Por que o novo McDonald´s marca o esforço de Putin para manter aberta a economia russa

Presidente incentivou compra da rede de lanchonetes, que reabriu no Dia da Rússia, e diz que Ocidente não conseguirá isolá-lo

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Anton Troianovski Ivan Nechepurenko
Moscou | The New York Times

Yevgeny Shumilkin voltou trabalho neste domingo (12). Para se preparar, ele tirou o famoso "M" da sua antiga camisa do McDonald's e cobriu o da jaqueta com uma bandeira russa. "Serão os mesmos pães", prometeu Shumilkin, que mantém o equipamento em um restaurante em Moscou. "Apenas com um nome diferente."

Clientes se aglomeram em Moscou para conhecer a versão russa do restaurante McDonald's - Kirill Kudryavtsev - 12.jun.2022/AFP

Os restaurantes McDonald's reabriram na Rússia neste fim de semana, mas sem os Arcos Dourados. Depois que a gigante americana de fast-food se retirou nesta primavera, em protesto contra a invasão da Ucrânia por ordem do presidente russo, Vladimir Putin, um magnata do petróleo siberiano comprou suas 840 lojas russas. Como quase todos os ingredientes vêm do próprio país, disse ele, as lanchonetes poderão continuar servindo a mesma comida.

A jogada pode funcionar —ressaltando a surpreendente resiliência da economia russa diante de uma das mais intensas avalanches de sanções já aplicadas pelo Ocidente.

Com cerca de três meses e meio de guerra, ficou claro que as sanções —e a torrente de empresas ocidentais que deixaram voluntariamente a Rússia— não conseguiram desmontar completamente a economia ou desencadear uma reação popular contra Putin.

Consequências das sanções vão aparecer no longo prazo

A Rússia passou grande parte dos 22 anos do governo Putin integrando-se à economia mundial. Desfazer laços comerciais tão grandes e tão intricados, ao que parece, não é fácil.

Sem dúvida, o impacto das sanções será profundo e amplo, e as consequências apenas começam a se manifestar. Os padrões de vida na Rússia já estão em declínio, segundo economistas e empresários, e a situação deverá piorar à medida que os estoques de importações diminuírem e mais empresas anunciarem demissões.

Alguns esforços do tipo "faça você mesmo" da Rússia podem ficar aquém dos padrões ocidentais. Quando o primeiro modelo pós-sanções do Lada Granta, um sedã russo coproduzido pela Renault antes de a montadora francesa ir embora, na primavera, saiu de uma linha de montagem numa fábrica perto do Volga na quarta-feira (8), faltavam air bags, controles de poluição modernos e freios antitrava.

Mas o declínio econômico não é tão intenso quanto alguns especialistas esperavam que fosse após a invasão de 24 de fevereiro. A inflação ainda é alta, em torno de 17% em base anual, mas caiu de um pico de 20 anos em abril. Uma medida da atividade fabril observada de perto, o Índice de Gerentes de Compras Global S&P, mostrou que a manufatura russa se expandiu em maio pela primeira vez desde o início da guerra.

SOBREVIVÊNCIA DA ECONOMIA FORTALECE PUTIN

Por trás das notícias positivas está uma combinação de fatores que jogam a favor de Putin. O principal deles são os altos preços da energia, que estão permitindo que o Kremlin continue financiando a guerra enquanto aumenta as aposentadorias e os salários para acalmar a população. As receitas petrolíferas do país aumentaram 50% este ano.

Além disso, o hábil trabalho do Banco Central evitou o pânico nos mercados financeiros após a invasão e ajudou o rublo a se recuperar da queda inicial. As prateleiras das lojas, em sua maioria, permanecem abastecidas, graças aos amplos estoques e a rotas de importação alternativas estabelecidas por países como Turquia e Cazaquistão —e ao fato de os consumidores russos estarem comprando menos.

A sobrevivência da economia russa está fortalecendo Putin, ao confirmar sua narrativa de que a Rússia se manterá firme diante da determinação do Ocidente a destruí-la.

Ele se encontrou com jovens empresários na quinta-feira (9) numa espécie de assembleia, em seu mais recente esforço para mostrar que, mesmo enquanto trava a guerra, ele quer manter a economia funcionando e o comércio exterior em movimento. Mesmo que o Ocidente não faça negócios com a Rússia, insistiu, o resto do mundo fará.

"Não teremos uma economia fechada", disse Putin a uma mulher que perguntou sobre o impacto das sanções. "Se alguém tentar nos limitar em algo, estará se limitando."

Para os ricos, bens de luxo e iPhones ainda estão amplamente disponíveis, porém mais caros, transportados para a Rússia do Oriente Médio e da Ásia Central. Os pobres foram afetados pela alta dos preços, mas se beneficiarão de um reajuste de 10% nas aposentadorias e no salário mínimo que Putin anunciou no mês passado.

