Disparada do preço do arroz é resultado de 'tempestade perfeita', diz produtor

RS projeta aumento de apenas 3,5% na área plantada para a próxima safra

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Belo Horizonte

A disparada de preços do arroz é resultado de uma "tempestade perfeita", afirmam produtores. Segundo eles, o aumento decorre de mudanças tanto no mercado externo, com aumento das exportações, quanto no mercado interno, dado que o brasileiro passou a comer mais em casa durante a pandemia.

O preço baixo do produto nos últimos anos também é parcialmente culpado pelo cenário atual, uma vez que levou ao encolhimento da produção.

A avaliação é de produtores do Rio Grande do Sul ouvidos pela Folha. O estado é o maior produtor de arroz do país e estima semear cerca de 970 mil hectares na safra 2020/2021, um aumento de 3,5% em relação à área colhida na safra anterior.

Safra de produção de arroz em Araranguá (SC)
Safra de produção de arroz em Araranguá (SC) - Guilherme Hahn/Folhapress

“Aconteceu a tempestade perfeita este ano. Pouco produto, a pandemia, aumento de consumo, desvalorização do real, aconteceu tudo isso e deu a explosão na cadeia de arroz. A culpa não é desse momento, há anos o produtor vem se endividando e foi abandonando a lavoura porque não sobrava dinheiro no preço que era negociado o arroz”, diz André Ceolin, sócio-proprietário do Grupo Ceolin, que produz e compra o grão.

O grupo –um dos grandes produtores do estado– não teria estoque até o fim do ano se seguisse vendendo regularmente, na média de 80 a 100 mil fardos por mês (cerca de 190 toneladas de arroz), segundo Ceolin.

Enquanto em 2019 o Brasil exportou 269.164,9 toneladas de arroz, segundo dados do Comex Stat do Ministério da Economia, entre janeiro e agosto de 2020 o montante chegou a 487.428,8 toneladas.

Davenir Santos diz que a família vendeu parte da produção logo no início da safra para pagar algumas contas, quando o preço variava entre R$ 48 e R$ 52 o saco.

Pouco tempo depois, com a abertura para exportação, 20% da produção de 2019/2020 foi vendida à Guatemala ao preço de R$ 61 por saco. Segundo ele, só da cooperativa da qual faz parte, saíram entre 60 e 70 mil sacos de arroz para fora do país.

O grupo, de Eldorado do Sul (região metropolitana de Porto Alegre), planta 2,5 mil hectares e colhe em média 7 mil quilos por hectare.

Agora, ainda com estoque em um silo particular e na cooperativa, ele consegue mais de R$ 100 por saco no mercado interno. Segundo o Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), na quinta-feira (10) a cotação era de R$ 105.

A maioria dos vizinhos, diz ele, vendeu a produção logo no início, sem sonhar com o cenário atual.

“A gente vinha sofrendo há anos, o pessoal saiu muito do plantio do arroz aqui no Rio Grande do Sul e migrou para soja. Arroz não dava mais lucro, só prejuízo”, diz ele.

“Há dois anos, eu estava pagando adubo a R$ 800/tonelada, hoje estou pagando R$ 2.000. Comprei dois tratores, paguei R$ 150 mil cada. Hoje está R$ 290 mil, dobrou o preço em dois anos. O preço do arroz está bom agora, mas o custo para produzir um saco aumentou bastante”, avalia.

Segundo Ivo Mello, diretor técnico do Irga (Instituto Riograndense do Arroz), o número de produtores de arroz do Rio Grande do Sul caiu pela metade nos últimos 20 anos —hoje, são cerca de 7 mil. A dificuldade em conseguir lucro é um dos principais motivos para quem deixa o plantio do grão.

Apesar de a produção se manter em índices semelhantes, mesmo com menos produtores, houve ainda redução na área plantada no estado —ação recomendada pela autarquia gaúcha para garantir preços melhores.

