A instalação da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) no Senado para apurar a gestão da pandemia de Covid-19 no país deve atrapalhar ainda mais a tramitação da reforma administrativa, considerada prioridade pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Em 22 de fevereiro, Lira, líder do centrão, escreveu em uma rede social que esperava que a reforma administrativa começasse a tramitar em março na Câmara e que fosse aprovada no plenário pelos deputados até o fim do primeiro trimestre.
A reforma administrativa avançou nesta quinta-feira (22) na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), com a aprovação de requerimento para realização de audiências públicas entre a próxima segunda-feira (26) e 14 de maio.
A primeira terá a participação de Caio Mario Paes de Andrade, secretário especial da Secretaria de Desburocratização, Gestão e Governo Digital.
Na quinta (29), debatem a favor o ex-secretário de desburocratização Paulo Uebel e o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco, e abordarão aspectos contrários Gilberto Bercovici, professor da USP, e Maria Lúcia Fattorelli, auditora da Receita Federal.
A interlocutores, Lira demonstrou preocupação com mais atrasos na tramitação da reforma no Senado por causa da CPI da Covid.
Com o foco nas investigações, a tendência de governo e oposição é deixar demais assuntos em segundo plano —o que, no caso das mudanças no serviço público, atenderia os interesses de partidos de esquerda, contrários à pauta.
A opinião é compartilhada com líderes do governo no Legislativo.
"O presidente [Rodrigo] Pacheco está sendo democrático, cumprindo a determinação do Poder Judiciário [para instalar a CPI]. Mas é visível que, enquanto não houver imunização, condições no ambiente de trabalho, o funcionamento do Senado será restrito", afirmou o líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO).
"Destinar parte da ação do Senado para a CPI pode atrasar as reformas e qualquer tipo de projetos que tramitam na Casa. Agora, é possível fazer um esforço conjunto, a realidade vai se impor", afirmou.
A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da reforma administrativa proíbe progressões automáticas de carreira, como as gratificações por tempo de serviço, e abre caminho para o fim da estabilidade em grande parte dos cargos, maior rigidez nas avaliações de desempenho e redução do número de carreiras.
Por ser PEC, precisa ser aprovada na Câmara em dois turnos, com ao menos 308 votos. No Senado, o quórum mínimo favorável é de 49 senadores, também em votação de dois turnos.
A probabilidade de um atraso na tramitação acontecer por causa da CPI é considerada elevada pelo deputado Felipe Rigoni (PSB-ES), membro da frente parlamentar da reforma administrativa.
"A CPI tem o potencial de chacoalhar a política inteira. A CPI, como diz o ditado, você sabe como começa, mas não sabe como termina", disse. "Pode afetar estados e municípios, pode afetar outros ministérios que não só o da Saúde, pode dar em um monte de coisas."
Na avaliação dele, se houver um estrago político forte, não haveria como blindar a reforma de impactos. "Uma reforma como essa precisa de um mínimo de estabilidade. Quando a gente estava na Previdência, por exemplo, a Previdência era o assunto central. Agora, se a reforma não for o assunto central, haverá uma dificuldade muito grande de avançar com ela."
Para o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), líder da bancada do Cidadania, o entrave à tramitação das reformas não está na CPI.
"Nem na reforma administrativa e nem na tributária você tem propostas consistentes do governo ou consenso no Congresso. A dificuldade de tramitação está aí. Não faz o menor sentido atribuir atraso à CPI", afirmou.
Para atenuar os atrasos, deputados envolvidos nas discussões pretendem procurar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para criar uma comissão informal com representantes das duas Casas para agilizar o debate.
Pacheco, no entanto, descarta qualquer tipo de impacto da CPI na tramitação da reforma administrativa.
"Eu acredito muito que o funcionamento dela, autônomo que é, não interferirá na pauta principal do Senado Federal, que é a pauta das reformas, os projetos de lei que temos que aprovar", afirmou o presidente da Casa em live com o empresário Abilio Diniz.
"Só na semana que vem já estão pautados 14 projetos de lei para poderem ser apreciados, na mesma semana que vai ser instalada a CPI."
A opinião é compartilhada por deputados que pertencem à frente parlamentar da reforma administrativa. Para o líder do Cidadania na Câmara, Alex Manente (SP), a CPI não atrapalha a tramitação da PEC.
"A reforma administrativa tem um rito próprio, e a frente parlamentar tem feito um trabalho paralelo importante", disse. "Independentemente do governo ou das questões envolvendo o governo no Covid e as consequências na CPI, não atrapalha o anseio que existe por parte do Congresso em reformar o estado, especialmente pela reforma administrativa."
Líder do Novo na Câmara, Vinicius Poit (SP) também descarta impacto negativo da CPI no encaminhamento da reforma.
"São 513 deputados e 81 senadores, tem que rodar reforma administrativa, tributária, CPI, tudo ao mesmo tempo", afirmou. "Essas velhas práticas políticas de ficar chateado porque tem CPI e boicotar o resto tá errado. A gente precisa pressionar e andar logo com a reforma."
Entenda a reforma
- Proposta cria diferentes tipos de vínculo
- Estabilidade ficará restrita a um deles: cargo típico de Estado
- As carreiras com direito ainda serão definidas. Precisa de concurso e não podem ter redução de remuneração nem de jornada
- É criada a possibilidade de cargo por tempo indeterminado, sem estabilidade e dependente de concurso
- Governo quer avaliar o servidor antes de assumir o cargo público efetivo
- Proposta impede demissões por questões partidárias
- Presidente pode reorganizar autarquias e fundações, reorganizar atribuições de cargos do Poder Executivo e extinguir órgãos
- Servidores públicos em atividade no momento da aprovação das medidas não serão impactados
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