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Como a Covid acabou com a licença médica nos EUA

Flexibilidade do trabalho remoto leva trabalhador a fazer login mesmo doente

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Emma Goldberg
Nova York | The New York Times

Como tantos americanos, a vice-presidente americana, Kamala Harris contraiu a Covid-19 no final de abril. Como tantos americanos, ela trabalhou doente, sentada em sua mesa cercada por símbolos de produtividade: fichários, canetas, bilhetes post-it coloridos.

Outras figuras políticas que contraíram Covid garantiram ao público que também estavam avançando em suas listas de tarefas. Donald Trump, quando teve a doença, posou para fotos trabalhando, embora parecesse assinar uma folha de papel em branco.

Flexibilidade do trabalho remoto leva funcionários a trabalharem doentes - Gracia Lam/The New York Times

Mais de cem países no mundo garantem algum tipo de licença médica remunerada.

No único país rico do mundo que não oferece essa garantia, trabalhar durante a doença é a norma –mesmo para os que poderiam tirar folgas pagas.

"Estou tentando decifrar na minha cabeça por que pensei 'Ah, vou trabalhar assim mesmo'", disse William Fitzgerald, 36, que dirige uma empresa de estratégia. Ele contraiu Covid-19 no final de abril e participou de reuniões durante toda a doença. "Por que não descansei por uma semana?"

Trabalhar mesmo doente é um passatempo americano —um que a pandemia não perturbou. Nos Estados Unidos, uma pesquisa com 3.600 trabalhadores horistas nesta primavera descobriu que dois terços dos que estavam com Covid-19 ou outras enfermidades foram trabalhar enquanto estiveram doentes.

Segundo o Shift Project em Harvard, um projeto de pesquisa sobre horários de trabalho, muitos citaram o medo de ter problemas com seus gerentes ou pressões financeiras.

Cerca de 33 milhões de americanos não têm licença médica paga, e a distribuição é bastante desigual: os que podem restabelecer a saúde sem perder salário são pouco mais da metade entre os 25% de salários

Os americanos no setor privado têm em média sete dias de licença médica por ano. Uma pesquisa da Mercer com grandes empregadores descobriu que trabalhadores não horistas usaram apenas a metade de seus dias de licença em 2021.

Esse número permaneceu praticamente inalterado em relação a antes da pandemia, em 2018, o que os analistas da Mercer atribuem em parte à prevalência de pessoas doentes trabalhando em casa.

Em outras palavras, para algumas pessoas a Covid-19 acabou com a licença, em vez de reforçá-la.

"Existe essa cultura de que todos ao seu redor estão trabalhando, então você se sente obrigado a acompanhá-los", disse Fitzgerald. "O valor mais importante nos EUA parece ser quanto dinheiro há em sua conta bancária, e acho que é isso que impulsiona tanto trabalho durante a doença."

Em um escritório, disseram os trabalhadores, às vezes é mais fácil delinear o limite entre dias de trabalho e os de licença médica: "Você ia ao médico, recebia um atestado e eles diziam: 'Você pode tirar três dias de folga'", disse Fitzgerald. "Era muito parecido com: 'São as regras, temos que obedecê-las'."

Mas essas não parecem ser as regras hoje. Por que as pessoas ficam conectadas mesmo quando estão doloridas, tossindo, febris –e têm direito a folga paga? Com muitas pessoas já vacinadas, um teste positivo de coronavírus às vezes é tratado com desdém, mesmo com o vírus ainda aumentando.

Muitos trabalhadores se veem, conscientemente ou não, imitando o modo como seus chefes se comportam. Eles veem gerentes respondendo a emails da cama e acham que devem fazer o mesmo.
Assim, alguns chefes estão adotando uma linha mais firme sobre o uso de suas licenças.

Jim Canales, chefe da Barr Foundation, organização filantrópica focada em artes, educação e clima, pegou Covid-19 há cerca de um mês. Canales passou os últimos dois anos incentivando sua equipe a cuidar de si mesma, e ele sabia que trabalhar doente minaria essa mensagem.

Ele enviou um email matinal para a equipe, observando que era sexta-feira 13, Mercúrio estava retrógrado e ele havia testado positivo para Covid-19 —e não pretendia estar disponível para reuniões ou emails.

"Não posso pregar uma mensagem de cuidados próprios durante dois anos e depois me comportar de maneira diferente", disse Canales.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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