Suspensão das festas de São João agrava crise no semiárido nordestino

A festa representa de 18% a 20% da economia anual de pequenos municípios que, sem a festa, dependem mais do estado

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São Paulo

A suspensão da festa de São João em razão da pandemia de Covid-19 deve ter um impacto significativo na economia nordestina, mas sobretudo na região do semiárido.

Diferentemente do carnaval, concentrado nas capitais, uma das principais características do evento é sua pulverização por todo o interior da região, o que o torna uma importante fonte complementar de renda para cidades de pequeno e médio porte.

A festa representa de 18% a 20% da economia desses municípios ao ano, afirma o economista Roberto Machado Lopes, professor da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Com a suspensão, a economia nordestina pode sofrer uma retração adicional do PIB de 2% a 3% em 2020, para além dos cerca de 8% já projetados.

“O São João é o ponto máximo do ano aqui no Nordeste, a gente não consegue compreender que o pessoal trabalhe em 24 de junho em São Paulo. Nesse mês acontece um fluxo muito grande de nordestinos para o semiárido, o que acaba sendo uma fonte de renda, injetando recursos na economia local”, avalia Lopes.

O economista Adelson Santos, professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) destaca Caruaru como exemplo. Lá o São João movimenta R$ 200 milhões e gera mais de 20 mil empregos ao longo do mês, aponta.

A festa alimenta todo ano uma cadeia que vai desde às pequenas bandas e forrozeiros que se apresentam aos vendedores ambulantes, passando pelo varejo de roupas e serviços de hospedagem e alimentação.

“O São João integra toda uma cadeia de turismo no interior do Nordeste que é diferente daquela da capital, onde as atividades são mais formalizadas e concentradas”, afirma Gervásio Santos, professor de economia da Universidade Federal da Bahia.

O economista destaca ainda o efeito sobre os trabalhadores autônomos e informais, que ao longo do ano se deslocam de evento em evento, como o Carnaval, as micaretas e as festas religiosas. Sem o São João, eles devem perder uma fonte importante de complementação da renda.

Em razão desse fluxo de trabalhadores, muitos oriundos de cidades pequenas, o efeito do cancelamento de uma festa de grande porte como o São João de Caruaru ou o de Campina Grande acaba se difundindo por toda a região, avalia Santos, da UFBA.

Adelson Santos, da UFRPE, destaca por exemplo os municípios pernambucanos de São Caetano, próximo de Caruaru, Salgueiro e Triunfo, que têm na festa uma fonte importante de recursos.

Os pequenos comerciantes são outra categoria que deve ser prejudicada. Segundo Lopes, o São João é a segunda data mais importante em termos de vendas para o varejo local depois do Natal.

Santos, da UFBA, alerta para as consequências socioeconômicas desse impacto, como aumento da criminalidade. “As pessoas precisam internalizar que essa imagem do interior do Nordeste rural hoje representa muito pouco. Quando falamos do semiárido, estamos falando de cidades com alta taxa de urbanização, com problemas típicos de cidade”, diz.

As perspectivas de recuperação da região no pós-pandemia dependem fortemente da ação do Estado, afirmam os economistas. Lopes aponta que a base da economia do semiárido é a administração pública e os programas de transferência de renda.

Nesse sentido, mais que um adiamento do São João para o segundo semestre, como vem sendo cogitado por alguns municípios, a região precisa de suporte via reajustes e contratações de funcionários públicos e assistência social, como o auxílio emergencial e o Bolsa Família.

“A tentativa futura do governo federal de fazer um reequilíbrio fiscal vai prejudicar muito o Nordeste no longo prazo porque a região vive de transferência de renda e da capacidade dos municípios de gastar”, afirma Lopes.

Esse cenário afeta principalmente o semiárido, uma vez que as capitais têm uma economia mais diversificada. Em conjunto, isso pode levar a um agravamento da desigualdade regional, segundo o economista.

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