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Paulo Hartung

Não podemos misturar calamidade do coronavírus com farra fiscal

Oportunismo não deve ter espaço neste tempo trágico de pandemia

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A pandemia do novo coronavírus é um desafio inédito para as nossas gerações. Combina graves questões de saúde com cruciais demandas socioeconômicas. E, a agravar a experiência nacional da crise planetária, ela alcançou o Brasil num momento de fragilidades econômicas e sociais.

Mesmo com a reforma da Previdência e com a evolução na queda das taxas de juros, a pandemia chegou ao mais endividado país em desenvolvimento, cerca de 77% do PIB, e com mais 12 milhões de desempregados. Em 2019, a recuperação econômica sussurrava a meros 1,1%. E a taxa de investimento, tanto público quanto privado, girava em torno de esquálidos 15%.

Agravam esse quadro o déficit de liderança, a desarticulação entre os Poderes e um cenário de desencontro institucional entre a governança nacional e as redes subnacionais de poder. Algo ruim, que precisa ser rapidamente superado.

Ou seja, o desafio brasileiro é maior do que o de outros países, como a Alemanha, por exemplo. Mas se temos peculiaridades que agravam a travessia da pandemia, é preciso notar que o receituário a seu enfrentamento é planetário.

Neste momento, é preciso ampliar o investimento público para salvar vidas, com o fortalecimento do sistema de saúde, o SUS, no nosso caso, e para reduzir os amplos impactos na vida dos segmentos mais desprotegidos, especialmente com a garantia de renda e a manutenção de negócios e empregos.

Nessa caminhada, é impositivo que tenhamos um norte ético-político a nos guiar. Primeiramente, é preciso ter claro que se trata de ações e medidas transitórias. Socorro não pode virar despesa permanente. Já experimentamos os efeitos nefastos desse equívoco no pós-crise de 2008/2009.

A destinação de recursos públicos deve ser incondicionalmente orientada pela consciência de que se trata de dinheiro da sociedade, sagrado, portanto. Se esses recursos vêm de endividamento, ou seja, se são tomados das futuras gerações, como é o caso, além dos aspectos de lisura e legalidade que devem nortear sua aplicação, precisa-se seguir um senso ainda maior de respeito e justiça. Esse recurso tem de ser alocado para preservar vidas, cuidar dos segmentos vulneráveis e buscar evitar uma calamitosa depressão econômica.

Nesse sentido, é preciso tanto desviar-se do histórico patrimonialismo nacional, que sustenta um país inaceitavelmente desigual e injusto, quanto nos livrar das tentativas insanas de misturar agendas pregressas à pauta da calamidade atual, como os movimentos de farra fiscal que podem criar verdadeiras bombas a comprometer ainda mais nosso horizonte. Enfim, o oportunismo, que ronda a vida nacional, não deve de forma alguma ter espaço neste tempo trágico que enfrentamos – isso seria, no mínimo, desumana covardia.

Nesse processo, também ajuda muito ter consciência de que toda crise possui três “forças”: aprendizados, oportunidades e finitude. Por exemplo, diante da grave tomada de consciência de que o Executivo não tem capacidade de comunicação e gestão de dados que o conecte a todos os cidadãos, coloca-se a oportunidade de se modernizar o Estado. Sabendo-se da finitude de toda tormenta, é preciso pautar medidas ágeis e tempestivas para que saiamos dessa crise com tração suficiente para movimentar o país na direção de uma nação com oportunidades para todos os brasileiros, de modo inclusivo e sustentável.

A tarefa mais complexa em tempos críticos não é cumprir um dever, mas identificar o que se deve fazer. Com prudência, agilidade e serenidade, é preciso que estejamos todos unidos no enfrentamento da pandemia, numa travessia lúcida, republicanamente ética e responsável com o presente e com o futuro.

A pandemia nos alcançou em um momento crítico e, para piorar, o seu enfrentamento segue tortuoso. Se já tínhamos motivos para deixar os palanques presenciais e digitais para trás, o que dizer agora? Temos de unir o país. Precisamos melhorar a coordenação das ações e o exercício da liderança. Ninguém sabe o país que emergirá do pós-pandemia. Mas podemos dizer que o Brasil do futuro será o que estamos fazendo agora.

Paulo Hartung é economista, presidente-executivo Ibá (Indústria Brasileira de Árvores), membro do conselho do Todos Pela Educação, ex-governador do Estado do Espírito Santo (2003-2010/2015-2018)

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