Descrição de chapéu The New York Times

Qual é o melhor emoji para dizer que você odeia o seu colega de trabalho?

Era da raiva no Slack surge num ambiente de trabalho marcado pelo desgaste da saúde mental

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Emma Goldberg
The New York Times

Se existisse nostalgia da raiva, seria a saudade de uma época em que as pessoas brigavam em voz alta –mesmo num ambiente formal como o escritório. Elas desabafavam, xingavam, reviraram os olhos teatralmente. Agora, a raiva no local de trabalho é mais silenciosa, muitas vezes contida no clec-clec de um recado digitado às pressas no Slack, o software de mensagens usado por muitas empresas.

Veja Ani Rodriguez, 24, que trabalha em relações públicas. Em sua empresa anterior, ela tinha uma resposta automática para deslizes profissionais: tirava um print da tela da mensagem ofensiva e a enviava para um colega de trabalho com comentários como "OMG" ou "WTF" [siglas em inglês de "Oh meu Deus" ou "Que p*rra é essa?"].

No início deste ano, Rodriguez cometeu um erro tático. Seu chefe tinha lhe mandado uma mensagem perguntando por que uma tarefa não havia sido cumprida, um descuido que Rodriguez sentiu que não era sua culpa. Rodriguez tirou um print da tela. Mas acidentalmente o enviou de volta ao chefe.

"Foi um desastre", disse ela.

Daniele Castellano/The New York Times

As condições estão ideais para um desastre no local de trabalho este ano. Muitos colegas de equipe não se veem pessoalmente desde 2020. Suas relações profissionais se desgastaram, mas o trabalho árduo continua. Ao mesmo tempo, eles estão lendo notícias sobre crises constantes –demissões, inflação, falência de empresas.

Então as coisas ficam confusas. As pessoas explodem com colegas que nunca conheceram pessoalmente e acham mais fácil demonizar uma conta "impessoal" do Slack do que perder a compostura com alguém cara a cara. Batalhas inteiras podem ser travadas entre os avatares da Mulher-Gato e do esquilo. Os trabalhadores recebem mensagens iradas e, em vez de conversar, respondem com uma réplica incompleta.

Estamos vivendo na era da raiva do Slack.

"As pessoas recebem impulsos de dopamina ao dizer coisas negativas", disse Tessa West, psicóloga da Universidade de Nova York e autora de "Jerks at Work" [Idiotas no trabalho]. "A recompensa é mais forte e mais imediata do que o custo."

Com mais de um terço dos trabalhadores americanos ainda parcialmente remotos e milhões deles dependendo do Slack, fica claro que muitas conversas entre colegas –incluindo brigas– agora estão confinadas a plataformas online, ainda mais do que antes da pandemia, quando tais ferramentas já eram comuns no local de trabalho.

Anil Dash, um blogueiro e executivo que é o chefe da plataforma de colaboração Glitch, percebeu que nas empresas em cujos canais do Slack ele entrou as pessoas discutem com mais liberdade do que no escritório. Elas têm amplas conversas sobre questões sérias, como política e ética tecnológica, ou assuntos leves, como lanches. Muito disso acaba esquentando.

"Pode parecer com: 'Bem, estou no meu telefone ou no meu laptop; esse é o lugar onde vou para brigar com as pessoas", disse ele. "Você tem essa ferramenta que imita a rede social pública e, portanto, o comportamento das pessoas imita a rede social pública, mesmo que seja vendida e usada como uma ferramenta de colaboração."

Algumas partes do design do Slack podem ser revigorantes para os trabalhadores: ele inclina a dinâmica de poder do conflito profissional, permitindo que as pessoas compartilhem suas opiniões em canais públicos, com o apoio de colegas de equipe, em vez de a portas fechadas.

"O Slack é muito diferente da maioria das ferramentas usadas no local de trabalho", disse Dash.

"É intencionalmente muito plano", disse ele, o que significa que qualquer pessoa pode facilmente enviar mensagens às outras e expressar suas opiniões. As hierarquias pelo menos parecem menos importantes do que numa sala de reunião física, o que pode levar os funcionários a se sentirem mais à vontade para fazer críticas.

Você não pode dar uma volta online

As brigas no Slack estão surgindo num ambiente de trabalho já marcado pelo desgaste da saúde mental. Os funcionários precisam lidar com todo o estresse de suas relações de trabalho sem momentos mais alegres e pessoais para compensar a tensão: as piadas bobas, as pausas para lanche, os cochichos no banheiro.

Brad Smallwood, um terapeuta de San Francisco que costuma apoiar pessoas em desentendimentos profissionais, viu o nível de estresse de seus pacientes aumentar à medida que eles se aprofundavam na colaboração com colegas de trabalho que não viam pessoalmente há quase três anos.

"Venho de um local de trabalho tradicional e, quando você tem um conflito com alguém, passa no escritório e diz: 'Podemos dar uma volta?'", disse Smallwood, 43. "Para muitas pessoas, isso não é mais uma realidade."

Liane Davey, 50, psicóloga organizacional, estava fazendo um curso digital no início deste ano, e uma de seus colegas disse no Slack que queria "roubar" a ideia de Davey. Ela pode ter feito isso como um elogio, mas sem o benefício da linguagem corporal ou do tom de voz, disse Davey, ela inicialmente interpretou a mensagem como alegremente antipática.

"Tive uma reação enorme: 'Como assim, você vai roubá-la de mim?'", disse ela.

Quando os prazos estão se aproximando, as pessoas nem sempre se lembram de neutralizar suas explosões com desculpas. Alison Weissbrot, uma editora, percebeu que o tom das mensagens de sua equipe ficava mais ríspido quando enfrentavam uma série de tarefas para a semana de publicidade de Nova York. Mesmo com o acúmulo de atribuições, esperava-se que as respostas viessem imediatamente. Ela experimentou a sensação de pavor corporal causada por uma mensagem como: "Olá? Posso receber uma atualização?"

"Meu estômago parecia cair. Meu coração começava a bater rápido", disse ela. "Eu fico tipo: 'Oh, meu Deus, minha cabeça vai cair’."

Weissbrot, 30, tentou aliviar o clima com emojis. "Sei que isso é ridículo e cancelado, mas eu amo o emoji que chora e ri", disse ela. "Também adoro o que range os dentes. Quando eu erro, fico assim: 'Ops', com os dentes cerrados."

Outros estão contornando o conflito à moda antiga –pegando o telefone. "Se alguém trocou emails ou Slacks algumas vezes e não está se conectando, eu sairia desse esquema", disse Davey. "Saia da espiral da morte."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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