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Alta da gasolina: o desespero de uma motorista de aplicativo com aumento dos combustíveis

Reajuste da Petrobras e tarifas congeladas estão tornando a profissão inviável, avalia a categoria

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São Paulo | BBC News Brasil

"Todo dia, amor, todo dia. Dá desespero, dá vontade de chorar, a conta não fecha, a manutenção do carro é cara, porque roda muito. É desespero todo dia."

Assim a motorista de aplicativo Ana Paula Aparecida de Oliveira, de 38 anos, responde quando questionada se pensa em desistir da profissão, após mais um reajuste de combustíveis.

Na quinta-feira (10/3), a Petrobras anunciou alta de 25% do diesel, 19% da gasolina e 16% do gás de botijão, válidos a partir da sexta-feira nas refinarias e distribuidoras.

Foto mostra mulher olhando para cima com tom sério usando blazer preto e encostada em carro
Ana Paula Aparecida de Oliveira é motorista de aplicativo - Arquivo Pessoal

Na gasolina, economistas estimam que o combustível vendido pela estatal representa cerca de 33% do preço, então a alta de 19% nas refinarias deve resultar em aumento de 6,2% na bomba.

A nova alta vem depois de um aumento de 47% nos preços da gasolina em 2021, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Em muitos postos de combustível em algumas regiões do país, a gasolina já está sendo vendida acima dos R$ 7 por litro nesta sexta-feira (11).

"Esse reajuste foi um susto muito grande, porque já está complicado, nós não temos muitos ganhos, essa pandemia afetou muita coisa", conta Ana Paula, que é motorista há seis anos e vice-presidente da AMMA (Associação de Mulheres Motoristas de Aplicativos).

"Agora que as coisas estão começando a voltar ao lugar, quando você acha que está estabilizando, vem essa bomba com o aumento do combustível. Você fica sem norte, realmente perdida", afirma.

Com um carro 1.0, Ana Paula gasta cerca de R$ 120 por dia em combustível, para trabalhar 12 horas —limite imposto pela Uber aos motoristas desde março de 2020.

Por mês, são R$ 3.200 de gasto só com combustível, que se soma ainda à troca periódica de óleo e pastilhas de freio, além de R$ 1.100 da parcela do carro e R$ 400 do seguro, mais caro para motoristas de aplicativo devido ao maior risco envolvido na profissão.

Assim, o auxílio-gasolina aprovado na quinta-feira pelo Senado, de R$ 300 para motoristas de aplicativo e taxistas, não seria suficiente sequer para encher um tanque de combustível, o que para o carro econômico de Ana Paula custa cerca de R$ 315 e dura pouco mais de dois dias.

Além disso, com a perspectiva de serem priorizados para recebimento do auxílio os beneficiários do programa Auxílio Brasil (que é destinado a famílias com renda de até meio salário mínimo por pessoa ou até três salários mínimos de renda mensal total), Ana Paula não tem esperança de receber o benefício.

"Esse auxílio não vai ser compatível com a nossa renda, nós ganhamos a mais, então não vai adiantar de nada no nosso caso", lamenta a motorista.

Divorciada e mãe de dois filhos, de 19 e 14 anos, Ana Paula diz que não desiste porque depende da renda que obtém dirigindo para ajudar o filho mais velho com os materiais da faculdade e sustentar integralmente o mais novo.

"Eu teria que trabalhar mais horas para ganhar mais, mas com o aumento do combustível, não sei se compensa, se a conta vai fechar. Eu já trabalho das 20h às 8h da manhã, às vezes vou até às 10h da manhã. Qual horário mais que eu vou trabalhar? Como eu vou dormir? Isso vai repercutir na minha saúde, não é só a questão de tempo para ficar com os meninos, eu sou gordinha, posso ter problema de circulação. É difícil, muito difícil, bate o desespero."

Teto de preços

Ana Paula acredita que, além do benefício aprovado pelo Senado, o governo deveria agir para impedir uma alta tão grande dos combustíveis.

"Se eles estabelecessem um teto, não deixassem subir, isso ia fazer toda a diferença", acredita a motorista.

Na quarta-feira (9/3), o ministro da Economia, Paulo Guedes, descartou a possibilidade de congelamento de preços pela Petrobras.

A possibilidade vinha sendo discutida desde que o presidente Jair Bolsonaro (PL) criticou a política de preços da estatal, cujos reajustes são atrelados à variação do preço do barril de petróleo no mercado internacional e ao dólar.

Na quinta-feira, após o anúncio do que vem sendo chamado de "mega-aumento" da Petrobras, Guedes admitiu a possibilidade de o governo subsidiar os combustíveis, caso a guerra na Ucrânia se prolongue, mantendo o valor do barril pressionado por mais tempo.

"Vamos nos movendo de acordo com a situação", disse Guedes. "Se isso [a guerra] se resolve em 30 ou 60 dias, a crise estaria mais ou menos endereçada. Agora, vai que isso se precipita e vira uma escalada? Aí sim você começa a pensar em subsídio para o diesel."

Na quinta-feira, além do novo auxílio-gasolina, o Senado aprovou uma série de outras medidas para tentar conter a alta dos combustíveis.

Entre elas, estão a mudança na cobrança do ICMS, que passar a ter alíquota única e um valor fixo por litro de combustível; e a criação de uma conta de compensação para estabilizar o preço dos combustíveis, usando para isso recursos como os royalties de petróleo —royalties são valores pagos pelas petroleiras à União e governos locais para explorar o óleo.

Segundo Guedes, esse fundo que poderá ser usado em caso de necessidade, mas ele descartou o acionamento do instrumento neste momento. As medidas aprovadas no Senado precisam ainda passar pela sanção de Bolsonaro.

