Governo faz ofensiva na economia em dia de atos pró-democracia

Bolsonaro e ministros exaltam corte no preço do diesel e queda da inflação em julho

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Brasília

No mesmo dia da mais ampla manifestação pró-democracia sob a gestão de Jair Bolsonaro (PL), o governo lançou uma ofensiva para alardear medidas econômicas com apelo popular e tentar se contrapor aos atos, ocorridos em todos os 26 estados e no Distrito Federal.

Em manifestações nas redes sociais, o presidente e o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, buscaram destacar a queda da inflação no mês de julho e a segunda redução seguida nos preços do diesel —notícias diretamente relacionadas a temas sensíveis para a campanha de Bolsonaro à reeleição.

O anúncio do corte de R$ 0,22 no preço médio do diesel nas refinarias foi feito pela Petrobras no fim da manhã de quinta-feira (11), quando a sede da Faculdade de Direito da USP, no largo São Francisco, centro de São Paulo, ainda era ocupada por milhares de pessoas que se manifestaram em defesa da democracia.

O presidente Jair Bolsonaro e o ministro Ciro Nogueira (Casa Civil) em cerimônia no Palácio do Planalto - Evaristo Sá - 27.jun.2022/AFP

Depois de dias minimizando as convocações, Bolsonaro passou a maior parte desta quinta ignorando os eventos e tratou o anúncio da Petrobras como "um ato muito importante em prol do Brasil e de grande relevância para o povo brasileiro".

O presidente não fez qualquer menção às cartas lidas durante a manifestação na USP durante quase todo o dia —tratando do tema só à noite, em sua live semanal e em rede social.

Uma das cartas, capitaneada pela própria universidade, foi assinada por mais de 980 mil pessoas e prega a manutenção do Estado democrático de Direito e o respeito às eleições. O documento não cita Bolsonaro, que tem feito ameaças golpistas e questionado as urnas eletrônicas.

O ministro Ciro Nogueira, por sua vez, foi mais incisivo e disse que o governo escrevia naquele momento uma outra carta. "Carta ao povo brasileiro: estamos escrevendo a carta que muda o Brasil para melhor. Combustível mais barato, redução do preço do diesel!", disse.

Em seguida, o chefe da Casa Civil citou também a queda de 0,68% nos preços registrada em julho, divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) na quarta-feira (9).

"Deflação, aumento do emprego! Economia forte, democracia forte! Parabéns, democrata Jair Bolsonaro!", escreveu o ministro.

Chefe da equipe econômica, o ministro Paulo Guedes também buscou destacar os feitos econômicos do governo em reunião com economistas de gestoras e bancos, como Itaú, BTG, JP Morgan, XP Investimentos e Bradesco, entre outros. O encontro ocorreu em São Paulo nesta quinta-feira e durou pouco mais de quatro horas.

Interlocutores de Guedes afirmam que a reunião já vinha sendo combinada há tempos e não tem relação com os atos que ocorreram no mesmo dia. Inicialmente, a previsão era que o ministro fosse acompanhado de um time de secretários de diferentes áreas, como Tesouro e Receita Federal, mas às vésperas da viagem Guedes disse que iria sozinho ao compromisso.

Após a reunião, o ex-secretário do Tesouro Mansueto Almeida, hoje economista-chefe do BTG Pactual, disse à Folha que o encontro foi uma troca de ideias sobre a economia do país após a pandemia de Covid-19, com destaque para o mercado de capitais. Foram discutidos também os impactos de reformas recentes, como a da Previdência, e seu papel no enfrentamento à crise.

Reservadamente, pessoas presentes ao encontro relataram que Guedes disse concordar com algumas preocupações dos economistas em relação às contas do país, mas não entrou em detalhes sobre como será a trajetória daqui para frente.

