'Antigamente, comprar roupa era dar uma voltinha no shopping', diz presidente da C&A

Para Paulo Correa, o consumo de moda está cada vez mais atrelado à influência das redes sociais e ao desenvolvimento do comércio eletrônico

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Brasília

As vendas eletrônicas de roupas, sapatos e acessórios da varejista de moda C&A durante a pandemia deram um salto —de um total de 3%, elas passaram a representar 17% da receita líquida, que foi de R$ 1,2 bilhão no segundo trimestre deste ano.

Entre todos os segmentos que vêm se digitalizando nos últimos anos, o de vestuário é um dos mais reticentes —não pela falta de empenho das redes de varejo, mas pelo hábito do consumidor, que sempre quis provar a roupa. Mas a pandemia mudou isso também.

“No Brasil, o comércio eletrônico tinha uma penetração voltada à classe com maior poder aquisitivo antes da Covid-19”, diz Paulo Correa, presidente da C&A no Brasil, à Folha. “Mas nosso foco é classe média e temos percebido um conforto bem maior do público com a dinâmica da compra online”, afirma.

No primeiro semestre deste ano, a empresa investiu R$ 112,8 milhões em digital e tecnologia, uma alta de 261,5% na comparação anual. São cerca de 620 funcionários só nesta área. A ambição da filial da multinacional anglo-holandesa é se tornar uma “fashion tec”, uma varejista de moda que oferece cada vez mais recursos tecnológicos na hora da compra.

A C&A adotou o esquema híbrido de trabalho e Paulo Correa está achando ótimo retomar a rotina no escritório. “Estava sentindo muita falta de estar com as pessoas, de tomar um cafezinho e conversar 10 minutos com alguém com quem eu não marquei reunião”, diz ele, que viu benefícios no home office. “Me aproximei ainda mais dos meus filhos e da minha esposa e comecei a curtir espaços na minha casa que eu nem percebia antes”, diz o executivo, referindo-se à escada com vista para o céu e árvores, onde costuma se sentar para tomar um chá. “Antes era só um local de passagem, eu não apreciava”, afirma. "É muito bacana encontrar prazer nas coisas simples".​ - Mathilde Missioneiro/Folhapress

A estratégia inclui desde a venda por WhatsApp e redes sociais, até apresentação de desfiles de hologramas, como a empresa promoveu no reality Big Brother Brasil deste ano, passando pela transformação de consumidoras em influenciadoras sociais, que têm direito até a um estúdio de gravação dentro de uma das lojas em São Paulo.

No ano passado, a varejista criou o “Minha C&A”, um programa que faz das próprias consumidoras vendedoras digitais da marca. Elas se tornam donas de uma “lojinha” hospedada no site da C&A, com autonomia para personalizar o espaço com a seleção de até 24 produtos, que podem ser divulgados da forma que quiserem. Elas ganham uma comissão de 8% a 10% sobre o preço final.

O projeto-piloto na metade do ano passado começou com pouco mais de 40 participantes e em setembro chegou a 12 mil.

Dentro das novas lojas, a C&A está criando um espaço para um estúdio de fotos: com luz adequada e isolamento acústico, a consumidora pode fazer seu próprio book ou gravar vídeos. Até o momento, a rede conta com dois estúdios, nas lojas do Tietê Plaza Shopping, em São Paulo, e do Shopping Catuaí Palladium, em Foz do Iguaçu (PR).

“É impressionante o número de consumidoras que chegam às lojas da C&A com um print [cópia] nas mãos, querendo determinada roupa do Instagram ou do Facebook”, diz Correa. “Sinal do quanto essa consumidora está antenada com as novas tecnologias e sensível ao que vê nas redes."

Pesquisa da consultoria e-Bit Nielsen apontou que 30%, ou seja, quase um terço das compras de roupas e calçados no primeiro semestre deste ano aconteceram via redes sociais. Como a C&A tem explorado esse mercado?

Até antes da pandemia, havia uma presença muito maior de consumidores de maior poder aquisitivo no comércio eletrônico. Mas temos observado um conforto generalizado do consumidor com a compra online, independentemente do poder aquisitivo dele. O que é muito importante para o nosso negócio, já que o nosso foco é a classe média, temos um estilo bastante democrático.

O celular hoje é mais do que meio do que comunicação, tem a ver com entretenimento e com uma forma de resolver coisas. E entretenimento tem a ver com a gente. Quando você olha, por exemplo, o que as pessoas estão usando nas redes sociais, o que tem de novo, o que as celebridades vestem. Quando a consumidora acha linda uma calça, uma blusa, é o início da jornada de compra. Ela vai digitar #blusaamarraçãonacintura para descobrir quais as marcas cabem no seu bolso. Dali já pode sair um carrinho de compras [no site], ou um print [cópia], para ela passar no shopping e experimentar ao vivo. É impressionante o número de consumidoras que chegam às lojas da C&A com um print nas mãos, do que viram nas redes sociais.

