Descrição de chapéu mercado de trabalho

O IBGE está na idade da pedra lascada, diz Guedes

Ministro criticou pesquisa sobre desemprego; instituto disse que não vai se manifestar

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Rio de Janeiro

O ministro Paulo Guedes (Economia) questionou a metodologia da pesquisa de emprego do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que mostrou nesta sexta (30) a taxa de desemprego de 14,6% no trimestre encerrado em maio.

Guedes defendeu que os dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) do governo federal mostram que o Brasil está criando empregos "muito rapidamente".

O Caged retrata apenas o mercado de trabalho formal, ou seja, empregos com carteira assinada. Já o IBGE, por meio da Pnad, abrange também o setor informal da economia.

"Estamos gerando praticamente 1 milhão de empregos a cada três meses e meio", afirmou, em entrevista após evento na sede do Ministério da Economia no Rio de Janeiro.

O ministro disse que a Pnad está atrasada, ao usar entrevistas por telefone para calcular a taxa de desemprego, enquanto o Caged trabalha com dados oficiais das empresas.

"Vamos ter que rever, acelerar os procedimentos do IBGE, porque o IBGE ainda está na idade da pedra lascada", afirmou o ministro.

O IBGE começou a adotar pesquisas por telefone durante a pandemia. No entanto, o instituto afirma que está retonando gradualmente a fazer entrevistas presenciais. No momento, os dois modos são utilizados, sendo que as entrevistas telefônicas ainda predominam.

Questionado pela Folha sobre os comentários do ministro, o instituto disse em nota que não vai se manifestar.

Guedes frisou que o Caged mostrou a geração de 309 mil empregos em junho. "Desde o início do ano, já criamos 1,5 milhão de empregos. Desde a pandemia, que cortou 1milhão de empregos, já criamos 2,5 milhões."

"Se ele acha isso, o que fez para melhorar?", questiona Simon Schwartzman, ex-presidente do IBGE. "Guedes é responsável pelo IBGE e fala como se não fosse. Além de dizer uma bobagem, a instituição só está assim por ele não saber cuidar dela."

Segundo o sociólogo, o ministro erra ao comparar bases de dados completamente diferentes, como o Caged e a Pnad-Contínua. "O Caged é muito importante, mas a Pnad capta modalidades de trabalho (como o informal), que não aparecem nele. Guedes está querendo dizer que o dado da Pnad é ruim e tenta mostrar um resultado mais satisfatório."

Schwartzman relembra os ataques anteriores do próprio presidente Jair Bolsonaro ao IBGE, que segue padrões internacionais. "É uma atitude geral deste governo, um desprezo pelas instituições que levou ao incêndio da Cinemateca. A atitude tenta desacreditar os dados, mas o próprio governo não tem credibilidade."

Ele ressalta que o IBGE precisa ser melhorado e fortalecido, mas que a parte metodológica é feita de maneira competente e criteriosa e que cabe ao próprio instituto dizer como superar possíveis limitações.

Para outro ex-presidente do IBGE, Roberto Olinto, a declaração de Guedes é "leviana" e "desassociada da realidade". "O IBGE é um instituto de estatística reconhecido internacionalmente, auditado, com trabalhos incontestáveis. E essa pesquisa [a Pnad] é uma referência."

Desde o início do governo Bolsonaro, a gestão do IBGE tem dito que é preciso modernizar as pesquisas do instituto, usando mais registros administrativos, como informações da Polícia Federal ou do sistema de saúde, por exemplo.

Olinto afirma, porém, que as pesquisas domiciliares dificilmente serão substituídas pelos registros em um país da dimensão e com a diversidade do Brasil. Isso ocorre, explica, em países menores e mais homogêneos, como a Noruega.

Além disso, defende, a entrevista domiciliar consegue captar dados que os registros não captam, como trabalhadores por conta própria ou empregadores sem CNPJ. "Pega muito mal para o ministro, porque mostra total desconhecimento técnico e cria uma pequena crise a troco de nada."