Segundo esses relatos, o ministro contou na reunião que não subscreveu a promessa de manter o pagamento de R$ 600 para famílias do Auxílio Brasil a partir de 2023, decisão já tomada por Bolsonaro diante de sinalização semelhante feita por Lula. Essa é hoje uma das principais fontes de pressão sobre as contas no ano que vem, devido ao custo adicional de R$ 52 bilhões.

O uso de notícias consideradas positivas na economia para se contrapor às manifestações vem depois de uma série de investidas do governo para tentar debelar a alta de preços, um dos fatores de maior preocupação para a campanha de Bolsonaro.

O presidente está em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Bolsonaro já trocou o comando da Petrobras duas vezes neste ano, numa tentativa de ter maior influência nas decisões da companhia sobre os reajustes.

Sob a nova gestão de Caio Paes de Andrade, a estatal já anunciou cortes nos preços da gasolina e do diesel, com a justificativa de que os preços de referência no mercado internacional se estabilizaram em patamar que permitiu a redução.

No caso do diesel, a queda só no mês de agosto já está em R$ 0,42. Na gasolina, a Petrobras anunciou cortes que somam R$ 0,35 no preço do litro nas refinarias.

O presidente também apoiou a aprovação, no Congresso, de uma lei que baixou na marra os tributos estaduais sobre combustíveis e energia elétrica. A medida contribuiu para a redução da inflação em julho, mas vem sendo contestada pelos governadores e se tornou o centro de uma batalha jurídica no STF (Supremo Tribunal Federal).

Em outra frente, Bolsonaro conseguiu emplacar uma mudança constitucional para gastar até R$ 42 bilhões fora do teto de gastos em pleno ano eleitoral, com o objetivo de turbinar benefícios sociais, cujos pagamentos se iniciam neste mês.

Nesta quinta, Bolsonaro escreveu que a deflação era observada "graças à política constante de diminuição de impostos do governo federal", citando também a redução do ICMS sobre combustíveis.

Apesar disso, como mostrou a Folha, economistas avaliam que a inflação deve seguir pressionada até as vésperas das eleições de outubro, em um quadro ainda desconfortável para o bolso dos brasileiros. A inflação oficial acumula uma alta de 10,07% em 12 meses até julho.

Mais tarde, ao participar de forma virtual de um seminário sobre a tecnologia 5G, o chefe do Executivo elogiou o ministro Paulo Guedes e disse que o Brasil é "um dos poucos países com PIB [Produto Interno Bruto] positivo" neste ano. A previsão do governo é que o crescimento da economia seja de 2% neste ano.

Ele também repetiu a visão de Guedes de que o Brasil se recuperou em "V" dos problemas econômicos decorrentes da pandemia da Covid-19.

Em sua transmissão semanal por redes sociais, Bolsonaro mencionou os atos criticando signatários das cartas.

Ele disse que a CUT (Central Única dos Trabalhadores), aliada do PT, subscreveu o texto. O presidente disse que a entidade "está com saudade" do imposto sindical obrigatório. Sobre o apoio de artistas ao ato, afirmou eles estão interessados no retorno da Lei Rouanet como funcionava antes de seu governo.

"Acredito que a 'carta pela democracia', que foi lida na micareta do PT, teve algumas de suas páginas rasgadas, principalmente nas partes em que deveriam repudiar o apoio, inclusive financeiro, a ditaduras como Cuba, Nicarágua e Venezuela", afirmou Bolsonaro no Twitter ​em referência ao ato suprapartidário.

A exaltação de feitos econômicos durante o dia também se contrapõe à manifestação em defesa da democracia assinada por entidades como a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e Febraban (Federação Brasileira de Bancos).

Diante do isolamento pelo movimento que envolveu diversos atores da sociedade civil, Bolsonaro se convidou para ir à Febraban nesta semana.

Pelo menos três interlocutores de Bolsonaro, das áreas econômica e política do governo, procuraram dirigentes da alta cúpula da federação para marcar um encontro dele com os banqueiros. A ida do chefe do Executivo à entidade ocorreu na última segunda-feira (8).

Colaborou Ana Paula Branco

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