Vaca magra dourada toma lugar do Touro de Ouro da Bolsa de Valores

Intervenção retrata animal esquelético e representa a fome, diz autora

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São Paulo

Uma escultura de vaca magra na cor amarelo-ouro foi colocada, na manhã desta quinta-feira (9), em frente ao prédio da B3, a Bolsa de Valores brasileira, na região central da cidade de São Paulo. A imagem do animal esquálido esteve no mesmo local onde ficou o robusto Touro de Ouro, réplica de uma escultura que fica no centro financeiro dos Estados Unidos e simboliza a alta do mercado de ações.

"Quando vi o touro, senti que deveria colocar a realidade no lugar dele", disse a artista plástica Márcia Pinheiro, criadora da intervenção urbana Vacas Magras e responsável pela instalação nesta quinta. "A vaca magra representa a fome, que é resultado da miséria em todas as partes do Brasil", afirmou.

Escultura da intervenção Vacas Magras, criada pela artista Marcia Pinheiro, instalada nesta quinta (9) em frente ao prédio da Bolsa de Valores, em São Paulo (SP), local onde estava a escultura Touro de Ouro
Escultura da intervenção Vacas Magras, criada pela artista Marcia Pinheiro, instalada nesta quinta (9) em frente ao prédio da Bolsa de Valores, em São Paulo (SP), local onde estava a estátua Touro de Ouro - Zanone Fraissat/Folhapress

A peça permaneceu na rua 15 de Novembro entre 7h30 e 11h30 e foi retirada do local a pedido da autora, após um amigo dela, que tomava conta da escultura, ter sido abordado por quatro pessoas que se identificaram como agentes de fiscalização.

De acordo com a Prefeitura de São Paulo, quando a equipe de fiscais da Subprefeitura Sé chegou ao local, a estátua já havia sido removida.

Idealizada em 2011, a intervenção é composta por dez esculturas de vacas esqueléticas e tinha como objetivo original chamar a atenção para os efeitos da seca na região Nordeste entre 2011 e 2018, segundo Pinheiro.

As exposições ocorreram em locais de grande visibilidade nas ruas de Fortaleza (CE) ao longo de cinco anos, como shoppings e a Assembleia Legislativa.

Neste momento, a discussão sobre a fome é nacional. Segundo levantamento da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional quase 20 milhões de brasileiros já declararam passar 24 horas ou mais sem ter o que comer em alguns dias.

Tornaram-se corriqueiras, ao longo deste ano, as cenas de brasileiros em busca de ossos com restos de carne para contornar a falta de proteína na alimentação. Em reportagem recente, Folha mostrou que o calango, um tipo de lagarto, voltou à dieta de famílias mais pobres no Nordeste.

A fome é um reflexo da deterioração da economia ao longo da pandemia. Os mais pobres sofrem especialmente com a associação de aumento da inflação, queda da renda, taxa de desemprego ainda alta e retomada em rimo lento.

O boi magro se contrapõe à pujança do touro do mercado financeiro que alimentou muitos debates desde a sua instalação.

Em 16 de novembro, a B3 inaugurou em frente ao seu edifício-sede, na rua 15 de Novembro, uma escultura semelhante à obra conhecida como Touro de Wall Street, instalada há mais de três décadas no distrito financeiro de Nova York.

A versão brasileira foi batizada de Touro de Ouro, pois era dourada. A peça original é de bronze. Chama-se "Charging Bull", que significa touro em investida ou touro que ataca.

O autor da obra comprada pela B3, o arquiteto Rafael Brancatelli, afirma que a sua criação não copia a americana.

O Touro de Ouro, que na verdade era recheado de isopor e recoberto com uma camada de fibra de vidro e colorido com tinta automotiva, permaneceu no local por pouco mais de uma semana. Durante esse período recebeu críticas de ativistas que associavam a imagem à desigualdade em um momento em que o Brasil enfrenta o aprofundamento de uma crise econômica.

A remoção ocorreu após a CPPU (Comissão de Proteção à Paisagem Urbana), da Secretaria Municipal de Urbanismo, concluir que a escultura era uma peça publicitária que descumpria as regras da Lei Cidade Limpa.

Estabelecida na gestão de Gilberto Kassab (2006-2012, PSD), a Lei Cidade Limpa regulamentou a publicidade nas ruas da capital paulista.

Outdoors e pinturas em fachadas que faziam propaganda de empresas e produtos passaram a ser proibidos e as placas e anúncios que identificam as atividades desenvolvidas em prédios e lojas passaram a ter normas rígidas quanto ao tamanho.

Ao avaliar a instalação, membros da CPPU afirmaram que o Touro de Ouro fazia publicidade da marca do seu idealizador, o sócio da XP e presidente da empresa de educação financeira Vai Tourinho, Pablo Spyer —também conhecido por apresentar o programa Minuto Touro de Ouro, na Jovem Pan.

Outros integrantes do conselho destacaram, porém, que a obra atraiu público para a região central, beneficiando o comércio, que havia sido muito prejudicado devido às restrições criadas pelo enfrentamento à pandemia de Covid-19.

O debate dividiu a comissão, com cinco representantes votando pela retirada do touro, e quatro integrantes se posicionando a favor da permanência.

A B3 retirou o Touro de Ouro da rua 15 de Novembro em 23 de novembro e a levou para um depósito, sem revelar planos imediatos para nova exposição.

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