Editor do jornal The Washington Post retratado no vencedor do Oscar 'Spotlight' anuncia aposentadoria

Jornal venceu 10 Pulitzer nos anos em que o ex-chefe do Spotlight o comandou

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The New York Times

Martin Baron, um gigante do jornalismo que comandou o The Washington Post, The Boston Globe e The Miami Herald na conquista de diversos prêmios Pulitzer, em uma carreira jornalística lendária, anunciou nesta terça-feira (26) que vai se aposentar no dia 28 de fevereiro, depois de oito anos como editor executivo do The Washington Post.

“Aos 66 anos, acho que chegou a hora de sair”, ele afirmou em uma mensagem à equipe do jornal.

Baron disse que tinha assumido seu posto no jornal com “reverência pela herança de coragem e independência do Post, e sentindo uma obrigação inviolável de defender seus valores”, e que a equipe noticiosa da publicação havia sempre produzido “jornalismo da maior qualidade”.

“Vocês se mantiveram firmes contra ataques cínicos e incessantes aos fatos objetivos”, ele escreveu.

FILE -- Martin Baron, executive editor of The Washington Post, in the newspaper's newsroom in Washington, May 18, 2017. Baron will retire at the end of February, the publication announced Tuesday on Jan. 26, 2021. (Justin T. Gellerson/The New York Times)
Martin Baron, editor do jornal The Washington Post - Justin T. Gellerson/The New York Times

Os anos de Baron como editor executivo do jornal começaram em janeiro de 2013, semanas antes da posse do presidente Barack Obama em seu segundo mandato, e abarcaram toda a passagem do presidente Donald Trump pela Casa Branca. Trump desacreditava frequentemente o The Washington Post, definindo-o como “fake news”, “inimigo do povo” e “alucinado e desonesto”, entre outros insultos. Em 2017, o The Washington Post adotou o primeiro slogan em seus mais de 140 anos de história: “Na escuridão, morre a democracia”.

A decisão de Baron de sair não surpreende. O compromisso que ele assumiu com o jornal se estendia apenas até a eleição de 2020.

Baron assumiu o posto no The Washington Post depois de mais de 11 anos como principal editor do The Boston Globe; o jornal conquistou seis prêmios Pulitzer durante sua passagem pelo posto. Ele comandava a equipe Spotlight de jornalismo investigativo da publicação, responsável por uma ambiciosa série de reportagens que expuseram casos de abusos sexuais praticados por membros do clero católico, e as décadas de esforço para encobri-los. As reportagens valeram ao jornal o Pulitzer de 2003 na categoria de jornalismo de serviço público. (O The Boston Globe foi controlado pela The New York Times Co. entre 1993 e 2013.)

A investigação, que resultou em mais de 20 artigos, se tornou a base de “Spotlight”, um filme premiado com o Oscar em 2015, no qual o ator Liev Schreiber interpretava Baron.

Em um artigo de 2016, Baron admitiu que Schreiber capturou bem seu comportamento na Redação, afirmando que “o retrato que ele apresentou de mim como um sujeito estoico, desprovido de senso de humor e um tanto ranzinza, reconhecido instantaneamente por muitos colegas (‘ele te capturou perfeitamente’), não parece assim tão familiar para meus amigos mais próximos”.

Antes de começar no The Boston Globe em 2001, Baron, que cresceu em Tampa, na Flórida, foi editor-chefe do The Miami Herald, que conquistou um Pulitzer na categoria notícias urgentes sob seu comando. Ele também trabalhou como editor no The New York Times e no Los Angeles Times. Sua carreira começou em 1976, como repórter no The Miami Herald. Baron disse que o The Washington Post estava “bem posicionado para o futuro”, agora, com um quadro de leitores expandido, cobertura mais ampla e mais jornalistas do que tinha quando ele chegou.

“Criamos uma organização noticiosa verdadeiramente nacional e internacional”, ele disse.

O The Washington Post agora conta com três milhões de assinantes digitais, uma alta de quase um milhão de assinantes em 2020. Sua Redação cresceu dos 580 jornalistas que a publicação empregava quando Baron chegou para mais de mil.

Baron assumiu o comando da Redação quando o The Washington Post ainda estava sob o controle da família Graham, que conduziu o jornal por três gerações. No momento de sua chegada, a empresa estava enfrentando dificuldades financeiras e enfrentava os mesmos problemas que os demais jornais tradicionais: queda na receita de publicidade impressa, redução forte de circulação e nova concorrência da parte de veículos noticiosos digitais

Em agosto de 2013, Jeff Bezos, fundador da Amazon, adquiriu o jornal por US$ 250 milhões. De lá para cá, a combinação entre os recursos de Bezos e o conhecimento jornalístico de Baron reviveu um jornal famoso por suas reportagens sobre o escândalo Watergate, de autoria de Bob Woodward e Carl Bernstein, que resultaram na queda do presidente Richard Nixon em 1974.

Bezos se pronunciou sobre a saída de Baron em uma mensagem no Instagram, que se dirigia diretamente ao seu editor: “Nosso sucesso nos últimos anos não poderia ter acontecido e simplesmente não aconteceria sem você”, ele escreveu.

Bezos descreveu Baron como “tanto cuidadoso quanto ousado”, afirmando que ele havia liderado o jornal com integridade “mesmo nos momentos em que isso era exaustivo”.

Durante o período de Baron no comando da publicação, o The Washington Post conquistou 10 prêmios Pulitzer, entre os quais o de 2020 na categoria reportagem explicativa, por uma série sobre os efeitos da mudança do clima.

“Por favor não percam de vista o quanto foi difícil conquistar os ganhos que conseguimos como empresa comercial”, escreveu Baron. “Em 2013, quando as perspectivas eram sombrias, conseguimos uma segunda chance. Nós a aproveitamos, e conseguimos virar o jogo, com foco e criatividade”.

Ele reconheceu que restava trabalho a ser feito no The Washington Post, o que incluía promover mais diversidade na Redação e aprofundar seu conhecimento sobre a comunidade que o jornal cobre.

“Desde o momento em que cheguei ao The Washington Post, busquei fazer uma contribuição duradoura e ao mesmo tempo retribuir a uma profissão que tanto significou para mim e que serve como salvaguarda da democracia”, escreveu Baron.

Em nota aos funcionários, o publisher e presidente-executivo do jornal, Fred Ryan, afirmou que, embora estivesse ciente de que a aposentadoria de Baron chegaria, “isso não diminui a emoção que sentimos”.

“Nos oito anos de liderança de Marty na Redação, The Washington Post experimentou uma dramática retomada e atingiu novas alturas jornalísticas”, disse Ryan.

​O jornal realizará uma busca “ampla e inclusiva” por um sucessor, que incluirá candidatos internos e externos, afirmou Ryan. “Por favor, estejam cientes de que encaro essa missão como uma das mais importantes responsabilidades que terei como publisher”, disse Ryan.

Tradução de Paulo Migliacci

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