Chef cria restaurantes em São Paulo a partir de malas de recordações

Italiano que chegou ao Brasil há 8 anos gerencia casas sem usar computador

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Dono de oito restaurantes na capital paulista, o italiano Rodolfo de Santis, 33, não tem computador. Duas malas armazenam anotações, documentos e referências que usa para gerenciar suas casas, por onde passam 35 mil pessoas por mês —a última, a Forno da Pino, abriu em janeiro.

Santis é natural de uma pequena cidade no sul da Itália e, apesar de ter trabalhado em restaurantes estrelados em três países antes de chegar ao Brasil, não guarda no discurso as cozinhas sofisticadas que deixou para trás.

Diz que os gurus para seu o negócio são figuras como Danny Meyer, presidente do grupo Union Square Hospitality e fundador do Shake Shack —que serve hambúrgueres feitos com carne livre de antibióticos e hormônios, presente em mais de 275 pontos nos EUA.

“Ele tem restaurantes estruturados, em que a gestão conta. É como se fosse a Microsoft ou a Apple”, diz. ​

O chef Rodolfo de Santis - Zanone Fraissat/Folhapress

No ano passado, quando lançou cinco casas, Santis teve de “matar” ou “gerenciar de uma forma diferente” seu lado cozinheiro para dar conta de administrar cerca de 300 funcionários no seu “modelo de gestão meio centralizada”. 

Como tudo passa por ele  —de problemas no banheiro ao custo da matéria-prima—, Santis fala sem preocupação sobre não ficar todo o tempo na cozinha dos restaurantes —todos ficam no Itaim Bibi, exceto o Nonna Rosa, nos Jardins.

O tema é polêmico na gastronomia. Foi discutido no livro “Para Onde Foram os Chefs”, do temido François Simon, ex-crítico do jornal Le Figaro. 


“Ainda existe um piloto a bordo?”, pergunta Simon, antes de discorrer sobre o estrelado francês Alain Ducasse, dono de 34 restaurantes em sete países.

Em maio de 2018, quando abriu o Giulietta Fogo & Vino, dedicado a carnes, a meta de Santis era passar 15 dias acom panhando funcionários na rotina da cozinha. Cinco meses depois, quando chegou a vez do Nonna Rosa, de receitas italianas familiares, ficou só um dia —“a equipe já trabalhava sozinha para servir 360 clientes em um sábado”. 

“É um desafio tremendo de organização”, diz.

Espaguete à carbonara servida na Osteria Nonna Rosa, do chef Rodolfo de Santis
Espaguete à carbonara, servida na Osteria Nonna Rosa, do chef Rodolfo de Santis - Marina Consiglio/Folhapress

A decisão de ser um “chef gestor” começou a ser moldada enquanto ainda era funcionário. “Entendi que o negócio não pode ter mais cozinheiro brigando com garçom. O mercado mudou totalmente, precisa ter profissionalismo”, diz.

Santis chegou ao Brasil há oito anos e, antes de abrir seu primogênito, o Nino Cucina, em 2015, trabalhou como chef nos restaurantes Biondi, Domenico (ambos extintos) e Tappo, na Consolação.

Começou a registrar os “problemas que tinha zero potencial para resolver como funcionário” e criou o hábito de conversar com o cliente para entender onde estava errando e o que poderia ser ajustado.

Fez um estudo dos principais restaurantes de São Paulo para levantar o que deu certo e o que não deu em receitas, serviço e decoração e começou a coletar os documentos que hoje guarda nas duas pastas.

“Tive de sair da escola de gastronomia na Itália com 17 anos porque minha mãe não tinha grana. Aprendi tudo na raça, olhando, perguntando, estudando”, diz. 

Em sua pesquisa, algumas coisas foram ficando para trás no cenário gastronômico, como toalhas de linho. “É um hábito que impacta custos finais. Com 35 mil pessoas [nos restaurantes], se eu errar na escolha de uma louça ou um prato, perco R$ 60 mil por mês.”

A margem de lucro em seus restaurantes varia de 20% a 28%. O faturamento é de cerca de R$ 5 milhões ao mês.

Ter uma visão de perto sobre a totalidade de um restaurante —custos, organização da cozinha, atendimento e decoração— também ajuda na criação das receitas.

“Nunca penso só no prato. Ele é um pequeno braço que precisa fazer sentido dentro do cardápio, que precisa fazer sentido dentro do restaurante. O primeiro passo é: como os cozinheiros vão produzir isso? Faz sentido ter dois pratos pratos semelhantes?”, diz. 

Os pratos são pensados de acordo com disponibilidade e preços dos ingredientes, monitorados pela equipe de compras. “Se algo ficou mais caro, será negociado. Somos uma empresa saudável, pagamos à vista, então temos a preferência de fornecedores”, diz. 

A minoria dos empregados do restaurante tem ensino superior, mas encontra mobilidade na empresa —há quem ganhe hoje dez vezes mais do que o seu salário inicial.

Quem se destaca pode se tornar líder —há sempre dois no salão e dois na cozinha e, quando há algum problema, avaliam a gravidade entre os níveis A, B e C. “Eles resolvem sozinhos as situações nos dois últimos níveis e me consultam para o resto”, diz o chef.

Por ora, Santis cuida pessoalmente de diferentes áreas do restaurante, mas pretende fortalecer alguns núcleos, como RH e marketing.

Afinal, ainda pensa em abrir novas casas —quem sabe uma francesa ou outra mais autoral. “Não tem nada no papel, mas penso em um lugar em que possa criar, com menos obrigação com cardápio fixo. Quero tentar estruturar.”

Certamente, vai recorrer às suas malas de referências —e deve seguir sem computador. Até chegou a comprar um, mas deu o eletrônico para a namorada antes de sua primeira reunião.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.