Derrubada de veto fragiliza relação do governo com base no Senado e ameaça desoneração da folha

Planalto consegue adiar votação para tentar negociações, mas ainda não tem votos suficientes

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

A derrubada do veto que impedia reajuste de salários para servidores implodiu a relação do governo com sua base no Senado e deu mais força para a derrubada do veto da desoneração da folha de pagamento, próxima batalha que o governo tem na Casa.

O Planalto já conseguiu adiar essa votação para setembro com o objetivo de evitar uma nova derrota. Entretanto, o governo ainda não tem votos suficientes para a manutenção do veto. A nova sessão do Congresso está marcada para próximo dia 2.

Os senadores, inclusive os governistas, querem manter o benefício fiscal às empresas. A desoneração, que atinge 17 setores até o fim de 2021, foi barrada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

O governo estima que, por ano, deixaria de arrecadar R$ 10,2 bilhões com a isenção. Os governistas aguardam uma contrapartida do governo, o que ainda não ocorreu.

Davi Alcolumbre (DEM-AP), Jair Bolsonaro (sem partido) e Rodrigo Maia (DEM-RJ) durante pronunciamento à imprensa sobre o compromisso do governo com o teto de gastos - Pedro Ladeira - 12.ago.2020/Folhapress

“É obvio que se tivesse [o governo] um pouquinho de inteligência e boa vontade, já teria definido. Aí por uma burocracia dessas ficam travando. Não passa a desoneração. Ela vai ser derrubada e prorrogada”, diz o vice-líder do governo no Senado, Izalci Lucas (PSDB-DF).

As relações dos senadores da base com o governo ficaram ainda mais desestabilizadas após declarações do ministro da Economia, Paulo Guedes, que classificou como crime a decisão do Senado de derrubar o veto do governo que impede aumento de salários para servidores. A Câmara reverteu o resultado.

Irritados com as reações do governo, os líderes da oposição e da base querem que Guedes explique as acusações que fez ao Senado. A ideia inicial era um convite, mas os senadores defenderam a convocação. O requerimento será de autoria do senador Esperidião Amin (PP-SC).

Amin, que integra a base de apoio do governo, afirma que diante dos últimos fatos, o governo não tem força para segurar a manutenção do veto à desoneração da folha.

“O Paulo Guedes armou o Senado contra ele. Não passa desse jeito (desoneração)”, resumiu.

A batalha em torno da desoneração da folha de pagamento começou em junho, quando o Congresso aprovou permissão para o governo estender a flexibilização de regras trabalhistas na pandemia, como a redução de jornada e de salário, e incluiu no projeto um artigo para que a desoneração da folha, medida que diminui o custo de contratação de funcionários, valesse até o fim de 2021.

Bolsonaro vetou a desoneração, aumentando ainda mais as divergências com a base, que reclama da falta de confiabilidade nos acordos fechados entre o governo e os líderes no Senado.

Esse foi o argumento, inclusive, que resultou na derrubada do veto que impedia reajuste de salários, na última quarta-feira (19). Senadores bolsonaristas, liderados pelo vice-líder do governo Izalci Lucas, se uniram a parlamentares da oposição, sendo responsáveis pela derrubada do veto.

Insatisfeitos com a forma como estão sendo tratados pelo governo, a ideia do grupo era dar uma espécie de recado ao governo. Agora, já eles exigem também um pedido de desculpas de Guedes, que os acusou de cometer crime ao derrubar o veto.

“Como crime? Temos pessoal que deram a vida por nós com redução salarial. Não é dar tratamento isonômico a todos. Precisamos conversar mais, não pode apenas ser não e não tem de ter justificava razoável”, disse Lucas.

Líder do PR no Senado, Jorginho Mello (SC) também demonstra irritação com o governo. O PR, assim como o PP, integra o centrão, bloco de partidos que apoiam o presidente no Congresso. Enquanto na Câmara o apoio parece solidificado, no Senado, a relação está em crise.

“O Paulo Guedes não pode falar a bobagem que ele falou. Ele tem de respeitar o Senado, tem de respeitar a base. Eu sempre voto a favor do governo e não aceito É muito leviano isso. Do jeito que o governo está nos tratando (base) não passa a desoneração”, ameaçou.

Na noite desta sexta, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também alertou para as consequências da fala de Guedes. Maia já tinha afirmado que a fala do ministro atrapalhava as relações com o Congresso e poderiam contaminar também o clima na Câmara.

Ele avaliou que o ministro está sob alto nível de estresse, mas que Guedes cometeu um erro que pode ter custos. Por isso, Maia pediu ao ministro Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) que outros ataques fossem direcionados ao Senado.

"Eu entendo toda a complexidade hoje da execução da política econômica, mas um erro como esse pode ter custo. Inclusive, na quinta de manhã ligue para o ministro Ramos e pedi ‘ministro, pelo amor de deus, não deixa mais ninguém criticar o Senado, porque isso contamina a Câmara'."

Maia também disse que, pare evitar a convocação planejada pelos senadores, Guedes poderia voluntariamente pedir uma reunião com a Casa.

"Acho que ele poderia até se antecipar, pedir uma reunião. Discutir e mostrar a aflição que ele tinha em relação a essa sinalização que seria muito ruim nesse momento para aqueles que estão investindo no Brasil, aqueles que estão olhando a médio e longo prazo a necessidade do respeito ao equilíbrio fiscal. Mas acho que a gente tem que superar esse episódio. Acho que ele errou, não adianta negar, criou incômodo, criou um mal-estar, mas nós precisamos superar esse mal-estar pelo bem da pauta de reformas."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.