Mulher caminhoneira ganha espaço em empresa de logística

JLS abre programa para incentivar participação feminina ao volante

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Brasília

"Por que você não vai lavar roupa, em vez de pegar caminhão?"

Patrícia de Sousa Mesa ouviu essa pergunta pouco depois de começar como motorista da JSL Logística, em agosto de 2016. Na pequena Butiá (RS), cidade de 20 mil habitantes a 84 quilômetros de Porto Alegre, ela se tornou a primeira mulher a dirigir carreta, uma Scania modelo 440.

Torcida contra não faltou, tanto de homens, quanto de mulheres: ouviu que não iria aguentar, iria bater o veículo, perder o controle da direção.

Tive que superar meus próprios medos, de ficar atolada no barro, de cair na valeta”, diz ela, uma jovem avó de 43 anos, que só depois que se separou do marido, aos 32 anos, foi trabalhar fora. Começou em uma indústria de pré-fabricados, mas sonhava com os caminhões. “Paga mais e dá mais liberdade”, diz.

Trabalhou com caminhão pipa para uma empresa local, até surgir a chance na JSL. “Batalhei para tirar a carteira de motorista categoria E”, lembra.

Depois de um treinamento para transporte de cargas perigosas, hoje ela faz o trajeto Butiá a Porto Alegre todos os dias, levando resíduos industriais. Recebe acenos de desconhecidos e até palmas no sinal. Nas paradas na estrada, costuma encontrar Diego, o caminhoneiro com quem se casou há oito meses. “É o máximo, ele me apoia e me admira”.

Uma das poucas caminhoneiras contratadas pela JSL Logística, Vânia Santos de Barros Silva, 38, é motorista multifuncional - dirige caminhão e empilhadeira. Em nível nacional, as mulheres representam 0,5% dos profissionais ao volante nas estradas, segundo a CNT. - Eduardo Anizelli/Folhapress

A JSL, uma das maiores empresas do país no setor de logística, está disposta a fazer com que as mulheres não causem tanta surpresa ao tomarem o volante de um caminhão. A companhia lança nesta sexta-feira (23) o programa Mulheres na Direção, para buscar maior equidade de gênero na sua base. Em nível nacional, as mulheres representam 0,5% dos motoristas de caminhão, segundo a pesquisa mais recente da CNT (Confederação Nacional do Transporte), de 2019.

Entre os 23 mil funcionários da JSL, cerca de 16% são mulheres. Dessas, apenas 103 são motoristas –de veículos, empilhadeiras e ônibus. Apenas dez são caminhoneiras.

“Eu espero que, dentro de três anos, a JSL tenha 20% de mulheres em vagas operacionais”, diz o presidente da companhia, Ramon Alcaraz. “Hoje, elas somam 20% dos cargos de chefia na empresa. Dentro de dez anos, queremos maior equilíbrio de gênero em toda a JSL”.

O Mulheres na Direção será um programa de trainees para motoristas de qualquer idade. A única exigência é ter CNH (Carteira Nacional de Habilitação) categoria E, para dirigir carretas. Durante o treinamento, com aulas práticas e teóricas, dez candidatas serão contratadas por 45 dias, período que pode ser renovado por mais um mês e meio. As aulas serão na capital paulista. As candidatas de outras cidades receberão alojamento e auxílio alimentação.

“Vamos começar com um grupo pequeno, para dar todo o apoio no período pós-contratação”, diz Alcaraz. Segundo ele, a maior rotatividade na companhia é observada justamente nos primeiros seis meses. “A empresa vai ser mais cuidadosa com estas novas motoristas, para ambientá-las à rotina de trabalho”, afirma.

Dentro de seis meses, a JSL pretende dar início à segunda fase do programa, de formação de mulheres carreteiras. De acordo com Alcaraz, a companhia já vinha discutindo internamente, no comitê de sustentabilidade da companhia, a necessidade de promover ações para equidade de gênero.

“Nós temos muitas vagas em aberto, e por que não serem preenchidas por mulheres? É fato que, no geral, elas são mais cuidadosas com máquinas e veículos, mas não queremos estereótipos. Quanto mais diversidade, melhor”.

O pontapé para o lançamento do programa veio quando o presidente da JSL visitou a operação da companhia em Três Lagoas (MS). Lá, a JSL faz o transporte de madeira de uma floresta de eucaliptos para a fábrica de papel e celulose.

“Me surpreendi quando vi que aquele guindaste, no meio da floresta, envelopado de rosa ainda em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, estava sendo operado por uma motorista. Uma profissional muito eficiente e dedicada. E pensei: isso não deveria me surpreender. Tem que ser algo natural”.

Só no primeiro semestre, a JSL abriu 2.807 vagas, em todos os setores. O mercado de logística é um dos poucos do país que apresentam efervescência, em um momento em que a taxa nacional de desemprego atinge 15% da população. Segundo dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), reunidos pelo economista Rodolpho Tobler, do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas), foram abertas 88,4 mil vagas no setor de entregas e logística entre março de 2020 e março de 2021.

“Enquanto o setor cresceu 6,5% no período, o Brasil avançou 2,2%”, afirma Tobler. Um dos principais impulsos para o segmento está no comércio eletrônico.

Foi a movimentação no setor de logística que mudou a vida de Vânia Santos de Barros Silva, 38 anos. Hoje ela é motorista multifuncional, de caminhão e empilhadeira, mas quando chegou à JSL, em 2017, nunca tinha entrado em um caminhão.

“Com o meu 1,59 metro de altura, me senti pequenininha da primeira vez. Ainda bem que dá para ajustar o banco”, brinca Vânia, formada em assistência social e ex-professora de música.

Na empresa, ela foi promovida a motorista depois de dois anos como empilhadeirista. Era o empurrão que faltava para organizar o orçamento da família: o marido é guarda civil, enquanto a filha de 17 anos estuda. “Precisei tirar a carta D para trabalhar com caminhão truck, mas agora já estou com a E e dirijo carreta”, diz. “Estaciono melhor o caminhão que o meu carro”, brinca.

Hoje Vânia trabalha para a operação da Toyota em Indaiatuba (SP), buscando peças em fornecedores da região para levar até a fábrica da montadora. Volta e meia, precisa pedir ajuda para os colegas homens para “passar a cinta” na carga, já que é a única mulher na operação. “São todos respeitosos e cada um se coloca no seu lugar”, diz.

Assim como a gaúcha Patrícia, a paulista chama a atenção dos motoristas na rodovia. “Tem gente que põe a cabeça para fora do carro, dá farol alto”, diz ela, que não se vê fazendo outra coisa. “Fogão não é comigo, gosto mesmo é de viajar”, afirma.

“Quero deixar um legado de coragem e independência para a minha filha, que é cadeirante. Tendo força de vontade, a gente pode tudo”.

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