Olinto destaca que, ao questionar a metodologia da Pnad, Guedes desvia o assunto para longe da questão essencial, que é o elevado desemprego detectado pela pesquisa. ​"Devemos é respeitar os esforços que o IBGE fez para manter uma pesquisa domiciliar em uma pandemia."

Especialistas também vêm questionando os dados divulgados pelo Caged. Desde janeiro do ano passado, houve uma mudança na metodologia da pesquisa, que passou a ser alimentada por informações provenientes do eSocial, sistema de escrituração que unificou diversas obrigações dos empregadores.

Além de reunir mais informações na mesma base de dados, o novo Caged tornou obrigatório informar a admissão e demissão de empregados temporários. Antes, essa comunicação era facultativa.

O ministro Paulo Guedes (Economia) durante solenidade no Palácio do Planalto, em Brasília - Pedro Ladeira - 13.jul.21/Folhapress

Ao comparar um mesmo período (abril a dezembro de 2019) usando a série antiga e a nova do Caged, o pesquisador Bruno Ottoni, do iDados e do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), encontrou uma diferença de 74% entre os resultados —ou seja, pela nova metodologia, o saldo de vagas observado foi muito maior.

A discrepância entre os dados observados nas duas pesquisas levou o Itaú Unibanco a criar um indicador próprio sobre mercado de trabalho. Na visão de Luka Barbosa, economista da instituição, tanto o Caged e a Pnad estariam descalibrados —o primeiro, mostrando uma recuperação muito forte, enquanto a segunda vai no sentido contrário.

Em relação ao Caged, o banco identificou uma diferença acumulada de 304 mil postos de trabalho a mais entre abril e dezembro de 2019 após as mudanças metodológicas adotadas pelo governo, em comparação com o formato anterior da pesquisa.

Já em relação à Pnad, o Idat-Emprego —como o indicador do Itaú foi batizado— indicou uma taxa de desemprego para o trimestre encerrado em fevereiro de 14,2%, menor do que a observada na pesquisa do IBGE, de 14,5%.

No evento desta sexta, o ministro da Economia confirmou ainda que há espaço no Orçamento para acomodar o aumento no valor do programa Bolsa Família, como havia afirmado na quinta (29) o secretário do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt.

O governo quer elevar o benefício para R$ 300, o que demandaria cerca de R$ 25 bilhões a R$ 30 bilhões, nos cálculos de Guedes. "Nosso orçamento está preparado para acomodar essa despesa", afimou. Ele frisou, porém, que o surgimento de eventuais despesas extraordinárias poderiam atrapalhar os planos.

O ministro diz que o governo vem mapeando propostas de criação de despesas por outros poderes para tentar derrubá-las, mas evitou apontar quais seriam essas propostas e de onde viriam. "Há fumaça no ar, mas prefiro não comentar", disse.

Guedes esteve no Rio para participar do lançamento de um aplicativo para facilitar a compra de domínio de áreas da União por proprietários de imóveis nessas áreas, processo conhecido como remição de foro.

O programa é parte de um esforço do governo Jair Bolsonaro (sem partido) para vender ativos imobiliários da União. No caso da remição de foro, o governo não vende o imóvel, mas o domínio sobre o terreno.

Ao adquirir o domínio, o proprietário deixa de pagar taxas anuais pelo uso, conhecidas como foro, e o laudêmio, taxa de 5% cobrada sobre a transferência do imóvel.

O objetivo do aplicativo é agilizar o processo de compra do domínio, que hoje depende de um processo de avaliação do imóvel. O serviço começará com 4.137 imóveis da Avenida Atlântica, em Copacabana e no Leme, zona sul do Rio, mas será estendido para todo o país.

O ministério diz que há 241,816 imóveis elegíveis à remição de foro. Os recursos da venda de domínios, diz, serão destinados a impulsionar políticas públicas e reduzir a dívida do Estado.

Colaboraram Leonardo Vieceli e Douglas Gavras

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