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Justiça suspende transferência da Eldorado para Paper Excellence

Após derrota de R$ 15 bilhões em arbitragem, família Batista retarda venda para grupo indonésio questionando isenção de advogado

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Brasília

A Justiça de São Paulo suspendeu, neste domingo (21), a transferência do controle da Eldorado, braço de celulose da J&F, empresa que controla os diversos negócios da família Batista, para o grupo indonésio Paper Excellence. Ambos travaram a maior disputa arbitral do país, um negócio de R$ 15 bilhões.

Os Batistas foram derrotados na arbitragem, e a lei impede que a sentença seja questionada. Mas a J&F se valeu de brechas legais que permitem o cancelamento do processo, como em caso de conflito de interesse de um dos árbitros.

Há alguns dias, a J&F recorreu à 2ª Vara Empresarial de Conflitos Relacionados à Arbitragem e pediu a anulação do processo alegando parcialidade do árbitro Anderson Schreiber, escolhido pela Paper.

A J&F, controlada pela família Batista, detém 50,59% da Eldorado e os indonésios da Paper, 49,41% por meio da CA Investment (Brazil).

Em 2017, depois de pagar R$ 3,8 bilhões para os Batistas, a Paper firmou um contrato de compra e venda do controle da Eldorado. No entanto, foi à Justiça porque a J&F vendeu e não entregou o controle alegando não cumprimento de cláusulas contratuais, especialmente a liberação de garantias dadas pela empresa dos Batistas.

Em meados de 2018, o imbróglio culminou em uma arbitragem, a maior da história, depois de a J&F pedir mais R$ 6 bilhões para entregar a empresa, segundo o presidente da Paper Excellence, Claudio Cotrim.

Os irmãos Wesley Batista e Joesley Batista, da J&F - Zanone Fraissat -21.jul.2020/Folhapress

O desfecho se deu há um mês com um resultado de três a zero em favor da Paper.

Os árbitros, inclusive o escolhido pela J&F, entenderam que a companhia indonésia cumpriu suas obrigações e que os Batistas criaram empecilhos para evitar ou retardar ao máximo a entrega da Eldorado.

O que mais pesou na decisão foi o comprovante de um depósito de R$ 11 bilhões em uma conta do banco BTG aberta exclusivamente pela Paper para embasar um pedido judicial obrigando a J&F a cumprir o contrato de compra e venda.

Deste total, R$ 5 bilhões se referiam à aquisição do controle e a diferença, valor suficiente para cobrir as garantias da J&F.

INDEPENDÊNCIA

A lei determina que os árbitros precisam ser independentes para garantir a isonomia da decisão.

Para isso, eles não devem ter tido no passado ligação direta com as empresas envolvidas na disputa —embora sejam contratados pela litigantes.

Ambos os árbitros escolhem um terceiro, que preside o processo e também precisa se declarar impedido caso haja motivo.

Embora não exista um prazo explícito na legislação, um manual internacional de conduta arbitral define esse período em três anos.

A Folha apurou que a J&F sustenta que Schreiber escondeu ter atuado para um escritório que defendia a Paper no passado.

Pessoas que participam das discussões afirmam que a empresa estuda, no desenrolar de seu recurso à Justiça, a possibilidade de utilizar parte do inquérito policial conduzido pelo Departamento de Operações Policiais Estratégicas da Polícia Civil de São Paulo.

Essa investigação apontou um ataque de hackers nos servidores de email da J&F que resultou no vazamento de troca de mensagens de executivos da empresa com seus advogados envolvidos na arbitragem.

Até o momento, não há provas de que a Paper teria promovido os ataques. Na arbitragem, esse assunto foi discutido e os advogados da Paper afirmaram ao painel de árbitros que o conteúdo das supostas mensagens hacheadas já era público o que, em tese, não poderia ter influenciado a decisão de Schreiber.

Mesmo assim, a J&F avalia que foi prejudicada neste caso porque parte da sua estratégia de defesa teria chegado ao conhecimento de seu rival. O caso foi reportado aos árbitros, mas teria sido ignorado.

A atual estratégia da J&F se baseia em uma decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que, em 2017, impediu a execução de uma sentença arbitral dos EUA entre a multinacional espanhola Abengoa e o usineiro brasileiro Adriano Ometto, que vendeu suas usinas no interior de São Paulo por US$ 327 milhões.

Os espanhóis foram à Justiça questionando a capacidade de produção das usinas, menor do que constavam no contrato. Sem acordo, o caso foi decidido por uma arbitragem em Nova York (EUA) desfavorável a Ometto.

Depois da sentença, o empresário questionou no STJ a posição do árbitro-presidente, sócio de um escritório advocatício dos EUA que tinha recebido US$ 6,5 milhões da Abengoa em outro caso. Nos EUA, a Justiça não viu motivos para o cancelamento da arbitragem.

No Brasil, o STJ concordou em cancelar o resultado da arbitragem por vislumbrar o conflito de interesse. Com a decisão, o tribunal foi contra a jurisprudência de homologar decisões estrangeiras.

Também após a sentença, a arbitragem entre as corretoras Alper e Fazon foi revertida, em 2019, pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

No caso, a Fazon acusou o árbitro-presidente Cristiano Zanetti de não revelar que tinha sido contratado para outra arbitragem pela própria Alper. A atuação da árbitra Judith Martins Costa também foi questionada.

Na decisão, o tribunal afirma que nessa outra arbitragem da Alper “se discutiam questões muito próximas daquelas discutidas na arbitragem objeto dos autos”.

As duas decisões judiciais que reverteram a arbitragem em favor dos derrotados ainda estão sendo questionadas em caráter de recurso.

Imagem

Se prosperar, o recurso da J&F será mais um duro golpe contra a imagem das arbitragens no país. No mundo, esses painéis privados de solução de litígios dão mais segurança para que grandes investimentos sejam feitos porque impedem recursos, algo comum no Judiciário e que leva a discussões que consomem muito tempo e dinheiro das empresas.

Para atrair o capital estrangeiro, o governo brasileiro optou pela arbitragem caso haja conflitos envolvendo contratos firmados por estatais e pelas concessões.

As concessões de infraestrutura, por exemplo, devem injetar cerca de R$ 250 bilhões em investimentos com contratos firmados entre 2019 e 2022.

Segundo advogados especializados, nos últimos três anos, as companhias vêm se valendo da manobra de atacar a imparcialidade dos árbitros para minar as sentenças desfavoráveis. Como atuam em processos arbitrais, falaram sob anonimato.

Por meio de suas assessorias, a J&F e a Paper Excellence disseram que não iriam se manifestar.

Consultados, Anderson Schreiber, Cristiano Zanetti e Judith Martins Costa disseram que não poderiam comentar decisões que correm em sigilo.

Erramos: o texto foi alterado

A J&F alega parcialidade do árbitro Anderson Schreiber, escolhido pela Paper Excellence, e não imparcialidade, como publicado em versão anterior desta reportagem. O texto foi corrigido.

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