Computador de carro guarda dados pessoais e de direção de motorista

Em alguns casos, informações são transmitidas para montadoras, mostra teste feito nos EUA

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Geoffrey A. Fowler
San Francisco | The Washington Post

Por trás do volante, só existe você; lá fora, a estrada aberta; e seu carro, registrando silenciosamente tudo que você faz.

Em passeio recente, um Chevrolet 2017 registrou minha localização exata. Armazenou número do meu telefone e pessoas para quem liguei. 

Julgou meu estilo de aceleração e frenagem, transmitindo informações à montadora General Motors por conexão de internet permanente.

Os carros se tornaram os computadores mais sofisticados que muitos de nós temos e estão repletos de sensores, centenas deles. 

Mesmo os modelos mais antigos sabem muito sobre seus motoristas. Muitos copiam os dados pessoais do motorista assim que a pessoa conecta o seu smartphone ao painel.

O painel do meu Chevrolet não informava o que o carro estava gravando. Para saber que dados meu carro recolhia, tive de hackear o acesso.

A maioria dos carros modelo 2020 vendidos nos EUA terão conexões incorporadas de internet, entre 100% dos carros da Ford, GM e BMW, e todos exceto um modelo na Toyota e na Volkswagen. 

Esse serviço independente de telefonia móvel é muitas vezes incluído gratuitamente no preço da compra, ou vendido como adicional. 

Os dados dos motoristas são fundamentais para um futuro dos transportes nos quais os veículos serão autoguiados e poderemos usar qualquer um que esteja passando. 

Os dados não são o inimigo. Os carros conectados já fazem coisas boas, como melhorar a segurança e enviar alertas de serviço aos motoristas que são bem mais úteis que um alerta luminoso de problemas no motor aceso no painel.

Mas já percorremos esse perigoso caminho no passado, com televisores inteligentes, smartphones e todos os outros aparelhos inteligentes que, sabemos agora, sabem tudo e fazem o que querem com relação às nossas vidas pessoais. Quando informações sobre nossas vidas são compartilhadas, perdemos o controle sobre sobre elas.

Não existem leis federais nos Estados Unidos que regulamentem o que as montadoras de automóveis podem recolher ou o que elas podem fazer com os dados sobre a maneira pela qual dirigimos. 

E as montadoras demoram a tomar medidas que nos protejam e resistem a elas quando propostas por outros. A maioria oculta o que está recolhendo e compartilhando, por trás de normas de privacidade escritas no tipo de linguagem que apenas a mãe de um advogado aprovaria.

Para descobrir o que um carro sabe ao meu respeito, tomei de empréstimos algumas técnicas usadas por investigadores forenses.

Jim Mason ganha a vida hackeando carros, mas em geral o faz apenas para compreender melhor acidentes de trânsito e furtos. 

Engenheiro treinado no Instituto de Tecnologia da Califórnia, ele trabalha em Oakland, Califórnia, para uma empresa chamada ARCCA, que ajuda a reconstituir acidentes. Ele aceitou meu convite para me ajudar a fazer uma análise forense de minha privacidade automobilística.

Escolhi um Chevrolet para o nosso teste porque sua montadora, a GM, tem o histórico mais longo do setor automobilístico no tratamento da transparência de dados. 

Ela começou a oferecer o serviço OnStar em seus carros em 1996, inicialmente para permitir que motoristas pedissem ajuda em emergências. Hoje, a GM tem 11 milhões de veículos equipados com comunicação 4G LTE nas ruas. 

Consegui um voluntário, Doug, que permitiu que estudássemos seu Chevrolet Volt, adquirido dois anos atrás.

Os veículos modernos portam múltiplos cérebros (computadores) interconectados que podem gerar até 25 gigabytes de dados por hora, vindos de sensores instalados em todas as partes do carro. Mesmo com equipamento de Mason, só conseguiríamos acesso a alguns desses sistemas.

Concentramos o trabalho no computador com dados mais acessíveis: o sistema de informação e entretenimento. 

O motorista pode imaginar esse aparelho como os controles de som no painel do veículo, mas ele interage com muitos sistemas, da navegação à sincronização de smartphones. O único problema é que o computador fica escondido por trás do painel.

Depois de uma hora desparafusando e desmontando, o interior do nosso Chevrolet parecia ter passado por uma lobotomia. Mas Mason havia conseguido extrair o computador, que tem o tamanho de uma lancheira pequena. 

Ele o conectou a uma placa de circuito, e esta ao seu laptop. O esforço valeu a pena quando Mason me mostrou os dados. Em um mapa, estava o local exato para onde eu havia levado o Chevrolet a fim de desmontar seus computadores. Outros destinos de minhas jornadas também eram visíveis, como a loja de material de construção onde parei para comprar fita adesiva.

Dados recolhidos incluíam identificadores únicos para meu celular e de Doug, e registro detalhado de telefonemas da semana anterior. Havia até uma longa lista de contatos, que incluía endereços, emails e até fotos de pessoas.

Para uma visão mais ampla, Mason também extraiu dados do computador do sistema de informação e entretenimento de um Chevrolet, que comprei usado por US$ 375. 

O computador continha dados suficientes para reconstituir os deslocamentos e os relacionamentos de um completo desconhecido, no interior do estado de Nova York. 

Sabemos que essa pessoa mantinha contato com uma pessoa identificada como “Sweetie” [docinho], e temos fotos dessa pessoa. 

Sabíamos em que posto de gasolina da Gulf o carro costumava ser abastecido, o restaurante (Taste China) que o proprietário frequentava e identificadores únicos de seus celulares Samsung Galaxy Note.

O proprietário do carro usado no experimento, Doug, pediu à GM para ver os dados que ela recolhia e compartilhava. 

David Caldwell, porta-voz da GM, se recusou a oferecer informações específicas sobre o carro de Doug, mas disse que os dados que a GM recolhe se enquadram em três categorias: localização do veículo; desempenho do veículo; e comportamento do motorista. 

“Os dados são altamente técnicos, não vinculáveis a indivíduos e não deixam o veículo”, ele disse. Caldwell afirmou que a empresa recolhe dados em tempo real para monitorar o desempenho de veículos, com o objetivo de melhorar a segurança e ajudá-la a projetar futuros produtos e serviços.

Mas no site e no app da GM existem pistas sobre o que a companhia sabe. A empresa oferece um placar de direção inteligente —que mede o desempenho do motorista com base na intensidade de suas freadas e na trajetória de de suas curvas, bem como em seu uso do carro tarde da noite.

Esses dados são compartilhados com seguradoras, se o motorista permitir. Com o serviço OnStar pago, o proprietário pode identificar a posição exata do veículo.

Tradução de Paulo Migliacci

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