'Aplicativos precisam reajustar tarifas'

Eduardo Lima de Souza, presidente da Amasp (Associação de Motoristas de Aplicativos de São Paulo), defende que as empresas de aplicativos, como Uber e 99, precisam reajustar tarifas o mais rápido possível para compensar a alta de custo dos motoristas com combustíveis.

"O combustível é o insumo principal para a gestão desse sistema, o motorista está altamente entregue a ele. Tivemos 11 aumentos [de combustíveis] em 2021 e agora, de uma vez só, 18,8% de aumento na gasolina. Isso prejudica altamente, diminui os lucros do motorista", afirma Souza.

Ele observa que os motoristas estão trabalhando no limite, aumentando suas cargas horárias para ter lucro e selecionando corridas para evitar as menos rentáveis, o que gera desconforto entre os passageiros, que enfrentam muitas vezes seguidos cancelamentos até conseguirem um motorista que aceite uma corrida mais curta.

"A gente não tem mais o que espremer, não tem mais para onde correr. As plataformas devem fazer um reajuste nas tarifas o mais rápido possível. Isso é caráter de emergência, porque, se não, o motorista não vai aguentar", diz o representante da categoria.

Procurada, a 99 respondeu que vai providenciar auxílios próprios para tentar amortecer o aumento.

"A 99, mantendo seu compromisso em cuidar de seus parceiros, passará a oferecer uma compensação financeira pela nova escalada no valor dos combustíveis. O objetivo é anular o último aumento anunciado para o litro da gasolina e por isso reajusta em 5% o km rodado no ganho do motorista de todo o país", afirmou a empresa, em nota.

Além disso, "está testando uma solução de subsídio para acompanhar automaticamente as flutuações dos combustíveis, tanto para cima quanto para baixo".

"Além desse reajuste, o pacote Mais Ganhos 99, com medidas como o Taxa Zero que oferece aos condutores 100% do valor das corridas em períodos e cidades específicas, além de mais ganhos com o recebimento por taxa de congestionamento, e taxa de deslocamento continuam vigentes. Há, inclusive, casos em que é empregada a taxa negativa, ou seja, o valor repassado ao motorista é maior que o pago pelo passageiro e esta diferença é custeada pela empresa para democratizar o acesso das pessoas", acrescentou a 99.

A Uber não respondeu ao pedido de posicionamento até a publicação dessa reportagem.

O presidente da Amasp considera que o reajuste de tarifas implementado pelos aplicativos em 2021, em resposta à alta dos combustíveis naquele ano, foi insuficiente.

"Foi um aumento de 10% que, na prática, o motorista nem sentiu. Precisamos de um aumento que acompanhe pelo menos essas altas que tivemos nos combustíveis, não estou nem considerando todos os outros custos que subiram com a inflação", diz Souza.

As empresas argumentam que não podem elevar demais as tarifas, pois isso afastaria os usuários, mas Souza observa que a redução do número de motoristas também prejudica os passageiros e as próprias empresas.

A Amasp estima que, entre o início de 2020 e agosto de 2021, 25% dos motoristas de aplicativos de São Paulo deixaram de trabalhar para as plataformas. Segundo a entidade, o número foi calculado a partir de uma base de dados da prefeitura, que mostra que o número de motoristas cadastrados caiu de 120 mil para 90 mil no período.

Desde agosto, Souza avalia que esse número se manteve estável, com menos motoristas deixando a atividade, devido à melhora do movimento com o avanço da vacinação.

Mas, com o reajuste de combustíveis dessa semana, ele afirma que muitos motoristas voltaram a falar em desistir. "Muitos estão cogitando abandonar os aplicativos, porque a situação está insustentável", diz o presidente da associação.

Segundo Souza, com os custos de gasolina, troca de óleo, manutenção, seguro, pagamento de prestação ou do aluguel do carro e alimentação fora de casa, um motorista tem atualmente gastos de R$ 5,5 mil a R$ 6 mil.

"Um motorista hoje, para garantir a permanência dele no sistema, tem que fazer uma média de R$ 8,5 mil a R$ 9 mil. Então um auxílio de R$ 300 não resolve, não tem como", avalia.

O presidente da Amasp afirma que, até 2017, um motorista conseguia sobreviver trabalhando de oito a dez horas. Entre 2017 e 2019, a carga passou a 12 a 13 horas diárias, para garantir um sustento mínimo.

Em 2020, a Uber implementou uma ferramenta para impedir os motoristas de trabalharem mais de 12 horas por dia. Mas os condutores muitas vezes burlam o bloqueio trabalhando com outras plataformas para esticar a jornada.

"Atualmente, os motoristas chegam a trabalhar quase 17 horas para tentar obter lucro. Isso não é razoável para o trabalhador", avalia. "Os motoristas não têm mais vida, eles vivem só para trabalhar. Enquanto as empresas fazem bilhões, eles acabam com suas vidas."

Transporte executivo

Mesmo quem deixou as plataformas e passou a trabalhar por conta está desnorteado com o mega-reajuste da gasolina.

Esse é o caso de Paulo Angeline, de 63 anos e motorista há 15 deles. Atualmente, ele tem uma microempresa individual de transfer executivo.

"Meu gosto com gasolina é diário. Eu rodo na faixa de 200 km por dia, então meu gasto diário é de cerca de R$ 250", conta Angeline.

Segundo o motorista, o transporte executivo ainda não recuperou a demanda anterior à pandemia, o que já prejudica a renda. Com a alta da gasolina, seu lucro deve diminuir ainda mais.

"Vou ter que rever meus preços e repassar isso para o cliente. Mas o cliente nem sempre aceita, ele acha que, depois da pandemia, os preços ainda são os mesmos. Então vamos ver como é que fica. Mas o sentimento existe, de que alguma hora posso ter que parar e me reinventar em outra atividade."

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