discussão da Suprema Corte no RHC n. 163.334 (Recurso de Habeas Corpus), alardeou-se um cenário de completo terror, na tentativa de blindar o planejamento tributário ilícito que é realizado por alguns, em prejuízo à livre e justa concorrência, permitindo-se o enriquecimento de poucos em detrimento do interesse social.

Com o advento da era da informação e a instrumentalização de tecnologias de combate à sonegação fiscal, o então “sonegador” (aquele que deixava de emitir notas fiscais e declarar os tributos devidos), ciente do cerco do Fisco e dos órgãos de repressão penal, passou a declarar e reter o imposto, escudando-se na morosidade das execuções fiscais e, principalmente, nas inúmeras possibilidades de ocultação do patrimônio da empresa.

O plenário do Supremo Tribunal Federal
O plenário do Supremo Tribunal Federal - Nelson Jr - 04.dez.2019/STF

Além disso, alguns passaram a ver no ICMS (tributo que impacta o preço final dos bens e serviços, onerando o consumidor final em alíquota variável) uma estratégia de negócio que pode maximizar o lucro em percentual superior a 25% em alguns casos.

Por fim, um terceiro grupo de contribuintes identificou na retenção indevida do imposto a chance de ampliar seus negócios. Com a queda da taxa oficial de juros, a apropriação do imposto se tornou forma simples de angariar capital de giro a baixo custo e sem burocracia, na certeza de que parcelamentos a longo prazo e, neste período, regimes de refinanciamento, tornariam a situação de quem se apropria do imposto mais benéfica, inclusive, daquela de quem entrega ao Fisco o valor devido a tempo e modo.

É contra essa minoria de maus empreendedores, que buscam a satisfação de interesses econômicos próprios em detrimento da sociedade e da justa concorrência de mercado, que o MP (Ministério Público) tem agido nos últimos anos e o julgamento que se desenvolve no STF pode representar um avanço histórico no tratamento da matéria no nosso país.

Nem todo devedor de ICMS cometerá o delito.

A tese acolhida no STF não preconiza uma responsabilidade penal objetiva pelo não recolhimento do tributo, mas, sim, a punição daqueles que fazem do inadimplemento uma variável de risco incorporada ao seu modelo de negócio, assim identificados a partir de circunstâncias objetivamente comprováveis, como a prática de preços predatórios em prejuízo da concorrência, inadimplência contumaz do pagamento do tributo, sonegação de patrimônio para frustrar a cobrança do tributo, operação com diversas pessoas jurídicas para dificultar a fiscalização, dentre outras.

Além disso, não se trata aqui de prisão por dívida.

Muitos são os mecanismos despenalizadores que tornam o encarceramento um objetivo praticamente inalcançável, considerando-se a possibilidade da aplicação de medidas como a transação penal, suspensão condicional do processo, aplicação de penas restritivas e, ainda, as hipóteses previstas na legislação de suspensão do processo e extinção da punibilidade pelo parcelamento ou pagamento do tributo.

A tese acolhida pela maioria dos ministros do STF tutela aquele empreendedor que age com correção e que pode ser duplamente prejudicado pelos maus pagadores, pois os bons empresários, além de serem vítimas de uma voraz e desleal concorrência, ainda serão atingidos pela indesejada majoração da carga tributária, visto que sobre estes recairá o ônus tributário que o Estado deverá promover para alcançar o equilíbrio das contas públicas e a prestação de serviços públicos essenciais.

Somente a isonomia tributária e a justa concorrência, associadas à redução da despesa pública, serão capazes de reduzir a carga tributária para todos. Fora daí, qualquer reforma tributária será frustrada. O julgamento da Suprema Corte, portanto, preserva não apenas a ordem constitucional, como projeta o país para um novo momento de progresso e desenvolvimento.

Fernando da Silva Comin é Procurador-Geral de Justiça de Santa Catarina

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