Para bancar obras fora do teto, Economia defende usar dinheiro de privatizações

Plano seria colocado em prática em eventual segundo mandato de Bolsonaro

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Brasília

O Ministério da Economia defende retirar do alcance do teto de gastos as obras públicas bancadas com recursos obtidos com a privatização de empresas estatais ou a venda de ações em poder da União.

O plano é permitir que, em eventual segundo mandato, o presidente Jair Bolsonaro (PL) amplie os investimentos, cada vez mais comprimidos devido ao crescimento das despesas obrigatórias no espaço dado pelo teto.

Estimativas preliminares do governo indicam que a previsão para investimentos no Orçamento de 2023 pode ficar na casa dos R$ 30 bilhões. O número ainda pode sofrer alteração até o envio da proposta, no fim de agosto, mas é considerado muito baixo.

Guedes e Bolsonaro conversam durante evento no Banco do Brasil. - 07.abr.2022-REUTERS/Adriano Machado

A contínua redução dos investimentos tem incomodado o presidente, que busca a reeleição. Na última sexta-feira (29), ele acenou com uma mudança no teto para turbinar as obras no futuro. A alteração seria tratada após as eleições.

"No ano passado, nós tivemos um excesso de arrecadação, na casa dos R$ 300 bilhões. Você não pode usar um centavo disso na infraestrutura dado a emenda constitucional do teto lá atrás. Isso daí muita gente discute que tem que ser alterado alguma coisa, a gente vai deixar para o futuro, depois das eleições, discutir essa questão", disse na última semana Bolsonaro, em entrevista à Rádio Metrópole FM, de Cuiabá (MT).

De acordo com integrantes da Economia ouvidos pela Folha após a fala do presidente, a ideia é vender estatais ou ações de empresas que estão na carteira de bancos como o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e direcionar os recursos para investimentos e para a redução de desigualdades econômicas do país.

Uma das vertentes é chamada de "reconstrução nacional", que permitiria investir em obras públicas, como hidrelétricas, a partir dessas vendas.

De acordo com envolvidos nas discussões, apenas gastos não recorrentes seriam alvo da flexibilização e ficariam fora do teto. Isso porque, pela LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), recursos de privatizações não podem ser usados para pagar uma despesa corrente (como parcelas do novo Bolsa Família), exceto se o direcionamento for para custear benefícios previdenciários.

Seria necessária uma PEC (proposta de emenda à Constituição) para retirar despesas da regra do teto. O limite foi criado em 2016 e impede o crescimento dos gastos federais para além da inflação.

A interpretação no governo é que o teto foi desenhado para impedir a máquina pública de crescer –ou seja, para limitar gastos correntes como salários de servidores e aluguéis–, mas que os esforços para a redução de desigualdades econômicas (como programas de transferência de renda) e a transferência de riquezas não precisariam ficar limitados.

Apesar dessa visão, uma retirada completa do Auxílio Brasil do teto encontra resistências entre os integrantes da equipe econômica.

O fundo a receber os recursos das privatizações é estudado pelo menos desde o ano passado pelo Ministério da Economia. Em agosto, o governo chegou a inserir a previsão em um rascunho da PEC dos Precatórios, que previa um porcentual de recursos a serem destinados aos mais vulneráveis.

Pela proposta da época, 60% seriam destinados ao abatimento da dívida pública. O restante da divisão seria de 20% para pagamento de precatórios e 20% para a área social.

Mas, na última hora, a equipe econômica recuou da ideia com a justificativa de que a discussão é complexa.

Mesmo assim, o uso das privatizações para gerar recursos para o Fundo Brasil continuou sendo defendido e tem ganhado atenção de Guedes, conforme o calendário eleitoral se aproxima.

A interlocutores, o ministro tem sinalizado que a vinculação dos investimentos pode ajudar inclusive a vencer resistências políticas às privatizações.

Em tratativas internas, a nova divisão cogitada é 50% das receitas para reduzir a dívida, 25% para transferências de renda e 25% para o plano de reconstrução nacional.

Mudança no teto aproxima Bolsonaro de rivais nas eleições

Ao defender a ampliação dos investimentos e acenar em direção a uma mudança no teto de gastos, Bolsonaro sinaliza usar a mesma bandeira levantada de forma mais drástica por outros candidatos ao Palácio do Planalto.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), primeiro colocado nas pesquisas de intenção de voto, e o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) já falaram publicamente na possibilidade de derrubar o teto se forem eleitos.

Aliados de Bolsonaro têm batido na tecla de que o teto é inexequível sob qualquer governo. Por isso, essa ala defende uma articulação capitaneada pelo atual presidente para mexer na regra e permitir que receitas extraordinárias ou ganhos vultosos de arrecadação sejam direcionados a investimentos.

Por outro lado, o tema é considerado delicado nesse momento. No Planalto, auxiliares avaliam que não é hora ainda para se falar em mudanças na regra.

Entre técnicos do Ministério da Economia, há a percepção de que o teto será um tema central nos debates econômicos durante a eleição.

Ainda que o teto já tenha sido alterado por ao menos cinco emendas constitucionais desde o início da gestão Bolsonaro, a percepção é que o quadro fiscal é insustentável para os próximos anos.

Para 2023, o projeto de LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) prevê R$ 108,2 bilhões em despesas discricionárias, sobre as quais o governo tem maior manejo. Mais de R$ 70 bilhões, porém, vão apenas para o custeio e funcionamento da máquina pública.

Nos anos seguintes, a situação é ainda mais dramática devido à continuidade do avanço em gastos como salários e benefícios sociais.

Em 2022, o governo já tem enfrentado dificuldades. Mesmo após uma ampliação de mais de R$ 100 bilhões no teto, aprovada na PEC dos Precatórios, a Economia tem precisado cortar recursos de ministérios para cumprir despesas obrigatórias ou cumprir promessas políticas, como a concessão de reajustes a servidores.


Mudança em estudo

Como é hoje?

  • O teto de gastos impede as despesas federais totais de crescerem além da inflação

Como é a ideia?

  • Ficariam fora do cálculo do teto investimentos ou ações sociais a serem feitos com recursos de um fundo, que seria abastecido com dinheiro de privatizações ou vendas de outros ativos públicos.

O que é necessário para a ideia entrar em vigor?

  • Uma PEC (proposta de emenda à Constituição), já que a regra do teto de gastos está na Carta Magna desde 2016
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