Melhora na economia alardeada por Bolsonaro terá baixo impacto eleitoral, dizem especialistas

Campanha de Lula descarta mudar estratégia diante de 'medidas eleitoreiras'

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Brasília

As melhoras econômicas alardeadas pelo governo Jair Bolsonaro (PL) terão pouco impacto efetivo na reta final da disputa presidencial, avaliam economistas e cientistas políticos.

Bolsonaro e seus aliados têm usado, nas últimas semanas, as redes sociais para propagar indicadores econômicos que, na avaliação deles, atestariam a recuperação do país após as perdas decorrentes da pandemia de Covid-19.

Costumam citar dados que mostram crescimento do PIB, aumento na criação de vagas de emprego, queda no preço dos combustíveis e obras em andamento ou finalizadas.

A divulgação de notícias positivas busca impulsionar a campanha do presidente, que terminou o primeiro turno em segundo lugar, atrás de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Diante de um cenário que considera impulsionado por medidas eleitoreiras, a equipe de Lula descarta mudanças na estratégia de campanha.

Na montagem, os candidatos a presidente Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL)
Na montagem, os candidatos a presidente Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL) - Pedro Ladeira - 12.jun.22/Folhapress e Gabriela Biló - 25.ago.22/Folhapress

A "economia pujante" descrita por Bolsonaro resulta, em boa medida, de medidas aprovadas a poucos meses das eleições. Em junho, o presidente anunciou um pacote de até R$ 50 bilhões para tentar frear a inflação e conter o impacto no bolso dos consumidores, liberando benefícios sociais turbinados à população e cortando impostos.

Puxado pela baixa nos preços dos combustíveis, o IPCA, índice oficial de inflação, recuou dois meses consecutivos. Em agosto, voltou a um dígito no acumulado de 12 meses, atingindo 8,73%.

Na terça (11), o IBGE informará o IPCA de setembro. A expectativa é de um novo recuo. A previsão do Banco Central para o mês é de queda de 0,21%.

Pela primeira vez neste ano, é esperado um alívio nos preços da comida, como mostrou o índice prévio de inflação, refletindo melhores condições climáticas para a produção de parte dos alimentos nos últimos meses, além da baixa das commodities no mercado internacional.

Isso depois de a inflação de alimentos, que pesa sobretudo no bolso das famílias mais pobres, ter avançado 13,43% em 12 meses até agosto.

Com os choques decorrentes da Guerra da Ucrânia atenuados, o BC estima significativo recuo da inflação acumulada, chegando a 5,72% em novembro.

Mesmo que os preços caiam até o fim do ano, o economista Heron do Carmo, professor da FEA-USP (Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo), destaca que os brasileiros não irão esquecer o saldo dos aumentos anteriores.

"A pessoa pode até perceber essa estabilização de preços, até a ligeira queda de alguns produtos agora. Mas, quando comparado com seis meses atrás, o quadro ainda é muito desfavorável", disse.

Na visão do especialista, indicadores econômicos, como o IPCA, são "ficção" para boa parte da população. "Como a referência das pessoas é baseada num período mais longo de observação, a melhora da economia tem um efeito para o candidato da situação, mas não dá para dizer que isso seja determinante a ponto de mudar o resultado da eleição", disse.

A avaliação é compartilhada pelo cientista político Carlos Melo, do Insper. "Houve deflação? Houve. Mas houve deflação de alimentos, de saúde? Não houve, pelo contrário", disse.

"Enquanto essa melhora não chegar no carrinho de supermercado, o grande eleitor desse país, que são as mulheres, que são as pessoas que vão ao mercado, que cuidam das finanças da família, vai continuar sentindo a barra pesar."

Depois de ter o poder de compra corroído pela inflação ao longo do último ano, os brasileiros começam a ver uma melhora na renda. No trimestre até agosto, o rendimento médio dos ocupados foi de R$ 2.713, uma alta de 3,1% frente a maio (R$ 2.632).

No entanto, o indicador ainda segue baixo em termos históricos. A renda teve variação negativa de 0,6% na comparação com o mesmo período de 2021 (R$ 2.730) –o que o IBGE considera como estatisticamente estável.

A fragilidade na renda coincide com o elevado número de trabalhadores informais. Das 99 milhões de pessoas ocupadas em agosto, 39,3 milhões estavam na informalidade.

