Novo Bolsa Família tem boas ideias, mas desenho é ruim, diz Ricardo Paes de Barros

Paes de Barros defende premiar desempenho em estudos e esporte, mas critica falta de articulação com municípios

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São Paulo

Para Ricardo Paes de Barros, professor do Insper e especialista em estudos de desigualdade, a proposta do governo para o Auxílio Brasil, programa substituto do Bolsa Família, apresentada na última segunda-feira (9), toca em questões relevantes e que podem melhorar o cotidiano dos brasileiros mais pobres —como incentivo à conclusão do ensino médio e a ampliação do acesso às creches.

Paes de Barros, que é um dos formuladores do programa Bolsa Família no governo petista, avalia, no entanto, que a proposta do governo não parece estar desenhada da melhor maneira possível e muitas ideias pecam pela falta de articulação com escolas, estados e municípios.

De pé, durante uma palestra e segurando um microfone, o economista Ricardo Paes de Barros, professor do Insper e ligado ao Instituto Ayrton Senna, discursa em evento
O economista Ricardo Paes de Barros, professor do Insper e ligado ao Instituto Ayrton Senna - Bruno Santos - 15.set.16/Folhapress


A proposta do governo é um avanço ou um retrocesso? Não é um retrocesso, em princípio. A mudança tenta avançar em uma série de questões importantes, mas faz isso de maneira inadequada. O desenho não é o melhor, mas também não tivemos acesso aos estudos que levaram ao projeto.

Vamos assumir que o objetivo do governo, embora não esteja claro na proposta, seja tornar o Bolsa Família mais generoso e aumentar os benefícios do programa. Isso certamente é uma boa ideia. A proposta tem uma tentativa de fazer com que o Bolsa Família não atrapalhe a inclusão produtiva, mas não será um programa, como o projeto Brasil sem Miséria, de 2011, que tinha um componente mais sólido.

A proposta deveria ter sido feita com mais cautela? Há questões importantes na proposta do governo, embora não estejam bem desenhados: um é garantir creches para crianças cujas mães precisam trabalhar. Essa é uma questão que, sozinha, não gera a inclusão produtiva, mas ajuda. E outra questão é tentar incentivar o trabalho, que é crucial, mas não é feita da melhor maneira.

Outro ponto é um incentivo para que os jovens concluam o ensino médio (um ponto que ficou ainda mais relevante com a pandemia, devido ao aumento da evasão escolar). Ampliar o benefício até os 21 anos também é uma ideia importante e a tentativa de incentivar ações meritórias de jovens, seja no esporte ou academicamente, é boa. Só acho que deveria ser feito de maneira diferente.

A proposta deixa de olhar para questões importantes no combate à pobreza? Há coisas importantes para um programa de combate à pobreza no Brasil e que não aparecem nesta medida provisória. Nada disso vai funcionar direito, se a gente não aperfeiçoar a fila dos que esperam para ter acesso ao Bolsa Família hoje.

A segunda coisa é o programa de inclusão produtiva, que já existia no programa Brasil sem Miséria (que estimula a oferta de serviços, com intermediação de mão de obra, certificação de competências, assistência técnica), uma série de ações que esse programa do governo não propõe.

Há dificuldade para executar políticas tão distintas? Não acho que tenha grandes dificuldades de implementação. No benefício chamado de Auxílio Criança Cidadã [de pagamento de mensalidades em creches privadas para famílias de menor renda], o programa propõe dar um cupom para colocar o filho em uma creche particular.

A ideia de garantir o apoio da mãe pobre que quer trabalhar é muito importante, mas o primeiro passo não é passar por cima do município e oferecer o vale para a família. A melhor coisa seria encorajar o município a organizar a fila das creches, para que em primeiro lugar estejam as famílias mais pobres. Isso teria muito mais impacto do que pegar os que não conseguiram creche por algum critério municipal aleatório.

O ideal seria reforçar as parcerias com os municípios? O governo fala muito do fortalecimento do Suas (Sistema Único de Assistência Social) e de estados e municípios, mas o projeto anda um pouco de marcha à ré. Ignorar o sistema municipal e fazer a família procurar uma instituição privada desnorteia o planejamento das cidades.

A estratégia deveria ser dar um incentivo para as cidades e facilitar para que os sistemas usem recursos públicos na compra de vagas em creches privadas. O programa Brasil Carinhoso tentava fazer isso de uma maneira melhor, dobrando as transferências de recursos aos municípios para cada criança do Bolsa Família.

E além do auxílio para as crianças em creches, o que mais poderia ser melhorado na proposta? No caso de estender o benefício para jovens de 18 a 21 anos, há uma ideia boa de dar incentivo para que todo mundo conclua o ensino médio.

Mas fica uma dúvida: o jovem de 15 anos vai olhar para isso e pensar que se ele concluir aos 17, ele vai perder o benefício? Não seria melhor dar o benefício para os jovens que cursam ou concluíram o ensino médio? Dar um benefício para quem concluiu pode evitar que as pessoas não demorem mais tempo do que o necessário para terminar os estudos.

A proposta do governo acerta ao tratar de inclusão produtiva? Você quer que a pessoa no Bolsa Família tenha uma renda do trabalho e esse é o caminho da inclusão produtiva. Uma coisa importante no programa atual, que não atrapalha a inclusão, é não desencorajar as pessoas a terem uma renda do trabalho. Mas o dispositivo atual acaba desencorajando o aumento dos rendimentos com o trabalho, em alguns casos, pois cada real a mais de renda do trabalho pode ser descontado do benefício.

A proposta do governo, não mexe nesse problema. Seria mais inteligente que os primeiros R$ 500 vindos do trabalho, por exemplo, não contassem no cálculo da renda da família, depois os R$ 500 seguintes contariam como se fosse a metade (R$ 250). Isso faria com que o rendimento que vem do trabalho não tivesse impacto grande no valor do benefício e a família não fosse desestimulada a buscar um trabalho de melhor remuneração.

Faz sentido criar uma modalidade de crédito consignado atrelada ao programa? Desde que se faça isso dentro de um padrão mínimo, mantendo a proposta de parcelas de até 30% do valor do benefício, pode ter alguma vantagem. E vamos acreditar que as famílias são racionais e não irão se endividar. Mas isso não resolve a questão da inclusão produtiva, que é alcançada com o protagonismo dos mais jovens e a melhoria da formação deles. E, novamente, esse programa proposto não tem essa perna.

E a proposta de incentivos para estudantes que se destaquem academicamente e em esportes nas escolas? É uma ideia legal, mas focar a atenção em esportes e iniciação científica acaba reduzindo o benefício para apenas dois comportamentos de mérito.

O governo deveria dar uma cota de prêmios para cada conjunto de escolas e elas escolheriam entre vários méritos que os jovens podem ter, como liderança na comunidade, iniciativas de proteção ao meio ambiente, de respeito aos direitos humanos ou ter uma cultura de paz, por exemplo. É outra ideia que também peca pela falta de articulação com escolas, estados e municípios.


  • RAIO-X:
    Ricardo Paes de Barros, 66
    É graduado em engenharia eletrônica pelo ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica), com mestrado em estatística pelo Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada) e doutorado em Economia pela Universidade de Chicago. Também é professor no Insper, já integrou o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada) e foi subsecretário de Ações Estratégicas da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.
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