Descrição de chapéu Folha ESG sustentabilidade

Meta socioambiental é novo critério para remunerar executivos

Desempenho sustentável entra no cálculo do bônus pago às lideranças, mas política ainda é exceção

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Belo Horizonte

Vincular o desempenho financeiro de uma empresa ao bônus dos executivos é uma prática comum no mercado. Mas se os princípios ESG (ambiental, social e governança, na sigla em inglês) ganharam importância, por que não considerar a performance sustentável nesse cálculo?

Para mostrar que o compromisso com a agenda vai além do marketing, empresas brasileiras começaram a atrelar a remuneração variável de suas lideranças a indicadores socioambientais.

Um dos exemplos é o GPA, dono de marcas como Extra e Pão de Açúcar. Em 2021, a redução da pegada de carbono foi incluída no sistema de bônus de todos os executivos.

O grupo tem o compromisso de cortar suas emissões em 30% até 2025. Se não houver avanços de um ano para o outro, a penalização será no bolso.

"Funciona como qualquer outra meta. Se nós atingirmos, temos o reconhecimento", explica Mirella Gomiero, diretora executiva de RH, sustentabilidade e tecnologia do GPA.

Mirella Gomiero, diretora executiva de RH, sustentabilidade e tecnologia do GPA, numa unidade do supermercado, na zona oeste de São Paulo. Em 2021, a companhia incluiu a redução das emissões de carbono no sistema de bônus das lideranças - Jardiel Carvalho/Folhapress

Desde 2016, a companhia tem um indicador de sustentabilidade que influi na remuneração variável de seus 1400 gestores. A partir deste ano, a descarbonização passa a integrar o índice, que já incluía um compromisso de diversidade: chegar em 2025 com 38% dos cargos de alta liderança ocupados por mulheres.

Segundo Gomiero, o desempenho nesses dois quesitos é avaliado como as demais metas coletivas do GPA.

"Está na mesma importância que Ebitda [indicador que mede geração de caixa], marketshare, satisfação do cliente... O ESG faz parte da agenda de negócios", afirma.

A siderúrgica Gerdau também atrelou a emissão de carbono e a presença de mulheres na liderança ao bônus.

Anualmente, os executivos recebem ações da companhia, mas que só podem ser usufruídas após três anos (contrato conhecido como "vesting"). Uma parte desse benefício (40%) é condicionada à permanência na empresa, e outros 40% são referentes à performance financeira.

Desde abril de 2021, os 20% restantes são calculados a partir do desempenho nos dois indicadores socioambientais.

"Eu mostro a importância desses temas quando coloco na remuneração. Os sistemas que a empresa desenvolve têm de reforçar a cultura que ela quer criar", diz Caroline Carpenedo, diretora global de pessoas e responsabilidade social da Gerdau.

A meta da companhia é chegar em 2025 com 30% de lideranças femininas —número que atualmente está em 22%. Sobre a redução das emissões, ainda não há compromissos públicos, mas, segundo a diretora, o anúncio será feito em breve.

"Estamos sempre pensando como a área de recursos humanos pode gerir seus processos de forma a alavancar os resultados que a companhia espera", afirma. "A remuneração é um sistema importante, querendo ou não ela direciona o comportamento", acrescenta.

Desde 2019, a Vivo também reserva 20% do bônus de seus executivos para temas como sustentabilidade, diversidade, reputação e experiência do cliente.

De lá para cá, a companhia já percebeu um maior envolvimento dos funcionários, como afirma Renato Gasparetto, vice-presidente de relações institucionais e sustentabilidade da Vivo.

"Antes nós fazíamos um pouco mais de esforço para procurar engajamento. Hoje já é o inverso, a minha área recebe ideias de outros setores sobre como ser mais sustentável", diz o executivo.

Esse, inclusive, foi um dos motivos que levou a Vivo a aumentar o peso do componente ambiental no bônus: de 1% para 5% em 2021.

