Empresários usam crise ambiental para preservar benefícios para Zona Franca de Manaus

Existência do polo industrial seria razão para o estado do Amazonas manter a preservação de 95% de sua cobertura vegetal

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Brasília

Associações empresariais brasileiras estão usando a crise ambiental, por conta da alta do desmatamento na região da Amazônia Legal, como argumento para a manutenção de benefícios tributários para a Zona Franca de Manaus.

Os empresários que atuam na região temem que mudanças advindas com a reforma tributária, em discussão no Congresso, promova um corte brusco nos benefícios tributários e alfandegários atualmente usufruídos.

Mais particularmente, argumentam que as duas PECs (Propostas de Emenda Constitucional) em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado –respectivamente PEC 45 e 110 –estabelecem prazos de transição para o fim dos benefícios insuficientes. A consequência, defendem, será uma fuga de investimentos e fechamentos de fábricas e setores.

Com o futuro da Zona Franca de Manaus ameaçado, um dos argumentos dos empresários para a manutenção dos benefícios passou a ser a preservação do meio ambiente. A questão se tornou uma das principais crises enfrentadas pelo governo do presidente Jair Bolsonaro, após as sucessivas altas no desmatamento na região da Amazônica legal.

Linha de montagem de motos na fábrica da Honda no distrito industrial da Zona Franca Manaus - Lalo de Almeida-05.ago.18/Folhapress

Além do desgaste interno, a alta nos crimes ambientais provocaram reação internacional. Investidores estrangeiros, como Alemanha e Noruega, mantêm há quase um ano congelados seus repasses para o Fundo da Amazônia.

Os empresários defendem que o Polo Industrial de Manaus é o principal responsável pelo fato do estado do Amazonas manter a preservação de 95% de sua cobertura vegetal, enquanto vizinhos sofrem com a ação de extrativistas e garimpeiros, que causam devastação na floresta.

"O governo federal tem em suas mãos um modelo de desenvolvimento regional bem sucedido, com geração de emprego e renda, investimentos de centenas de milhões por ano em pesquisa e desenvolvimento, indústria de ponta e com uma pegada de preservação ambiental sem tamanho​", afirmou à Folha Jorge Nascimento, presidente da Eletros (Associação Nacional dos Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos).

"Existem estudos que comprovam que a relação entre o polo industrial de Manaus e preservação da floresta amazônica no Amazonas é totalmente complementar", completa.

Associações empresariais elaboraram um projeto de desenvolvimento sustentável para a região. O principal pilar da iniciativa prevê o uso de recursos gerados com a Zona Franca de Manaus em um programa para diversificar as atividades econômicas na região.

"O estado do Amazonas precisa da indústria para não desmatar e não repetir erros do passado observados em outras regiões brasileiras. Então, a questão que se coloca passaria a ser sobre como a atividade industrial, atualmente presente no estado do Amazonas, pode ajudar ainda mais a evitar o desmatamento", afirma o texto do documento.

O projeto cita em seguida a necessidade de investimentos em setores como fármacos, alimentos e fruticultura, psicultura, cosméticos, biomassas e bioenergia, mercado de carbono e turismo –embora não apresente propostas detalhadas para cada um.

A proposta, segundo os empresários foi entregue nesta segunda-feira ao vice-presidente Hamilton Mourão, também presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal. O documento foi assinado pela FEFEAM (Federação das Indústrias do Amazonas), a Eletros, Abraciclo (Associação dos Fabricantes de Motocicletas e Bicicletas) e CIEAM (Centro da Indústria do Estado do Amazonas).

Mourão também participou, por videoconferência, de reunião do comitê de indústria da Zona Franca de Manaus. O vice-presidente disse entender a "angústia" dos empresários em relação à reforma tributária, mas disse acreditar que não haverá de imediato um avanço sobre os benefícios fiscais dessa região.

O vice-presidente disse que a Zona Franca de Manaus vai precisar passar por uma nova fase na reformulação de seu modelo, em busca da inovação e para agregar conhecimento.

"Acredito que num futuro, aí não tem como dizer quando ocorrerá isso, a partir do momento em que ocorrer realmente a integração da Amazônia com o restante do país, com o restante do mundo e, consequentemente os custos de produção diminuam, poderá haver então o desmame dos benefícios fiscais que ocorrem aí", disse Mourão.

O vice-presidente voltou a ser questionado mais quatro vezes sobre a redução dos benefícios, ao longo do evento.

Além de mencionar a geração recursos para uma agenda sustentável, os empresários da região também criam um cenário de catástrofe para um eventual fim dos benefícios para a Zona Franca de Manaus.

"O Amazonas é uma referência ambiental e tem 95% da sua floresta em pé, porque a população nunca precisou derrubar a floresta, fazer exploração de minérios, fazer todo um trabalho de devastação para poder sobreviver, diferente dos outros estados [da região]", disse Nascimento.

"A partir do momento em que a gente abre mão desse modelo, inevitavelmente teremos duas consequências muito graves: uma evasão da população, que, sem emprego e sem renda, vai buscar atividade em outros locais. E segundo, quem ficar lá, sem dúvida, a população vai buscar um caminho que é o da devastação", completa.

Os dados das associações de empresários apontam que a Zona Franca de Manaus promove 500 mil empregos e responde por 80% da arrecadação do estado do Amazonas.

O vice-presidente também disse que a proposta de reforma tributária do governo federal vai buscar em um momento reorganizar o sistema nacional, considerado "caótico", para em seguida promover a redução da carga tributária, para cerca de 25%.

"É um sistema caro, custa aí mais de R$ 70 bilhões por ano para empresas e governo, para manter esse troço em pé. Tem uma evasão de uns R$ 400 bilhões, ou seja, é um sistema que precisa ser reformado e com urgência", disse o vice-presidente.

"Nós temos que reorganizar isso e para numa fase posterior conseguirmos diminuir essa carga para a faixa ali de uns 25%, que é a faixa para um país do tipo do Brasil", completou.

A declaração contrasta com as falas de integrantes da equipe econômica, que falam inicialmente apenas em não aumentar a carga tributária.

"Nós não vamos aumentar a carga tributária. Nós estamos em um programa de simplificação e redução de impostos. A carga tributária pode ser a mesma, mas nós vamos reduzir 10, 15, 20 impostos por um", disse o ministro Paulo Guedes, durante audiência na comissão mista da reforma tributária no Congresso, no dia 5 de agosto.

Por outro lado, técnicos da área econômica têm dito que não dá pra diminuir por causa da situação fiscal do país

Sem mencionar especificamente a crise ambiental, por conta na alta dos desmatamentos, o vice-presidente afirmou que o Brasil precisa preservar a região da Amazônia, mas que não pode abrir mão de promover desenvolvimento econômico na região.

"A Amazônia aparece aos olhos do mundo como se devesse ser uma reserva intocada", disse o vice-presidente.

"Muito bem, temos que mantê-la preservada. Mas temos de ter projetos adaptados à realidade local e que sirvam para alavancar a produção", completou

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