Descrição de chapéu inflação União Europeia

Famílias europeias criam estratégias para diminuir perda da inflação

Na Espanha, alguns acumulam produtos na despensa e outros mudam para marcas próprias

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Madri

Nos últimos tempos, quando vai ao supermercado em Vallecas, bairro proletário de Madri, a professora Ruth Fernandez Jesús acostumou-se a comprar 15 litros de azeite de uma vez só. Não que ela vá abastecer a cozinha de um restaurante ou coisa parecida. A compra é apenas para sua família, de quatro pessoas, mas deve durar meses na despensa. Essa é sua estratégia para combater a inflação, uma novidade na vida de boa parte dos europeus.

"O azeite de 5 litros, que eu sempre comprei, estava custando € 25 (R$ 139) em julho. Agora, está € 28 (R$ 156)", conta Ruth, destacando um aumento de 12% no preço do produto. "O azeite com certeza vai continuar subindo. Como não estraga, passei a comprar três garrafões."

Alberto Alfaro, Maria José Moreno e seus filhos Álvaro e Daniel na cozinha de sua casa, na periferia de Madri - Ivan Finotti/Folhapress

Ainda que a inflação exista desde a criação do euro, em janeiro de 1999, ela nunca havia passado dos 4,1% anuais, taxa registrada em agosto de 2008 até novembro do ano passado, quando atingiu 4,9%. Um ano depois, a taxa referente aos últimos 12 meses está em 10%, um espanto para uma geração que viveu a maior parte de sua vida tratando a inflação como uma preocupação menor.

Moradora de Vallecas, bairro proletário de Madri, Ruth tem um casal de filhos adolescentes e seu marido, após passar quatro anos estudando em cursos profissionalizantes, acaba de conseguir trocar sua antiga profissão de pintor de carros para a de técnico em informática.

Pela mesma razão, ela antecipou em mais de um mês as compras para este Natal. "Tudo sobe ainda mais quando chega perto das festas, então, como tenho congelador, já comprei as carnes e os pescados, como bacalhau e salmão", diz.

"Agora, o que está absurdo é o preço dos alimentos frescos. Os ovos subiram muito e as frutas também. Não consigo mais comprar as bananas das Canárias [ilhas espanholas no Atlântico]. As chilenas, que não são tão boas, estão mais baratas, mesmo vindo de mais longe."

Quando se fala em alimentação, o crescimento do custo de vida é ainda mais desalentador. Se a taxa geral de inflação na Espanha caiu nos últimos meses (de 10,7% em julho para 7,3% em outubro), o setor de alimentos e bebidas é o que mais pressiona o cotidiano: 15,5% de inflação em outubro deste ano. Na zona do euro, o mesmo número se repete.

É claro que o aumento nas contas do supermercado resvala para os hábitos da família. "Adoramos ir ao teatro", diz Ruth. "Mas não vamos há um ano." Ela se recorda de um único outro momento em sua vida no qual os preços assustaram tanto. "Foi quando as pesetas viraram euro", conta ela, referindo-se ao momento em que o euro foi adotado como moeda corrente pela Espanha (e por outros dez países), em 1º de janeiro de 1999.

"Naquele ano, o euro começou valendo 166 pesetas. Mas tudo que custava 100 pesetas, como um cafezinho, por exemplo, passou a custar € 1. Houve um arredondamento para cima, um aumento de 66% de um dia para outro. Agora, sentimos mais nos alimentos e nas contas de gás e luz."

Em relação ao gás, o principal vilão do aumento do custo de vida na Europa em 2022, devido à Guerra da Ucrânia, a Espanha se safou. Por ser grande produtora e contar com o produto vindo da África, o país viu um aumento de apenas 2,6% no gás e na eletricidade nos últimos 12 meses. Já na Europa, em média, a inflação desse setor é atualmente de 23,2%.

Mas aumento é aumento, e a família de Alberto Alfaro e Maria José Moreno está sentindo literalmente na pele os efeitos dessa inflação. Moradores de Coslada, município na periferia de Madri, eles se viram obrigados a diminuir a temperatura da calefação em casa.

"No ano passado, tivemos neve em Madri, então teria sido mais duro. Mas neste ano resolvemos abaixar a temperatura e, em vez de ficarmos de camiseta em casa, usamos blusa", conta Maria José. Por enquanto, a temperatura na capital espanhola neste inverno não tem ficado muito abaixo dos 10º C.

Ela está desempregada após ser demitida há alguns meses de um serviço de telemarketing. Antes, havia trabalhado na mesma função para a Coca-Cola por 20 anos, e tinha um salário de cerca de € 1.400 (R$ 7.807), mas foi dispensada na pandemia. Seu marido é eletricista autônomo e os ganhos variam entre € 1.800 e € 2.000 (R$ 10.038 e R$ 11.153), num mês bom. A família ainda conta com Álvaro, 15, e Daniel, 9.

A queda da receita, aliada à inflação, levou à mudança de vários hábitos. Um jantar fora com os quatro saía entre € 80 e € 120 (R$ 446 e R$ 669), dependendo do restaurante, mas isso não existe mais. Alberto passou a cozinhar em casa, e não só o trivial: "Sempre gostei de cozinhar, então comecei a perguntar o que queriam comer. Qualquer coisa. Japonesa? Italiana? Mexicana? Eu faço."

Os filhos aprovam, especialmente quando ele faz a receita especial de pancetta, cebola curtida e coentro envoltos em alface. Mas os rapazes também sentem o problema. Álvaro diz que, recentemente, quando sai com os amigos, a turma tem feito vaquinhas para pagar o fast-food de um companheiro sem dinheiro. "Alguns pais dos meus amigos não estão podendo dar dinheiro para eles, então a gente se junta e paga o hambúrguer de quem não pode", conta.

No supermercado, Maria José também inovou. Sua estratégia foi a de mudar para as marcas próprias, que trazem o nome dos supermercados, como Carrefour ou Dia. Em vez do detergente Fairy, por exemplo, que custa € 4 (R$ 22), ela agora leva a marca do supermercado, que custa € 1,20 (R$ 6,7). "As batatas fritas Lays custam € 2 (R$ 11). A do supermercado é quase a metade", diz ela. "O iogurte Danone custa 40% mais que o equivalente das marcas brancas [próprias da rede de supermercados]", aprova Alberto.

Mas alguns produtos simplesmente sumiram da despensa da família. Maria José adora kombucha, uma bebida efervescente feita de chá fermentado. "Mas uma garrafa custa € 6 (R$ 33) e não dá mais para pagar isso". Além disso, ela hoje só compra vinhos que estejam em promoções do tipo 2 por 1.

Ainda que nunca tenha lidado com uma inflação tão alta, Alberto é otimista. Ele acha que o momento é um dos melhores para se viver na história da Espanha. "Não passamos fome. Nossos pais e nossos avós passaram por guerras. Quando Franco era o ditador, nos anos 1960 e 1970, passava-se fome nas pequenas cidades. A diferença de classes era maior. Hoje há muitos serviços sociais de auxílio às famílias. Não sei como será o futuro que meus filhos viverão, mas a Espanha de hoje não é comparável com a de 50 anos atrás."

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