Descrição de chapéu Financial Times Economia em debate

Próxima crise financeira pode chegar em breve

Probabilidade é de 20% nos próximos 2 anos, segundo pesquisa da Oxford Economics com 162 empresas

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Gillian Tett

Presidente do conselho editorial do Financial Times nos EUA

Londres | Financial Times

Qual é a probabilidade de que uma nova crise financeira aconteça, em sua estimativa? Este mês, os pesquisadores da consultoria Oxford Economics fizeram essa pergunta a 162 empresas internacionais. A média das respostas oferecidas foi de 20%, quanto aos próximos dois anos.

É uma probabilidade duas vezes maior do que a estimada para uma segunda onda mundial da pandemia Covid-19 e, lamentavelmente, também mais alta que a de que uma vacina bem-sucedida para a doença seja desenvolvida rapidamente.

Esses temores já têm consequências tangíveis: causaram uma queda de confiança maior do que os números brutos justificariam, na pesquisa da Oxford Economics este mês. “Nossa análise sugere que o medo de uma crise financeira responde por boa parte do pessimismo”, disse Jamie Thompson, o economista que comanda a pesquisa. Isso deveria preocupar os investidores ainda que não porque seja provável que uma crise financeira estoure de imediato –ao menos não uma crise capaz de capturar as manchetes como a de 2008. Pelo menos dois fatores atenuam esse risco.

Bolsa de Nova York durante pregão - Johannes Eisele - 19.mar.2020/AFP

Para começar, o Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos e outros bancos centrais deixaram claro que “farão o que quer que seja necessário”, para citar a promessa de Mario Draghi em 2012, a fim de manter os mercados em funcionamento durante a pandemia. Os acontecimentos em março serviram como exemplo: quando o mercado de títulos do Tesouro dos Estados Unidos congelou, o Fed entrou na parada com medidas extraordinárias de sustentação da liquidez.

Segundo, os bancos não são a fonte do choque econômico, este ano. Também estão capitalizados de modo muito mais adequado, nos Estados Unidos e em boa parte da Europa, do que estavam em 2008. “Os grandes bancos dos Estados Unidos entraram nesta crise em condição forte, e o Federal Reserve tomou medidas importantes para ajudar a manter a resiliência dos bancos”, disse Randal Quarles, um importante dirigente do Fed. Ou, nas palavras do grupo de estatísticas financeiras Morningstar, “o risco de insolvência e de uma crise de capital no sistema financeiro dos Estados Unidos parece ser muito mais baixo, desta vez”.

Mas há um porém: uma crise financeira nem sempre se materializa da mesma forma que aconteceu no caso do colapso do banco Lehman Brothers. Às vezes, o desgaste financeiro emerge de maneira mais insidiosa. Os puristas podem contestar que esse tipo de cenário mereça descrição como “crise”. Mas o ponto chave é que o desgaste crônico pode ser muito debilitador para a economia, como os respondentes da pesquisa da Oxford Economics certamente sabem.

Um dos problemas que afligem as finanças, de acordo com Carmen Reinhart, economista chefe do Banco Mundial, é que o endividamento de muitas instituições já era astronômico mesmo antes da Covid-19. “Se você observar as vulnerabilidades do setor financeiro, em longo prazo é difícil não encarar a situação com pessimismo”, ela me disse durante um seminário na web.

A isso devemos acrescentar que continua impossível calcular a escala real das perdas de crédito causadas pela Covid-19 enquanto a pandemia persiste, especialmente porque as normas generalizadas de tolerância quanto ao não pagamento de créditos ocultam boa parte do estrago. “Ainda que os bancos não sejam a origem da crise, eles não podem imaginar que escaparão incólumes”, apontou Hyun Song Shin, economista chefe do Banco de Compensações Internacionais. “A fase de liquidez imediata da crise [agora] está dando vez à fase de solvência, e os bancos sem dúvida arcarão com o grosso da carga”.

Os grandes bancos dos Estados Unidos elevaram suas reservas para lidar com isso. Mas Reinhart teme que os bancos de países como a Índia e a Itália estejam menos preparados. Além disso, as taxas de juros ultrabaixas erodem a lucratividade dos bancos.

Outra questão é que é difícil modelar riscos futuros devido à falta de precedentes históricos. “Crises em geral acontecem por conta de um ciclo de expansão e contração, e os investidores sabem que forma esse tipo de ciclo toma. A situação atual é diferente”, acrescenta Reinhart. À medida que mais e mais atividades financeiras passam a fluir pelo setor não bancário, via mercados de capital, surpresas desagradáveis podem irromper facilmente.

O gatilho para o congelamento do mercado de títulos do Tesouro em março, por exemplo, estava nos fundos de hedge (fundos de “proteção”, que reduzem ou eliminam os riscos com a variação de preços), um setor que as autoridades regulatórias conhecem menos do que aos bancos. Se ou quando as taxas de juros subirem, novos choques desse tipo podem surgir. Como o Deutsche Bank disse aos seus clientes esta semana, “vemos risco crescente de desordenamento financeiro mais adiante, [por conta] da supervalorização crescente de ativos e da alta nos níveis de endividamento”.

É claro que um desordenamento como esse pode não merecer manchetes garrafais, ainda mais se considerarmos todas as demais notícias preocupantes que circulam agora. Mas os investidores precisam lembrar do seguinte: caso as instituições de empréstimo reajam a uma alta oculta no nível de calotes – e, acima de tudo, ao medo do desgaste futuro -, isso pode tornar as condições de crédito mais severas a despeito das políticas adotadas pelos banco centrais.

“As pesquisas de opinião [já] mostram um aperto significativo nas condições de empréstimo”, observou Shin. Ou, como aponta Reinhart, “uma compressão de crédito parece realmente muito provável”. Não admira que a Oxford Economics tenha constatado que temores quanto às finanças estão envenenando a confiança, ou que probabilidade de uma recuperação econômica em forma de V pareça cada vez mais baixa.

Tradução de Paulo Migliacci

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