"Percebemos que quanto mais metas audaciosas tivéssemos, mais poderíamos colaborar com o negócio, com o engajamento das pessoas dentro dos times e com o planeta", diz Gasparetto.

A companhia já compensa todas as suas emissões diretas, o que a torna neutra em carbono. Mas, para 2021, a meta atrelada à remuneração variável é não emitir mais do que 81,2 mil toneladas de CO2 em suas operações no Brasil.

Bônus atrelado a metas ESG ainda são exceção

Uma pesquisa do Instituto FSB mostrou que apenas 16% das empresas brasileiras condicionam a remuneração variável de seus executivos ao bom desempenho em temas socioambientais.

Considerando as companhias que direcionam suas metas a partir dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU) —um dos principais referenciais de sustentabilidade— a proporção é ainda menor: só 3%.

A pesquisa foi feita por telefone, entre os dias 3 de agosto e 8 de setembro de 2021, com representantes de 400 empresas de grande e médio porte.

Para Danilo Maeda, diretor da Beon, consultoria de sustentabilidade que participou do estudo, o resultado não chega a ser decepcionante, visto que se trata de um mecanismo de gestão sofisticado.

"O mundo corporativo brasileiro está ganhando maturidade no assunto", afirma. "Não estou dourando a pílula para dizer que o número não está baixo, porque está. Mas temos visto o mercado se movimentar para aderir a essas boas práticas", acrescenta.

Segundo ele, atrelar o bônus dos executivos às metas socioambientais é um indicador importante sobre o quão genuíno é o compromisso com a agenda ESG.

"Sinaliza para o mercado que a organização já amadureceu na integração entre o core business [essência do negócio] e a sustentabilidade."

Maeda também diz que esse tipo de política ajuda a acelerar a transformação sustentável das companhias, pois direciona mais esforços nesse sentido. Não é à toa, ele argumenta, que essas empresas são as mais maduras na agenda ESG, conforme aponta a pesquisa.

"Os 3% que possuem metas [vinculadas à remuneração] coincidem com os 2% de empresas que encontramos no estágio mais avançado de gestão da sustentabilidade. É basicamente o mesmo grupo", afirma.

Apesar de defender a inserção de componentes ambientais e sociais no bônus, Maeda admite que existem desafios.

Diferentemente do sistema convencional —que inclui indicadores sobre vendas, rotatividade de funcionários e segurança do ​trabalho—, as metas sustentáveis são mais transversais. Saber de quem cobrar os resultados pode ser mais difícil.

Outro desafio é definir a porcentagem da remuneração vinculada a esses componentes.

"Se apenas 5% do bônus estiver atrelado ao desempenho socioambiental, a tendência é criar um sistema onde as pessoas priorizem outras entregas antes."

É o que também preocupa Carlo Pereira, diretor-executivo da Rede Brasil do Pacto Global. Segundo ele, ainda é raro uma companhia reservar mais de 15% da remuneração variável para a sustentabilidade. "Tem que ser proporcional à importância que a empresa dá ao tema", afirma.

Contudo, o diretor acredita que isso pode mudar em breve, visto que cada vez mais se fala na transição do capitalismo de shareholder —focado nos acionistas— para o modelo de stakeholder, que busca beneficiar todas as partes envolvidas: dos investidores ao planeta.

"Hoje parece absurdo falar em 50% [de bônus vinculado à sustentabilidade], mas em poucos anos vamos chegar em algo próximo a isso."

Na visão dele, é preciso reconsiderar os altos bônus pagos a executivos, que chegam a ultrapassar os US$ 100 milhões (R$ 568 milhões).

"Não tem a mínima razão de ser", afirma. "Você cria distorções que são negativas para o ambiente, para a comunidade, para os funcionários. Os acionistas vão ganhar no curto prazo, mas no médio prazo a empresa começa a cair em indicadores de qualidade", acrescenta.

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