"Quem mais ganhou dinheiro com esse valor e com exportação foram os grandes conglomerados, porque eles tinham o arroz. Quando chegou a R$ 70, R$ 80, o produtor médio e pequeno já tinha vendido para a indústria, para as cooperativas. Pouco produtor está vendendo acima de R$ 100", afirma ele.

Raul Borges, presidente dos sindicatos rurais de Itaqui e Maçambará (3º e 13º maiores produtores de arroz do estado), avalia que o momento atual é bom para quem ainda tem produto para ser vendido e para quem já não tem estoque, porque pode balizar o preço futuro.

Borges chegou a plantar 600 hectares de arroz em sua região, mas diz que reduziu a área para 400 hectares, onde consegue uma produtividade média de 8 mil quilos por hectare.

“No mínimo, tínhamos que ter lucro de 10% ou 15%”, diz. “O governo tirou a TEC (Tarifa Externa Comum) para importação, mas para os nossos insumos temos ainda várias TECs, em vários produtos que não podemos importar e faz anos que reivindicamos isso no Mercosul, poder comprar e produzir com igualdade, e não é liberado no Brasil”.

A medida foi anunciada pelo Ministério da Agricultura esta semana para conter a alta dos preços, limitando a isenção de taxas de importação a 400 mil toneladas de arroz em casca e beneficiado até 31 de dezembro.

Silvio Farnese, diretor de comercialização e abastecimento do Ministério da Agricultura, estima que o Brasil tenha ainda entre 4 milhões e 4,5 milhões de toneladas de arroz no mercado, e que por isso a retirada da tarifa deve garantir abastecimento ao país.

Ele afirma ainda que não há previsão para retirada de tarifas para insumos usados na produção e que o preço do arroz pode se manter alto pelos próximos meses.

“Não tem cenário de baixa muito grande de preço, mas isso depende do que vier de fora. Se os importadores trouxerem um produto mais barato para fazer, por exemplo, arroz parboilizado, pode gerar tendência de redução. Mas a hipótese original é uma manutenção dos atuais preços até dezembro”, avalia.

Destaque na América Latina pela produção de arroz orgânico, o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) colheu 15 mil toneladas na última safra, com plantio em 3.215 hectares, produzidos por 364 famílias de 14 assentamentos.

Para Emerson Giacomelli, coordenador do Grupo Gestor do Arroz Agroecológico do MST, a disparada do preço mostrou uma fragilidade política do governo, que não manteve estoque para equilibrar o mercado. Ele avalia que isso pode acontecer a outros produtos de consumo estratégico em breve.

“Essa conta está sendo paga pelo consumidor e pela grande maioria dos produtores que venderam a produção quando o preço ainda estava baixo”, diz.

“Eu recebo quatro ou cinco ligações das grandes empresas, todos os dias, querendo comprar nosso arroz em casca. Hoje tenho uma proposta, como nunca recebemos antes, de R$ 110 por um saco de 50 kg. Nunca vivemos essa realidade”.

Lucas Siqueira, técnico agrícola que tem mais de 30 mil seguidores no Instagram, viralizou com um vídeo de quase oito minutos nas redes sociais onde fez um desabafo sobre a situação.

Nele, ele critica quem reclama dos preços, comparando ao que se paga por um tênis, por exemplo, e diz que o produtor não está ficando mais rico e que muitos mal cobrem os custos de produção.

“Está sobrando um pouco mais para o produtor, só que o que tem para trás arrastando, as dívidas do agro, ninguém vê. Pessoal acha que o agro é pop, o agro é chique, isso é bonito nas fotos, mas na ponta da caneta é diferente”, disse à Folha.

Erramos: o texto foi alterado

Diferentemente do publicado anteriormente nesta reportagem, o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) colheu 15 mil toneladas na última safra, e não 450 mil, com plantio em 3.215 hectares, produzidos por 364 famílias de 14 assentamentos.

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