Bolsa do Brasil tem 3º pior desempenho do mundo e só ganha de Venezuela e Turquia

Decisão do governo de aumentar gastos em 2022 contribui para país descolar dos mercados em alta

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São Paulo

Em um ano marcado por incertezas políticas e aumento do risco de descontrole das contas públicas no país, a Bolsa de Valores brasileira obteve até novembro o terceiro pior resultado em uma comparação realizada pela agência de classificação Austin Rating entre 79 índices de ações de 77 países –dois dos Estados Unidos (Dow Jones e Nasdaq) e dois da China, considerando o território autônomo Hong Kong.

O Ibovespa, índice de referência para a Bolsa do Brasil, recuou 20,88% no período, uma desvalorização que só não foi maior do que as registradas por Venezuela, que afundou 99,52%, e Turquia, que cedeu 31,19%. Os resultados consideram a comparação em dólar, eliminando distorções provocadas pela flutuação do câmbio. No comparativo considerando moedas locais, o desempenho brasileiro só não foi pior do que o venezuelano.

Dos 79 índices avaliados, apenas 22 estavam no vermelho, o que é coerente com um cenário de liquidez global proporcionada por estímulos financeiros criados por governos de diferentes países com o intuito de combater a desaceleração econômica provocada pelas medidas de restrição de circulação impostas para o controle da pandemia de Covid-19.

O cenário político conturbado, porém, impediu o mercado de ações brasileiro de tirar proveito desse contexto favorável aos investimentos de risco, segundo economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, autor do levantamento.

O desempenho do Ibovespa ficou, por exemplo, muito abaixo do que o obtido por índices de países em desenvolvimento com características semelhantes às do Brasil, como China (-0,15%), África do Sul (+7,87%), Índia (+18,06%) e Rússia (+18,53%). Também ficou distante dos índices americanos Dow Jones (+12,67%) e Nasdaq (+20,56%).

As discussões sobre o adiamento parcial do pagamento das dívidas judiciais da União, chamadas de precatórios, iniciadas em julho e a evolução dessa discussão para a decisão do presidente Jair Bolsonaro de furar o teto de gastos para aumentar o valor do Auxílio Brasil para R$ 400 –o valor que a equipe econômica apontava como viável era de R$ 300– são os fatores que, recentemente, mais contribuíram para o desempenho ruim do Ibovespa.

De julho a novembro, o Ibovespa cedeu 19,6%. A queda fica em 28,6% considerando o cálculo em dólar.

"Estamos em um momento conturbado da política por causa da corrida eleitoral, temos uma questão fiscal não resolvida e até alterada por conta da insistência do governo em ampliar o Auxílio Brasil", diz Agostini.

Homem observa painel com gráfico que demonstra variação do Ibovespa, na Bolsa de Valores de São Paulo (SP)
Homem observa painel com gráfico que demonstra variação do Ibovespa, na Bolsa de Valores de São Paulo (SP) - Amanda Perobelli - 19.out.2021/Reuters

O analista ressalta que, apesar de a aprovação da PEC dos Precatórios no Senado nesta quinta (2) ter contribuído com a dissolução de parte das incertezas sobre o Orçamento para 2022, o processo de discussão do tema ao longo dos meses afetou de forma negativa as expectativas de investidores.

Além disso, Agostini diz que a decisão de adiar pagamentos judiciais criou um ambiente jurídico de desconfiança que também atingiu os empresários.

Após a crise política e fiscal ter atrapalhado o país de entrar na onda de liquidez global, o Brasil enfrenta um contexto mundial mais desafiador com o avanço da inflação dentro e fora do país e um consequente aperto monetário.

"Naturalmente, o aumento da inflação e dos juros faz as pessoas ficarem preocupadas em relação ao dinheiro e elas acabam migrando para um investimento mais seguro de renda fixa", diz.

Agostini destaca, porém, que o mercado de ações do Brasil passou a crescer de forma significativa a partir dos anos 2000, com a estabilização da inflação, e, portanto, é menos desenvolvido em relação a outros mercados.

Ele também destaca que alguns índices que aparecem com resultados extremamente positivos no ranking da Austin são irrelevantes para o mercado global por movimentarem baixos volumes de recursos.

Consideradas essas distorções, o especialista destaca que o resultado momentâneo não deve ser o principal parâmetro para avaliar o investimento estruturado em Bolsa, que deve ser pensado para médio e longo prazo.

"As pessoas compram e devem esperar o retorno lá na frente porque ele depende da maturação dos investimentos das empresas, não é da noite para o dia", afirma.

A combinação de riscos domésticos e baixo crescimento econômico, porém, ainda colocam a Bolsa do Brasil em uma situação de maior vulnerabilidade para futuros solavancos econômicos globais.

"De 2011 a 2020, a média de crescimento anual do PIB brasileiro foi de menos de 1% ao ano. Isso faz com que em momento de turbulência a Bolsa brasileira sofra mais", conclui.

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