Hoje não basta uma voltinha no shopping para comprar roupas...

Antigamente, comprar roupa era dar uma voltinha no shopping. Mas as jornadas se multiplicaram, hoje há várias formas diferentes. O shopping vai continuar sendo importante como lazer. Mas a jornada que vai resultar em uma compra começa na rede social, no site, no WhatsApp que a consumidora mandou para o nosso time de vendas, que já deixou separado o produto dela na loja. Hoje existem múltiplas maneiras de estar próximo do cliente. Para a empresa, a grande missão é facilitar essas múltiplas jornadas, aumentar a presença e o nível de conveniência para o consumidor.

Eu lembro que, desde 2010, a gente falava que a grande mudança no futuro seria o cliente no comando do processo de compra. Agora essa realidade chegou. As empresas precisam se moldar, criar canais, produtos, ofertas, promoções, baseadas em uma jornada que elas não dominam, quem domina é o cliente, ele decide a forma, o jeito, aonde e quando ele quer comprar E as empresas precisam se adaptar rápido, têm que estar disponíveis para facilitar essa jornada.

Qual tem sido o processo de adaptação da C&A a este novo consumidor?

No ano passado, criamos o Minha C&A, um programa de social selling [venda pelas redes sociais]. Nele as próprias consumidoras se tornam vendedoras digitais da rede. Começamos com um projeto-piloto com 43 pessoas e já estamos com 12 mil. No Minha C&A, elas se tornam donas de uma “lojinha” hospedada no nosso site. Elas têm autonomia para personalizar o espaço com a seleção de até 24 produtos, que podem ser divulgados da forma que quiserem. Elas ganham uma comissão de 8% a 10% sobre o preço final. Mesmo que os amigos ou seguidores não comprem o que elas indicam, se usarem o código delas ao fechar uma compra online na C&A, elas serão remuneradas com a comissão.

Apostamos no poder delas de influenciar as decisões de compra de outras pessoas. Nas novas lojas, estamos montando estúdios para treinar essas consumidoras vendedoras, inclusive para lives.

Olho cada vez menos se a venda é online ou física: o que me interessa é a jornada desta consumidora, em que momento ela tem chances de se interessar pelos nossos produtos. Precisamos estar disponíveis para atendê-la. Um cliente multicanal, que compra em mais de um meio, gasta cerca de duas vezes mais em relação à média total de clientes. Por isso investimos também no programa de relacionamento, o C&A&VC, que já tem 16,8 milhões de clientes cadastrados e representa 78% das nossas vendas. O cliente é avisado no WhatsApp sobre liquidações e pré-venda de coleções, recebe uma surpresa no aniversário, entra na fila expressa no caixa. Tudo isso aumenta a recorrência de compra.

O quanto a empresa tem investido nessa área digital?

Só no segundo trimestre deste ano investimos R$ 87,3 milhões, quase 62% do investimento do período. O time responsável pela transformação digital já soma mais de 620 profissionais. Nossa estratégia é transformar a C&A em uma Fashion Tech, uma empresa de moda digital para a mulher brasileira, com lojas físicas e conexão emocional. Nosso foco está na implantação dos projetos do novo sistema de CRM [Customer Relationship Management] para dar suporte à força de vendas, especialmente no canal WhatsApp. Montamos uma visão única dos dados da cliente, não só em relação ao cadastro, mas com a estruturação de um banco de dados relacionado aos diferentes perfis e comportamentos de compra. O objetivo é acompanhar essa jornada da cliente pelos diferentes canais. No segundo trimestre, o destaque foi o WhatsApp, que hoje está em 100% das nossas lojas. Entre abril e junho, o WhatsApp representou 35% da venda online.

Uma consumidora conectada precisa de celular, principal produto do segmento de Fashiontronics da C&A. Quanto este segmento tem representado?

Fashiontronics está se mantendo em 15,5% da receita líquida. Há um ano, no segundo trimestre de 2020, quando estava tudo fechado e o governo concedeu as primeiras parcelas do auxílio emergencial, isso ajudou o pessoal a trocar de aparelho. Foi quando o Fashiontronic chegou a representar 27,4% da receita líquida. Mas, depois de feito o upgrade, não dá para trocar tantas vezes o celular.

O quanto a oferta de crédito é importante para o público da C&A?