CLASSE MÉDIA SENTE IMPACTO DA ECONOMIA

Os mais afetados pela turbulência econômica estão na classe média urbana. Bens e serviços estrangeiros são agora mais difíceis de encontrar, os empregadores ocidentais estão se retirando e as viagens ao exterior se tornam difíceis e proibitivamente caras.

Natalya Zubarevich, especialista em geografia social e política na Universidade Estadual de Moscou, observa que muitos russos de classe média não têm escolha a não ser adaptar-se a um padrão de vida mais baixo: pelo menos a metade da classe média russa, na sua estimativa, trabalha para o Estado ou empresas estatais.

"As sanções não vão parar a guerra", disse Zubarevich em entrevista por telefone. "O público russo vai suportar e se adaptar porque entende que não tem como influenciar o Estado."

Chris Weafer, consultor macroeconômico que há muito se concentra na Rússia, disse em nota a clientes na semana passada que "algumas de nossas suposições anteriores estavam erradas". A inflação e a contração da economia acabaram sendo menos severas do que se esperava, escreveu ele.

Sua empresa, a Macro-Advisory Eurasia Strategic Consulting, revisou sua previsão para mostrar um declínio menor no Produto Interno Bruto este ano, 5,8% em vez de 7%, ao mesmo tempo que prevê que a recessão vai durar até o próximo ano.

Em entrevista por telefone, Weafer descreveu o futuro econômico da Rússia como "mais monótono, mais debilitante", com renda menor, mas com bens e serviços básicos ainda disponíveis. Uma grande empresa de sucos, por exemplo, alertou os clientes que suas caixas logo serão totalmente brancas por causa da falta de tinta importada.

"A economia agora está entrando numa fase quase estagnada, onde pode evitar um colapso", disse ele. "É um nível mais básico de existência econômica, que a Rússia pode manter por algum tempo."

DEMANDA POR ENERGIA FORTALECE MOEDA RUSSA

Na sexta-feira (10), com a estabilização da inflação, o Banco Central da Rússia reduziu sua taxa básica de juros para 9,5%, o nível anterior à invasão. Em 28 de fevereiro, o banco a havia aumentado para 20% para tentar evitar uma crise financeira. O rublo, depois de se desvalorizar nos dias após a invasão, agora está sendo negociado em máximas de quatro anos.

Uma razão para a força inesperada do rublo é que a demanda global de energia aumentou após a pandemia. Somente em junho, o governo russo espera um lucro inesperado de mais de US$ 6 bilhões (R$ 29,9 bilhões) por causa dos preços de energia acima do esperado, disse o Ministério das Finanças na semana passada.

Ao mesmo tempo, os consumidores russos estão gastando menos, apoiando ainda mais o rublo e dando às empresas russas tempo para estabelecer novas rotas de importação.

As autoridades russas reconhecem, no entanto, que os tempos mais difíceis para a economia ainda podem estar por vir. Elvira Nabiullina, chefe do Banco Central, disse na sexta-feira (10) que, embora "o efeito das sanções não tenha sido tão agudo quanto temíamos no início", seria "prematuro dizer que o efeito total das sanções se manifestou".

"As sanções sufocam a economia, o que não acontece de uma só vez", disse Ivan Fedyakov, que dirige a Infoline, consultoria de mercado russa que assessora empresas sobre como sobreviver sob as restrições atuais. "Sentimos apenas 10% a 15% de seu efeito."

Novo logo da franquia local, que reproduz um hamburguer e duas batatas fritas - via Reuters

No que se refere a alimentos, pelo menos, a Rússia está mais preparada. Quando o McDonald's abriu na União Soviética, em 1990, os americanos tiveram que levar tudo. As batatas soviéticas eram muito pequenas para fazer batatas fritas, então eles tiveram que adquirir suas próprias sementes de batata avermelhada; as maçãs soviéticas não funcionavam para a torta, então a empresa as importou da Bulgária.

Mas quando o McDonald's se retirou, este ano, suas lojas russas estavam recebendo quase todos os ingredientes de fornecedores locais. Então, quando o McDonald's, que empregava 62 mil trabalhadores na Rússia, anunciou em 8 de março que estava suspendendo as operações porque não podia "ignorar o sofrimento humano desnecessário que se desenrolava na Ucrânia", um de seus franqueados siberianos, Alexander Govor, conseguiu manter seus 25 restaurantes abertos. No mês passado, ele comprou toda a operação russa do McDonald's por uma quantia não revelada.

No domingo (12), o Dia da Rússia, um feriado patriótico, ele reabriu 15 lojas, incluindo o antigo McDonald's na Praça Pushkin em Moscou, lugar onde, em 1990, milhares de soviéticos fizeram fila para provar o sabor do Ocidente. A rede vai operar sob uma nova marca ainda a ser divulgada, embora o novo logotipo tenha sido revelado, representando um hambúrguer e batatas fritas.

As "hash browns", panquecas de batatas raladas, terão um nome russo, de acordo com um menu vazado para um tabloide russo. E como o molho secreto é patenteado não haverá oferta de Big Mac.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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