Empresa gaúcha que ameaçou cortes se Lula vencer eleição pode ter que pagar R$ 10 milhões

Quatro empresas do Rio Grande do Sul já fecharam acordo por assédio eleitoral; denúncias passam de 50

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Porto Alegre

Uma mineradora de Soledade foi a quarta empresa do Rio Grande do Sul a firmar um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) nesta terça-feira (18) com o Ministério Público do Trabalho do estado por denúncia de assédio eleitoral.

Os casos de assédio eleitoral dispararam desde o início do segundo turno das eleições de 2022. Enquanto no primeiro turno havia cinco denúncias no estado, no segundo turno já foram contabilizadas 51, segundo o órgão.

No país, os relatos dispararam de 52 para 364 (um aumento de sete vezes), segundo levantamento feito nesta terça pelo órgão.

Trilili Urna Eletrônica
Denúncias de assédio eleitoral se multiplicam por 7 após 1º turno - Catarina Pignato/Folhapress

A mineradora Brazil Original Minerais firmou acordo após ter divulgado um comunicado a fornecedores e prestadores de serviços avaliando o cenário eleitoral com "imensa tristeza" e prevendo redução de produção e suspensão de investimentos caso fosse mantido o resultado do primeiro turno.

A empresa também pedia apoio a "todas as pessoas de bem", no pleito, a quem defende "pátria sem corrupção", "propriedade privada", "Deus e família", temas associados à campanha eleitoral do presidente Jair Bolsonaro (PL).

Conforme o acordo firmado nesta terça, a empresa tem 24 horas para distribuir e afixar em quadros de avisos de suas unidades um comunicado de que a livre escolha no processo eleitoral é um direito assegurado e que é ilegal realizar campanha pró ou contra candidatos no ambiente profissional.

A empresa também deverá realizar reuniões com seus trabalhadores para esclarecer esses pontos e informá-los de que o voto é livre e secreto. A mineradora deve se comprometer a não tomar nenhuma medida retaliatória caso os funcionários façam escolhas eleitorais diferentes do proprietário.

O MPT-RS também firmou acordos semelhantes com o frigorífico Mais Frango, de Miraguaí, a Fazenda da Amarra, de criação de bovinos em Lavras do Sul, e com a Garcia Padaria e Confeitaria, de Cerro Grande do Sul.

Os acordos incluíram retratações publicadas em redes sociais, entre outras medidas, como custear anúncios em veículos de comunicação de campanhas de conscientização contra o assédio eleitoral, a título de indenização por dano moral coletivo.

A Fazenda da Amarra, por exemplo, teve de se retratar por ter "orientado diretamente os parceiros comerciais e indiretamente os funcionários a votar em determinado candidato", segundo o órgão.

A proprietária da confeitaria Garcia, em seu perfil no Facebook, admitiu e se desculpou por "ter orientado diretamente os seguidores a realizarem checagem nas redes sociais de seus empregados, a fim de se informar em quem estes votam e se votam no mesmo candidato do empregador."

Já o frigorífico Mais Frango se comprometeu a "não adotar medidas de caráter retaliatório, como a perda de empregos".

MPT pede indenização de R$ 10 milhões de empresa do agronegócio

O MPT-RS também ajuizou uma ação civil pública contra a Stara Indústria de Implementos Agrícolas, um dos casos de maior repercussão no Rio Grande do Sul. A empresa do agronegócio com sede em Não-Me-Toque divulgou, na segunda-feira posterior ao primeiro turno, uma carta anunciando "redução de sua base orçamentária em pelo menos 30%" caso o resultado se mantivesse. A empresa já era alvo de apuração da Procuradoria do Trabalho de Passo Fundo por materiais enviados a funcionários que configurariam coerção.

Em vídeo divulgado no dia 4 de outubro, o presidente da Stara, Átila Trennepohl, afirmou que a carta aos fornecedores que circula nas redes sociais aponta apenas uma revisão das projeções da empresa.

Atila Trennepohl, presidente da Stara
Atila Trennepohl, presidente da Stara - Reprodução/Facebook

No entendimento do MPT-RS, o não reconhecimento da empresa de que estaria cometendo uma ilegalidade impediu que fosse cogitado um ajustamento de conduta. O órgão requer à Justiça uma indenização de R$ 10 milhões por dano moral coletivo, além de pagamento de danos morais individuais para cada pessoa que possuía relação de trabalho com a Stara em setembro passado.

Procurada pela Folha, a Stara declarou que, até o momento, o vídeo do dia 4 segue a única resposta da empresa em relação ao episódio.

Entre os sócios da Stara, Gilson Lari Trennepohl doou R$ 1 milhão ao todo na eleição deste ano, sendo R$ 350 mil para a campanha de Bolsonaro e R$ 300 mil para Onyx Lorenzoni (PL-RS).

Casos incluem de comunicados a orientações diretas a funcionários

Segundo o procurador-chefe do MPT-RS, Rafael Foresti Pego, a multiplicação de casos denunciados pode ter ocorrido também pela repercussão na mídia de situações como a da Stara, que levam outras vítimas a procurar o órgão ao se sentirem coagidas.

Os casos de assédio eleitoral incluem desde comunicados a fornecedores e empregados com preocupações sobre os resultados das eleições presidenciais, prevendo dificuldades financeiras e cortes de serviços, até orientações diretas a funcionários.

"O que se observou com esse crescimento é uma normalização, quase banalização de uma prática que é ilícita. Existe a consciência de que é ilegal, mas há uma expectativa de impunidade ou de uma resposta que não seja ágil o suficiente para barrá-la", diz Rafael Foresti Pego, procurador-chefe do MPT-RS.

O MPT montou um grupo de trabalho para dar celeridade às investigações, que conta também com representantes da Justiça do Trabalho, da Justiça Eleitoral e do Ministério Público Eleitoral.

A perspectiva é que as investigações se estenderão além do período eleitoral.

"A Justiça por si só é um processo moroso, pois é uma conduta temerária tomar qualquer tipo de atitude sem a devida averiguação dos fatos. A montagem de um grupo, de um gabinete de crise, busca um esforço total para fazer com que a conduta ilegal cesse imediatamente. Mas haverá, sim, sanções que serão aplicadas após o período eleitoral e que valerão para as próximas eleições", diz Pego.

Como e onde denunciar

O MPT sugere que os trabalhadores façam as denúncias com o maior número possível de provas materiais, como documentos, imagens e mensagens de texto ou áudios. Elas podem ser feitas no Brasil inteiro e de forma anônima por meio do site do Ministério Público do Trabalho.

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