Ser agricultor na era digital requer um alto grau de instrução e atualização constante

Cada vez mais aberto à tecnologia, setor exige soluções que atendam à diversidade de culturas e de perfis produtores

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São Paulo

Há poucos anos, os produtores rurais diziam aos filhos que, se não estudassem, estariam condenados a permanecer na roça. Os tempos mudaram, e a recomendação hoje é que, se não estudarem, não poderão permanecer no campo.

A afirmação pode conter um pouco de exagero, mas ser produtor rural nos dias atuais é bem diferente do que foi há alguns anos. A chegada da tecnologia ao campo exige renovação constante, obrigando o agricultor a um processo contínuo de atualização.

Mas quem são os produtores rurais de hoje? Pesquisa divulgada pelo Imea (Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária) em junho, traz dados interessantes sobre o perfil dos agricultores de Mato Grosso, estado que é o principal produtor do país.

Foto mostra homem em pé do lado direito em um campo de soja. Ao fundo, irrigadores.
Produção de soja irrigada em Luís Eduardo Magalhães, no oeste da Bahia - Raul Spinassé - 12.nov.2019/Folhapress

Feita com 470 produtores no segundo semestre de 2020, a pesquisa aponta um elevado grau de instrução. Pelo menos 4% dos entrevistados têm pós-graduação e outros 52%, curso superior.

Os dados revelam que 89% dos entrevistados têm de 26 a 65 anos. Cerca de 43% estão na faixa de 26 a 45 anos, o que traz para o campo uma leva de profissionais mais engajados nas evoluções tecnológicas.

Segundo a pesquisa, só 18% dos entrevistados têm área de plantio inferior a 500 hectares. Outros 51% estão em áreas superiores a 1.500 hectares.

O que se colhe dos dados mato-grossenses é a presença de um agricultor com perfil diferente do de outras regiões produtoras do país, onde as áreas são menores. A inclusão da tecnologia, no entanto, já é uma exigência para todos.

Nove em cada dez produtores possuem smartphone, o que facilita o acesso às novas ferramentas tecnológicas, afirma Daniel Latorraca, superintendente do Imea.

Com dimensão continental, a maior parte do território brasileiro produz duas safras por ano e tem lavouras bastante diversificadas, com exigências específicas. Um dos desafios é desenvolver tecnologias apropriadas para atender as diversas atividades agropecuárias e os diferentes níveis de produtores.

Para Matheus Ferreira, coordenador de Inovação da CNA (Confederação da Agricultura e Agropecuária do Brasil), embora o cenário seja de evolução, a tecnologia ainda não é acessível aos pequenos produtores, que têm baixo poder de investimento. As startups vêm desenvolvendo um importante trabalho, mas a linguagem tem de ser mais simples.

Na opinião de Latorraca, do Imea, a adesão à tecnologia não depende tanto do tamanho da propriedade, mas do perfil do agricultor. Há grandes produtores que não conseguem lidar bem com as novidades, enquanto pequenos, principalmente aqueles ligados a cooperativas ou a clubes de negócios, já a adotam.

Latorraca afirma, porém, que a tecnologia está chegando às fazendas, não às lavouras. A pesquisa mostrou que 86% dos produtores têm internet na propriedade, mas 89% dela cobrem só a sede. A conectividade é fundamental para o uso da tecnologia.

Ela vai auxiliar o agricultor no monitoramento de estoques da fazenda, nas operações agrícolas, na compra de insumos, na tomada de decisão nas vendas, na previsão do tempo e na busca de informações sobre sua atividade.

O avanço tecnológico é rápido, e as indústrias de máquinas devem colocar em breve no mercado os primeiros tratores autônomos.

​Sem cabine e sem operador, o trator desempenha as funções com comando à distância. Câmeras, sensores, GPS e rádio vão permitir que a máquina “leia” o ambiente e tome as decisões de como atuar, seguindo as diretrizes programadas pelo produtor.

Tecnologias como essa, porém, são adequadas para as grandes lavouras. A indústria busca desenvolver ferramentas apropriadas também para os pequenos e médios, afirma Rodrigo Junqueira, vice-presidente de vendas para a América do Sul da Agco, multinacional norte-americana de máquinas agrícolas.

