Antes da Copa do Mundo, marcas pesam custo da parceria com o Qatar

Preocupados com abusos aos direitos humanos, alguns patrocinadores do evento se distanciam do país anfitrião

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tariq Panja
Nova York | The New York Times

Para Gary Lineker, um papel de protagonista no grande show do Qatar não era uma opção.

Claro, ele já tinha apresentado um sorteio da Copa do Mundo antes. E, como ex-artilheiro do torneio que agora trabalha como um popular apresentador de televisão, ele tem um relacionamento profissional constante com o organizador do torneio, a Fifa. Mas comandar o glamouroso evento em Doha no mês passado que definiu as partidas da Copa do Mundo deste ano no Qatar –uma escolha de sede que ele critica habitualmente– não era algo que pudesse considerar, decidiu Lineker.

Então, numa conversa com o presidente da Fifa, Gianni Infantino, Lineker disse não.

Ex-jogador David Beckham em painel no Fórum de Doha, na capital do Qatar - Karim Jaafar - 27.mar.2022/AFP

A relutância de Lineker em apresentar o sorteio –que deixou a Fifa em dificuldade para encontrar um substituto– é apenas um exemplo recente da linha que atletas e patrocinadores famosos estão tendo que seguir quando se trata da Copa do Mundo do Catar, que desde o início foi envolvida em controvérsias e reclamações sobre o tratamento que o país dá aos trabalhadores migrantes e à comunidade LGBQTIA+. Sua decisão ocorreu enquanto várias empresas, e até federações de alguns países participantes, estão tomando medidas para distanciar suas marcas do país anfitrião, embora tenham pago milhões de dólares para se associar ao evento esportivo de maior destaque do mundo.

O Catar há muito desmente as percepções sobre o país que considera imprecisas ou, na melhor das hipóteses, desatualizadas, tentando explicar que, à medida que a aparência física do país mudou, suas proteções para os trabalhadores também mudaram. Mas exemplos de conduta abusiva e maus tratos persistem teimosamente e continuam sendo notícia na mídia, principalmente na Europa, onde a Copa do Mundo do Qatar é fonte de protestos e atrai críticas para os que se associam a ela.

O Qatar enfrentou anos de críticas pelo tratamento dado aos trabalhadores migrantes, pois centenas, e talvez milhares, morreram trabalhando em projetos de construção da Copa do Mundo - Hamad I Mohammed - 30.mar.2022/Reuters

Alarmadas, algumas empresas que deveriam alavancar o maior evento do esporte mais popular do mundo optaram por se afastar. Por exemplo, o ING Group, grande grupo internacional de serviços financeiros e bancários que patrocina as seleções nacionais da Holanda e da Bélgica, decidiu não alavancar esses relacionamentos durante o evento. A empresa disse que não aceitará nenhuma alocação de ingressos para o torneio ou se envolverá em qualquer promoção relacionada à Copa do Mundo, disse um porta-voz ao The New York Times.

"Dada a discussão e as preocupações em torno da situação dos direitos humanos da infraestrutura do torneio, achamos inadequado", disse o porta-voz. Em vez disso, o ING disse que concentrará seus esforços no campeonato europeu de futebol feminino que será realizado na Inglaterra neste verão.

Vários outros parceiros das equipes holandesa e belga também emitiram declarações descrevendo seus planos de ignorar o que, em circunstâncias normais, seria uma grande plataforma de marketing. A GLS, provedora de serviços de remessas que patrocina a equipe da Bélgica, disse ao Times que, embora apoie os Red Devils desde 2011 e continue a fazê-lo, não aceitará ingressos promocionais para clientes ou se envolverá em campanhas publicitárias no Catar, devido a preocupações com os direitos humanos.

Mas o Carrefour, rede de supermercados francesa com lojas no Catar e que também patrocina a seleção belga, emitiu uma resposta robusta às alegações de que também se juntaria ao que parece ser um boicote coletivo à Copa do Mundo. "O Carrefour e suas subsidiárias não estão envolvidos em nenhum tipo de boicote", disse a empresa ao Times em um comunicado que rotulou como "fake news" qualquer alegação de que participaria.

Mesmo algumas das equipes concorrentes, no entanto, estão pisando de leve. A U.S. Soccer teve discussões internas sobre as mensagens que pode fornecer aos jogadores quando eles enfrentarem perguntas inevitáveis sobre questões de direitos humanos, e a seleção da Alemanha usou camisas com o slogan "direitos humanos" antes de uma partida classificatória para a Copa do Mundo no ano passado.

E depois que a seleção da Dinamarca garantiu a classificação no ano passado sua federação de futebol anunciou que dois de seus patrocinadores, a loteria nacional Danske Spil e um banco proeminente, Arbejdernes Landsbank, concordaram em ceder o espaço que compraram no uniforme de treinos da equipe para que seja ocupado por mensagens de direitos humanos durante a Copa do Mundo. (O Arbejdernes Landsbank mais tarde encerrou seu patrocínio, decisão que disse ser por questões não relacionadas.)

Nenhum dos patrocinadores da equipe, segundo a federação dinamarquesa, participaria de qualquer atividade comercial no Qatar, "para que a participação na Copa do Mundo seja principalmente sobre participação esportiva, e não para promover os eventos dos organizadores da Copa".

Gary Lineker, ex-jogador da Copa do Mundo que virou locutor, rejeitou uma oferta para reprisar seu papel como anfitrião do sorteio da Copa do Mundo - Carl Recine - 16.abr.2022/Action Images via Reuters

Para outros, porém, os ricos pagamentos oferecidos podem ser grandes demais para se recusar. Há anos, o Qatar assina alguns dos maiores contratos de patrocínio no esporte, e isso só aumentou à medida que a Copa do Mundo se aproximava. Sua maior captura até hoje foi David Beckham, o ex-astro da Inglaterra que, como Lineker, estava presente no auditório quando o Qatar foi escolhido como anfitrião para 2022.

O acordo multimilionário do Qatar com Beckham, hoje também proprietário de um time esportivo e investidor cuja celebridade transcende o futebol, vai além da Copa do Mundo. Em muitos aspectos, é um acordo para que o ex-capitão da seleção da Inglaterra endosse o próprio Qatar. Isso levou algumas pessoas próximas a Beckham a expressarem dúvidas sobre a natureza do acordo.

"É um negócio para promover e apoiar o país e o que eles estão fazendo", disse uma pessoa com conhecimento do acordo.

Beckham não falou publicamente sobre o que o motivou a assinar com o Qatar, pais que ele visita frequentemente desde que aceitou um acordo há mais de 18 meses. Seu porta-voz não respondeu a um pedido de comentário.

O relacionamento de Beckham com o Qatar pode levantar perguntas para um de seus outros parceiros, a fabricante de roupas esportivas Adidas. A empresa forneceu poucos detalhes sobre como ativaria seu relacionamento com Beckham para a Copa do Mundo do Qatar, dizendo apenas que ele "é um membro valioso e antigo da família Adidas, e nossa parceria continuará como tal".

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.