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Guilherme Athia

Governança corporativa teria salvado a vida de João Alberto Freitas

Líderes devem ser conscientes das corresponsabilidades de suas empresas na solução de problemas como o racismo estrutural

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Guilherme Athia

Palestrante, mentor e desenvolvedor da Stakeholder Relations Org, em Bruxelas.

Se não podemos mais salvar a vida do João Alberto Freitas, 40, morto por seguranças do Carrefour, podemos evitar outras tragédias, pois elas ocorrerão se o sistema não evoluir radicalmente.

O meu ângulo é o das empresas, onde atuei por mais de 30 anos. Aprendi que é hora de trabalharmos para uma nova governança corporativa, que seja mais inclusiva.

Este é o momento porque pesos pesados, como presidentes-executivos de empresas dos EUA e da Europa, confiam que é preciso um novo capitalismo, chamado “Stakeholder Capitalism”. Nele, as diversas partes interessadas são incluídas na decisão, para gerar resultado sustentável ao acionista.

O “Stakeholder Capitalism” está, na minha opinião, à frente do ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança), pois representa todos os interessados, enquanto o ESG está, em muitas empresas, concentrado em finanças.

Para colocá-lo em prática, os líderes devem ser conscientes das corresponsabilidades de suas empresas na solução de problemas imprescindíveis, como o racismo estrutural, a emergência climática e a desigualdade social, entre outros. Em segundo lugar, devem evitar a conveniência da superficialidade. É preciso fazer o que se fala, mudar a casa primeiro. Os instrumentos são a nova governança inclusiva e as suas métricas.

Satya Nadella, presidente-executivo da Microsoft, em resposta ao Black Lives Matter, afirmou: “todos nós, começando por mim e pelos líderes sênior da empresa têm um papel a desempenhar. Não podemos acordar episodicamente quando ocorre uma nova tragédia. Um problema sistêmico requer uma resposta holística”.

Para o presidente-executivo da Danone, Emmanuel Faber, “o Stakeholder Capitalism é um fato, quer as empresas queiram ou não”.

Milhares de pessoas protestam em todo país contra a morte de um homem negro em uma loja do Carrefour. - Danilo Verpa/Folhapress

Concordo com Alan Murray, presidente-executivo da Fortune, que diz que sem as regras de governança e contabilidade corporativa mudarem, a primazia do acionista reinará suprema. A contabilidade mudará em alguns anos, com as novas regras de emissão zero da União Europeia, Reino Unido, China e provavelmente dos EUA.

A governança é uma decisão da empresa, prática e com baixo investimento. Ela podia ter evitado o assassinato de João, pois antecipa todos os riscos e apresenta uma análise balanceada para presidentes e conselheiros. Ações simples como treinamentos e auditorias amplas e regulares, assim como um efetivo canal de compliance para empregados e terceiros, poderiam ter antecipado essa tragédia e outras anteriores a ela.

Ela marcará a vida dos familiares e amigos de João. Sem querer comparar o choque, ela se associará ao Carrefour no curto e longo prazo.

A governança também inclui uma ação conjunta e consistente. Enquanto a filial brasileira adotou o modelo de gestão de crise do século passado –terceirizou a culpa, demitiu funcionário, mas não se pronunciou sobre sua governança e corresponsabilidade, o presidente global do Carrefour, Alexandre Bompart, mostrou determinação ao afirmar que tomará medidas drásticas para evitar outras tragédias.

Hoje, os stakeholders dividem suas opiniões nas mídias sociais e fóruns. Um fato relevante, ou uma tragédia como essa, mobiliza a opinião de todos em torno de uma imagem comum da empresa. Porém, os presidentes e conselheiros continuam recebendo informações fragmentadas de seus diversos departamentos, deixando de fora de sua decisão informações críticas e análises ponderadas.

Stakeholders atendidos aumentam a competividade na obtenção de melhores créditos, a atração e retenção de empregados comprometidos, a lealdade e percepção de valor dos clientes e as chances de sentar lado a lado com pessoas, comunidades, imprensa, ONGs e governos.

As métricas para o Stakeholder Capitalism existem. O Fórum Econômico Mundial apresentou as suas, organizadas pelas quatro grandes (Deloitte, EY, KPMG e PwC) a partir dos padrões do GRI, Global Reporting Initiative. São quatro pilares: governança, planeta, pessoas e prosperidade. Prova de que a governança inclusiva, de stakeholders, vem em primeiro lugar.

Outro caminho é a certificação B-Corp, que equilibra propósito e lucro. As empresas certificadas são legalmente obrigadas a considerar o impacto de suas decisões sobre seus funcionários, clientes, fornecedores, comunidade e meio ambiente. Há centenas de empresas certificadas no Brasil, pequenas, médias e grandes. As B-Corps brasileiras estão no comércio, agronegócio, consultorias, agências de viagens, bens de capital e de consumo, entre outros setores.

É uma questão de decisões. As erradas, infelizmente, levaram à morte de João.

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