No mesmo dia da mais ampla manifestação pró-democracia sob a gestão de Jair Bolsonaro (PL), o governo lançou uma ofensiva para alardear medidas econômicas com apelo popular e tentar se contrapor aos atos, ocorridos em todos os 26 estados e no Distrito Federal.
Em manifestações nas redes sociais, o presidente e o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, buscaram destacar a queda da inflação no mês de julho e a segunda redução seguida nos preços do diesel —notícias diretamente relacionadas a temas sensíveis para a campanha de Bolsonaro à reeleição.
O anúncio do corte de R$ 0,22 no preço médio do diesel nas refinarias foi feito pela Petrobras no fim da manhã de quinta-feira (11), quando a sede da Faculdade de Direito da USP, no largo São Francisco, centro de São Paulo, ainda era ocupada por milhares de pessoas que se manifestaram em defesa da democracia.
Depois de dias minimizando as convocações, Bolsonaro passou a maior parte desta quinta ignorando os eventos e tratou o anúncio da Petrobras como "um ato muito importante em prol do Brasil e de grande relevância para o povo brasileiro".
O presidente não fez qualquer menção às cartas lidas durante a manifestação na USP durante quase todo o dia —tratando do tema só à noite, em sua live semanal e em rede social.
Uma das cartas, capitaneada pela própria universidade, foi assinada por mais de 980 mil pessoas e prega a manutenção do Estado democrático de Direito e o respeito às eleições. O documento não cita Bolsonaro, que tem feito ameaças golpistas e questionado as urnas eletrônicas.
O ministro Ciro Nogueira, por sua vez, foi mais incisivo e disse que o governo escrevia naquele momento uma outra carta. "Carta ao povo brasileiro: estamos escrevendo a carta que muda o Brasil para melhor. Combustível mais barato, redução do preço do diesel!", disse.
Em seguida, o chefe da Casa Civil citou também a queda de 0,68% nos preços registrada em julho, divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) na quarta-feira (9).
"Deflação, aumento do emprego! Economia forte, democracia forte! Parabéns, democrata Jair Bolsonaro!", escreveu o ministro.
Chefe da equipe econômica, o ministro Paulo Guedes também buscou destacar os feitos econômicos do governo em reunião com economistas de gestoras e bancos, como Itaú, BTG, JP Morgan, XP Investimentos e Bradesco, entre outros. O encontro ocorreu em São Paulo nesta quinta-feira e durou pouco mais de quatro horas.
Interlocutores de Guedes afirmam que a reunião já vinha sendo combinada há tempos e não tem relação com os atos que ocorreram no mesmo dia. Inicialmente, a previsão era que o ministro fosse acompanhado de um time de secretários de diferentes áreas, como Tesouro e Receita Federal, mas às vésperas da viagem Guedes disse que iria sozinho ao compromisso.
Após a reunião, o ex-secretário do Tesouro Mansueto Almeida, hoje economista-chefe do BTG Pactual, disse à Folha que o encontro foi uma troca de ideias sobre a economia do país após a pandemia de Covid-19, com destaque para o mercado de capitais. Foram discutidos também os impactos de reformas recentes, como a da Previdência, e seu papel no enfrentamento à crise.
Reservadamente, pessoas presentes ao encontro relataram que Guedes disse concordar com algumas preocupações dos economistas em relação às contas do país, mas não entrou em detalhes sobre como será a trajetória daqui para frente.
Segundo esses relatos, o ministro contou na reunião que não subscreveu a promessa de manter o pagamento de R$ 600 para famílias do Auxílio Brasil a partir de 2023, decisão já tomada por Bolsonaro diante de sinalização semelhante feita por Lula. Essa é hoje uma das principais fontes de pressão sobre as contas no ano que vem, devido ao custo adicional de R$ 52 bilhões.
O uso de notícias consideradas positivas na economia para se contrapor às manifestações vem depois de uma série de investidas do governo para tentar debelar a alta de preços, um dos fatores de maior preocupação para a campanha de Bolsonaro.
O presidente está em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Bolsonaro já trocou o comando da Petrobras duas vezes neste ano, numa tentativa de ter maior influência nas decisões da companhia sobre os reajustes.
Sob a nova gestão de Caio Paes de Andrade, a estatal já anunciou cortes nos preços da gasolina e do diesel, com a justificativa de que os preços de referência no mercado internacional se estabilizaram em patamar que permitiu a redução.
No caso do diesel, a queda só no mês de agosto já está em R$ 0,42. Na gasolina, a Petrobras anunciou cortes que somam R$ 0,35 no preço do litro nas refinarias.
O presidente também apoiou a aprovação, no Congresso, de uma lei que baixou na marra os tributos estaduais sobre combustíveis e energia elétrica. A medida contribuiu para a redução da inflação em julho, mas vem sendo contestada pelos governadores e se tornou o centro de uma batalha jurídica no STF (Supremo Tribunal Federal).
Em outra frente, Bolsonaro conseguiu emplacar uma mudança constitucional para gastar até R$ 42 bilhões fora do teto de gastos em pleno ano eleitoral, com o objetivo de turbinar benefícios sociais, cujos pagamentos se iniciam neste mês.
Nesta quinta, Bolsonaro escreveu que a deflação era observada "graças à política constante de diminuição de impostos do governo federal", citando também a redução do ICMS sobre combustíveis.
Apesar disso, como mostrou a Folha, economistas avaliam que a inflação deve seguir pressionada até as vésperas das eleições de outubro, em um quadro ainda desconfortável para o bolso dos brasileiros. A inflação oficial acumula uma alta de 10,07% em 12 meses até julho.
Mais tarde, ao participar de forma virtual de um seminário sobre a tecnologia 5G, o chefe do Executivo elogiou o ministro Paulo Guedes e disse que o Brasil é "um dos poucos países com PIB [Produto Interno Bruto] positivo" neste ano. A previsão do governo é que o crescimento da economia seja de 2% neste ano.
Ele também repetiu a visão de Guedes de que o Brasil se recuperou em "V" dos problemas econômicos decorrentes da pandemia da Covid-19.
Em sua transmissão semanal por redes sociais, Bolsonaro mencionou os atos criticando signatários das cartas.
Ele disse que a CUT (Central Única dos Trabalhadores), aliada do PT, subscreveu o texto. O presidente disse que a entidade "está com saudade" do imposto sindical obrigatório. Sobre o apoio de artistas ao ato, afirmou eles estão interessados no retorno da Lei Rouanet como funcionava antes de seu governo.
"Acredito que a 'carta pela democracia', que foi lida na micareta do PT, teve algumas de suas páginas rasgadas, principalmente nas partes em que deveriam repudiar o apoio, inclusive financeiro, a ditaduras como Cuba, Nicarágua e Venezuela", afirmou Bolsonaro no Twitter em referência ao ato suprapartidário.
A exaltação de feitos econômicos durante o dia também se contrapõe à manifestação em defesa da democracia assinada por entidades como a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e Febraban (Federação Brasileira de Bancos).
Diante do isolamento pelo movimento que envolveu diversos atores da sociedade civil, Bolsonaro se convidou para ir à Febraban nesta semana.
Pelo menos três interlocutores de Bolsonaro, das áreas econômica e política do governo, procuraram dirigentes da alta cúpula da federação para marcar um encontro dele com os banqueiros. A ida do chefe do Executivo à entidade ocorreu na última segunda-feira (8).
Colaborou Ana Paula Branco
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