Para o executivo, a agricultura está cada vez mais aberta à tecnologia, daí a necessidade de uma solução completa para os diversos segmentos de produtores e de culturas.

As novas ferramentas voltadas para a lavoura, a colheita e a gestão da propriedade podem assustar os produtores, mas, quando implementadas, surtem bons efeitos.

Foi o que ocorreu com Roderik Wouter Van Der Meer, produtor de Carambeí, no Paraná. Semanalmente, ele e o engenheiro agrônomo circulavam pela propriedade com um caderninho na mão. Tudo era anotado para posteriores decisões.

Meer, 34 anos, representante de uma nova geração no campo, resolveu mudar o sistema de acompanhamento das atividades e substituiu o caderninho por um aplicativo de celular.

Não foi fácil. Em alguns momentos, achava que deveria voltar ao caderno e às anotações no papel. Superou as dificuldades iniciais e diz que é preciso insistir e aprender para poder acertar.

Atualmente, máquinas e equipamentos controlam o plantio, o acompanhamento das lavouras e a colheita de grãos. A velocidade das máquinas, a qualidade do produto e a limpeza dos grãos colhidos são checadas continuamente e resulta em ganhos na hora da comercialização.

Na atividade leiteira, os 32 mil litros produzidos diariamente na propriedade de Meer seguem um roteiro tecnológico que inclui o controle do cio, o clima ideal para as vacas e a ordenha.

O produtor paranaense descobriu que o investimento tecnológico que levou à sua propriedade forneceu melhores condições de trabalho, qualidade aos produtos e rendimentos maiores. Tudo está a seu alcance, apenas com um toque no celular.

Quanto a volume de investimentos e retorno, ele diz que dependem da necessidade de cada agricultor. A tecnologia ajuda a resolver outro ponto importante: as exigências na qualidade do produto vêm subindo de patamar.

Mas Meer adverte: só tecnologia não faz o produtor ser bom. “É uma ferramenta que ajuda, mas não substitui o cérebro humano.”

Guy de Capdeville, diretor de pesquisa e desenvolvimento da Embrapa, afirma que, por sempre acreditar na ciência, o produtor vai adotar tecnologia cada vez mais rapidamente.

O importante, no entanto, é desenvolver uma tecnologia acessível no celular. Tem de ser um modelo amigável e com linguagem simples.

No caso dos agricultores familiares, as exigências são ainda mais diferenciadas, e as ferramentas devem vir sem custos. A Embrapa tem vários softwares gratuitos à disposição dos agricultores.

Para melhor aproveitamento das tecnologias pelos pequenos produtores, seriam necessários programas de assistência, como os desenvolvidos anteriormente pelas Ematers (empresas de assistência técnica e extensão rural).

Os agricultores já vêm usando várias tecnologias no dia a dia. Elas estão contidas nas sementes e nos diversos insumos necessários à sua atividade, segundo Luis Otavio Fonseca, líder do setor de agronegócio da consultoria Deloitte.

Toda tecnologia, no entanto, tem de levar em consideração a necessidade do produtor e ser útil, afirma Fonseca. Nem sempre são necessários investimentos pesados.

Ele cita um exemplo: o ideal é ter conectividade no campo, mas, em muitos casos, as máquinas não precisam trabalhar em tempo real. Com a tecnologia embarcada, pode-se esperar até a noite para descarregar os dados.

Do lado do produtor, Fonseca diz que ele precisa definir o problema que quer resolver e adotar a tecnologia que responda a isso.

Muito se fala sobre a tecnologia, mas é importante também um olhar sobre a gestão, afirma. “A fazenda é uma área de montagem, e o escritório é o local onde se tomam decisões que vão de logística a financiamento.”

A absorção de tecnologia pelos pequenos produtores não é fácil, mas algumas ações podem tornar isso possível, segundo Ferreira, da CNA.

Um grupo de pequenos produtores da região de Brasília tinha dificuldades para escoar sua produção. Um grupo de chefes de restaurantes encontrava dificuldades para obter produtos frescos e de qualidade. Senar e Senac, via tecnologia, uniram as pontas.

Para o representante da CNA, a tecnologia tem de trazer resultados. Ao produtor cabe se perguntar, constantemente, se é preciso corrigir rumos ou fazer adaptações. O momento ainda é de descoberta de caminhos.

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