Luiza Nassif, diretora do Centro de Pesquisas em Macroeconomia das Desigualdades da FEA/USP, lembra ainda que a recuperação da renda é desigual.

"A recuperação é mais rápida entre homens brancos, ela é mais rápida no Sudeste. Na verdade, ninguém alcançou ainda a renda média. E isso considerando o auxílio emergencial e o Auxílio Brasil", disse.

Os dados mais recentes mostram uma melhora significativa do mercado de trabalho brasileiro, com o recuo da taxa de desemprego no Brasil para 8,9% no trimestre até agosto. É o menor índice da série histórica desde o período encerrado em agosto de 2015.

No entanto, Nassif lembra também que, apesar da recuperação nos níveis de emprego, é preciso analisar a taxa de desalento.

"Então se um sucateamento leva mais pessoas a nem procurarem emprego, isso poderia levar a uma queda da taxa de desocupação, ao mesmo tempo que você não necessariamente tem um aumento da taxa de emprego."

No dia 27 de outubro, a três dias do segundo turno, estão previstas as divulgações da PNAD Contínua mensal e do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), que devem repetir a tendência de recuperação do mercado de trabalho.

Para Bráulio Borges, economista sênior da LCA, a surpresa no nível de ocupação está relacionada em grande parte à composição setorial do PIB (Produto Interno Bruto), com o crescimento puxado pelos setores da construção civil e de serviços, que engloba educação, saúde, alimentação fora do domicílio, turismo e outros.

"Por detrás do PIB de 2,7%, tem a construção civil crescendo 9% e os outros serviços, 10%. Esses setores são muito empregadores, mas que pagam salários mais baixos, tipicamente um pouco acima do salário mínimo nacional (R$ 1.212), e também com muita informalidade", acrescentou.

O potencial crescimento do PIB neste ano, estimado em 2,7% tanto pelo Ministério da Economia quanto pelo BC, tem sido usado pelo ministro Paulo Guedes (Economia) em tom de campanha em eventos com empresários.

Reiteradas vezes, o chefe da pasta econômica disse que o Brasil "está condenado a crescer" e que o mercado financeiro tem subestimado o potencial do país.

A projeção mais alta para este ano vem na esteira do avanço do PIB no segundo trimestre, que foi impactado principalmente pelo setor de serviços, com alta de 1,2%. Para o terceiro trimestre, a estimativa da SPE (Secretaria de Política Econômica) é de crescimento de 0,4%.

Carmo, da USP, ressalta que o vigor da atividade econômica traz outros desdobramentos positivos, como o aumento da arrecadação de impostos –resultado que também vem sendo comemorado pelo governo e ajuda na melhora do resultado fiscal.

Até 30 de outubro, quando ocorre o segundo turno, o governo vai divulgar o desempenho das contas no mês de setembro –dado que pode ser ajudado pelas receitas mais vigorosas. O Tesouro também prevê atualizar as projeções para a dívida pública, e eventual redução nas estimativas pode ser incorporada ao discurso otimista do governo.

Borges pondera que, apesar de a economia brasileira estar em seu melhor momento em relação aos últimos cinco anos, o balanço geral não é positivo.

"De fato, neste ano, a gente vai ficar bem próximo do crescimento do PIB mundial, de 3%. Mas, se a gente olhar na média dos quatro anos do atual governo, o PIB brasileiro cresceu abaixo do PIB mundial", disse.

Guilherme Mello, economista da campanha do ex-presidente Lula, argumenta que a melhora recente não apaga o fraco desempenho registrado desde 2019, de forma que o petista continuará dando ênfase ao discurso de que a vida do brasileiro piorou.

"Como propaganda de governo, claro, eles vão usar os dados dos últimos meses, que são dados artificiais, porque são dados criados com base em medidas pontuais, extemporâneas, para ganhar a eleição", disse.

"Mas eu acho que a sensação da população segue sendo que a economia vai mal", complementou. "Não muda nossa avaliação. A avaliação segue a mesma sobre a gravidade do momento que o país vive, do desastre que foi o governo Bolsonaro para a economia brasileira."

Para 2023, o Ministério da Economia prevê avanço do PIB de 2,5%, enquanto o mercado estima alta de 0,53%. O BC, por sua vez, espera crescimento de 1%.

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