Ter acesso a crédito faz muita diferença na decisão de compra, especialmente se for de uma maneira rápida e fácil. A expansão das fintechs mostra isso. Temos uma parceria com o Bradesco, um contrato longo, previsto para terminar em 2029. Hoje a parceria engloba Cartão C&A (que podem ser usados em outros estabelecimentos), empréstimos pessoais e seguros. Mas estamos discutindo com o Bradesco formatos de expansão de produtos de crédito para os clientes. O banco, por natureza, foca muito na rentabilidade da operação. No nosso caso, vemos de maneira mais ampla, precisamos abrir o leque de produtos de crédito.

Quem será o consumidor da C&A dentro de dez anos?

Eu vejo duas macrotendências: instantaneidade e relevância. As pessoas são estimuladas de alguma maneira a querer respostas o mais rápido possível, até como efeito dessa cultura digital que estamos vivendo. O consumidor estará cada vez mais conectado, digitalizado, com muito mais informação disponível. Os aplicativos e as redes sociais fazem uma espécie de pré-seleção para você dos assuntos de interesse. Com isso, as pessoas têm menos paciência em pesquisar o que lhe interessa em meio a uma enxurrada de conteúdo. Eu, por exemplo, gosto muito de esportes, alguns mais do que outros. Se no meu feed do Instagram ou do Facebook vierem esportes que eu não curto tanto, sinto que estou perdendo meu tempo.

Quando você transporta essa dinâmica para um negócio, significa que as empresas precisam conhecer seus clientes e personalizar o conteúdo e as ofertas. Estamos buscando trazer mais inteligência artificial para o nosso processo. Para quando você entrar no aplicativo, o seu comportamento anterior seja uma forma de a gente apresentar conteúdos mais relevantes. Se você nunca faz uma pesquisa de roupas de bebê, não quer ver oferta dessa categoira. É perda de tempo. Essa tendência de relevância com instantaneidade só deve aumentar, com o nível de processamento cada vez mais alto dos algoritmos. As pessoas vão buscar cada vez mais conteúdo, produtos e serviços que tenham a ver com ela, com resposta imediata.

Outra tendência que vem ganhando o mercado de moda é o da sustentabilidade dos produtos considerando que a maioria das roupas é feita de poliéster, material que leva cerca de 200 anos para se decompor. Quais têm sido as iniciativas da C&A neste sentido?

Temos o compromisso de chegar a 90% dos nossos produtos feitos com algodão mais sustentável e batemos isso no ano passado. Hoje, estamos perto de 100%. Lançamos t-shirts e jeans com a tecnologia Cradle to Cradle, do início ao fim, para estimular a circularidade dos produtos. Isso significa que, se colocar a peça em uma composteira, em 12 semanas, ela já terá se decomposto. Fomos a primeira varejista de moda das Américas com essa tecnologia. A grande transformação vai acontecer quando a sociedade exigir dos fabricantes e varejistas este selo de confiança, referente ao impacto do produto e do processo fabril no meio ambiente. Dentro da C&A, temos uma área que começou como auditoria dos fornecedores e se transformou em uma consultoria para eles. Fazemos uma série de inspeções nas oficinas, para saber se estão no padrão, e quem precisa ajustar a operação recebe uma consultoria. A ideia é construir juntos a melhor solução, a mais sustentável. Faço parte do board global da C&A de sustentabilidade. Pelo nosso tamanho, a gente tem força para mudar a forma que a indústria funciona e pensa.

Na dimensão social, a nossa marca está entranhada na questão da diversidade há muito tempo. Tivemos um garoto-propaganda [entre 1990 e 2020], o Sebastian, negro, bailarino, que entrava de um jeito suave na casa das pessoas, quando a sociedade era muito mais conservadora do que agora, sem polarizar. Queremos incluir, não dizer o que está certo ou errado, isso depende de cada um. A dimensão de gênero, orientação sexual, raça é o que torna cada um de nós único e especial. Não pode ser um rótulo, nem uma forma de diminuir ou excluir pessoas.


Paulo Correa Junior, 56

Formado em Engenharia da Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, tem MBA – Master In Business Administration pela The Fuqua School of Business, da Duke University (EUA). Assumiu a presidência da C&A no Brasil em julho de 2015. Entrou na varejista em setembro de 2004 como diretor e assumiu a vice-presidência comercial em março de 2007, período em que lançou o e-commerce da rede no país. Antes da C&A, atuou na Xerox, na Mckinsey e na Capital One Financial Services.


Raio-X

Fundação: 1841, na Holanda

Funcionários: 14 mil

Lojas: 304

Receita líquida: R$ 4,085 bilhões

Prejuízo: R$ 166,3 milhões

Principais concorrentes: Renner, Riachuelo e Pernambucanas

(Dados de 2020, Brasil)

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