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A missão de Jack Ma e dos titãs da tecnologia chinesa: doar bilhões

Foco de Xi Jinping na 'prosperidade comum' animou os empreendedores mais ricos da China

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Seul, Singapura, Pequim e Xangai | Financial Times

Em Hangzhou, a cidade natal de Jack Ma, a espaçosa residência do fundador do Alibaba tem fontes próprias de alimentos, dentro de um parque nacional. E o terreno que abriga esse imenso complexo é apenas um dos muitos imóveis dos quais ele é dono na cidade.

“O apelido dele é ‘Ma meia-cidade’”, disse um funcionário aposentado do governo na cidade de 10 milhões de habitantes, que trabalhou com Ma por mais de uma década. Ele aponta que as propriedades de Ma foram em parte adquiridas e em parte recebidas como presentes do governo por retribuição a doações feitas por ele.

Por anos, os excessos dos magnatas chineses foram lendários. Do Victoria Peak, em Hong Kong, a Kensington Palace Gardens, em Londres, e ao Upper East Side de Nova York, eles adquiriram alguns dos imóveis mais caros do planeta. Muitos criaram coleções de aquisições altamente prestigiosas, de clubes de futebol na Inglaterra a vinícolas em Bourdeaux, estúdios de cinema em Hollywood e jornais internacionais.

Jack Ma, fundador do Alibaba - Charles Platiau - 15.mai.2019/Reuters

Agora, Ma e sua turma de titãs bilionários da tecnologia estão em uma missão urgente de exibir seu espírito socialista por meio de uma onda de doações generosas para projetos públicos de caridade e de anúncios de grandes projetos assistenciais.

Essa onda súbita de benevolência viu dezenas de bilhões de dólares redirigidos dos cofres das empresas e das contas bancárias pessoais deles a causas ligadas ao Estado, nos últimos meses, como parte dos esforços da elite empresarial e das pessoas mais ricas do país para apaziguar o presidente chinês Xi Jinping.

No entanto, dentro do crescente setor filantrópico chinês, a onda de doações foi recebida com ceticismo, e o medo de que o controle do Estado seja intensificado vem crescendo.

O dilúvio de generosidade se segue a uma barragem de restrições regulatórias e políticas impostas por Pequim, uma onda repressiva ampla que fez com que algumas das maiores empresas do país perdessem dezenas de bilhões de dólares em valor de mercado e reduziu as fortunas pessoais de seus fundadores.

“A parte assustadora [para os doadores] é que eles não sabem exatamente quanto terão de doar”, disse um executivo de uma organização de caridade de Pequim. “Tudo que eles podem fazer é ver quando seus pares estão doando, e tentar acompanhá-los”.

O foco do Partido Comunista chinês na redistribuição de riqueza se intensificou este mês, depois que Xi apelou por regulamentação mais forte das “rendas excessivamente altas” e por medidas que “encorajem os grupos e empresas de alta renda a retribuir mais à sociedade”.

O líder chinês, cujas declarações foram publicadas pela mídia estatal depois de uma reunião de planejamento econômico de primeiro escalão na semana passada, também reiterou que a realização de uma “prosperidade comum” pela China era um requisito essencial do socialismo.

Dias depois que os comentários de Xi foram publicados, na semana passada, a Tencent, um dos maiores grupos de mídia social, jogos e tecnologia financeira da China, anunciou que reservaria 50 bilhões de yuan (US$ 7,7 bilhões) para um “programa de prosperidade comum”.

Esta semana, Chen Lei, presidente-executivo da Pinduoduo, uma das maiores plataformas de comércio eletrônico da China, aderiu à campanha de doações, prometendo contribuir com US$ 1,5 bilhão (R$ 7,7 bilhões) dos lucros futuros da empresa para apoiar a modernização da agricultura e a revitalização rural.

Outros a anunciar novas contribuições sociais nas últimas semanas foram Zhang Lei e o grupo de capital privado Hillhouse Capital, e Xing Wang, fundador da Meituan, uma companhia de entrega de comida.

Depois das inundações devastadoras na província de Henan, no mês passado, diversos grupos de tecnologia, entre os quais o Alibaba, a plataforma de transporte por aplicativo Didi, a Tencent e a Pinduoduo doaram dezenas de milhões de dólares para os esforços de recuperação.

Nos últimos 10 anos, o montante de dinheiro doado anualmente pelos 10 maiores empreendedores chineses quase triplicou, de acordo com dados do Instituto de Pesquisa Hurun, uma organização chinesa de pesquisa. Dados compilados pela Bloomberg apontam que as doações realizadas pelos bilionários chineses até agora este ano já são 20% mais altas do que o total doado em 2020.

Agora, porém, parece estar crescendo a pressão sobre empresas e magnatas para que alterem suas atividades de caridade a fim de acompanhar as mudanças ordenadas pelo Partido Comunista chinês, uma mudança que, especialistas afirmam, gera o risco de solapar suas boas intenções.

De acordo com um importante financista chinês, embora as autoridades há muito encorajem doações para fins de caridade —muitas vezes definidas como distribuição “terciária” de renda—, elas não estavam no alto da agenda política do partido.

“A distribuição terciária é mencionada em documentos do governo há 30 anos”, disse o executivo, que pediu que seu nome não fosse citado. “Mas até a semana passada ninguém lia esses documentos. Agora todo mundo está lendo cada palavra”.

Ele acrescentou que sua companhia estava expandindo as atividades assistenciais. “É a coisa certa a fazer. Criamos toda essa riqueza graças ao mercado chinês. É justo que também contribuamos com a sociedade.”

Um executivo de uma organização de caridade de Pequim disse que desde que a reforma das leis de caridade chinesas foi adotada, cinco anos atrás, as organizações não governamentais estavam sofrendo “pesado escrutínio”, porque as autoridades estavam buscando restringir o crescimento descontrolado de empresas do setor privado, que era visto como uma forma de erodir o controle do partido.

As doações agora estão sendo direcionadas a iniciativas vinculadas ao Estado, de preferência a projetos de ONGs.

“É muito difícil conquistar aprovação para estabelecer novas organizações de caridade. Por exemplo, no ano passado nenhuma organização nova de caridade foi aprovada em Haidian”, ele disse, se referindo a um dos bairros mais desenvolvidos de Pequim.

“Organizações de caridade apoiadas pelo governo se tornarão as principais beneficiárias da mais recente iniciativa política. As empresas privadas obterão crédito político ao financiar projetos do governo”, ele afirmou.

Scott Kennedy, especialista em política econômica chinesa no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, uma organização de pesquisa americana, apontou que muitos dos principais executivos chineses haviam estabelecido reputações por sua filantropia pessoal, especialmente depois que Ma, do Alibaba, liderou uma onda de criação de fundos privados de caridade por empreendedores.

Kennedy afirmou que os esforços de Pequim para forçar uma expansão das doações para caridade poderiam ter “o efeito oposto”, reduzindo “o apoio entusiástico genuíno” e acentuando a filantropia dirigida pelo Estado.

“Isso é coerente com a tendência mais ampla, no governo de Xi Jinping, a reduzir a influência da sociedade civil. O partido se sente extremamente desconfortável com qualquer comportamento público independente que ofereça bens públicos ou coloque o Estado em posição de ter de prestar contas”, ele disse.

“E em última análise o objetivo primário do partido é tentar afirmar seu domínio e controle sobre todos os aspectos da vida na China”, disse Kennedy.

Financial Times, tradução de Paulo Migliacci

Edward White , Tom Mitchell , Sun Yu , Christian Shepherd , Ryan McMorrow , Sherry Fei Ju , Nian Liu e Wang Xueqiao
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