'Ao sair, apague a luz': o modo 3G de governar na Americanas

Trio de bilionários do fundo de investimentos não controla mais a empresa desde 2021, mas continua como principal acionista

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Brasília

Austeridade nos gastos faz parte da cultura de todas as empresas controladas pelo trio de bilionários brasileiros Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, fundadores da companhia de private equity 3G Capital. A ponto de, na sede da Americanas, no Rio, empresa comandada pelo trio desde os anos 1980, as salas de reunião exibirem avisos na porta como: "Ao sair, apague as luzes".

Os três não comandam mais a Americanas desde 2021, quando foi feita uma reestruturação societária na companhia, e eles passaram de controladores, com 53,3% de participação, a acionistas de referência, com 29,2%. De acordo com as mais recentes informações da varejista, porém, o trio aumentou essa participação para 31,13% do capital hoje. Os bilionários continuam como principais acionistas da Americanas –que acaba de anunciar um escândalo contábil da ordem de R$ 20 bilhões no balanço.

Outros acionistas da varejista são gestoras de fundos de investimentos: Capital Group (9,91%), TIAA (6,05%) e BlackRock (5,05%). Os demais 47,86% estão pulverizados na B3.

O 3G Capital é um dos principais acionistas de conglomerados como AB Inbev, Kraft Heinz e Restaurant Brands International (dona do Burger King). Em todas elas, segundo executivos ouvidos pela Folha, o controle feroz de gastos e a fome por aquisições é a norma.

Loja em shopping com a fachada em vermelho em que se lê Americanas
Fachada de loja da Americanas no Shopping Rio Sul, Rio de Janeiro - Divulgação

Fundada em 1929 em Niterói (RJ), por um quarteto de americanos (daí a origem do nome), a Americanas passou ao controle do trio brasileiro ainda em 1982, quando eles comandavam o banco Garantia. O antigo modelo de lojas de departamentos passou por transformações, a companhia enfrentou uma reestruturação no final dos anos 1990, investiu no comércio eletrônico com uma empresa à parte, a Americanas.com, e acelerou o número de aquisições –só nos últimos 15 anos, somaram 28.

Austeridade nos gastos e fome de compras, no entanto, não estavam sendo suficientes para garantir bons resultados a uma das maiores redes varejistas do Brasil. Em 2021, a empresa combinou as operações da plataforma digital e física e promoveu uma simplificação da estrutura societária, dando origem à Americanas S.A –a nova empresa passou a reunir os ativos de Lojas Americanas e B2W, dona da Americanas.com, Shoptime e Submarino.

Tudo para garantir mais transparência a fim de atrair investidores estrangeiros, em um mundo corporativo que vem dando cada vez mais peso ao ESG (sigla em inglês para critérios ambientais, sociais e de governança na alocação de recursos). A empresa passou a ter uma única ação, listada no Novo Mercado da B3, o de mais alta governança.

Na época, o mercado reagiu bem aos anúncios. As ações da Americanas encerraram o pregão de 3 de novembro de 2021 em alta de 6,57%, cotadas a R$ 33,27.

Alguns analistas, no entanto, já apontavam que, embora fosse um bom começo, o fato de mudar o papel do todo poderoso trio de investidores, de controladores para acionistas de referência, não era o suficiente para atrair mais investimentos para a companhia. O mercado já reclamava de falta de transparência em alguns aspectos da governança da Americanas.

Agora, analistas e investidores assistem estarrecidos o escândalo que veio à tona nesta quarta-feira (11), de R$ 20 bilhões de "inconsistências" no balanço, relacionados ao pagamento de fornecedores.

Um escândalo desse porte não é exatamente novidade para o 3G: em 2019, a Kraft Heinz teve que fazer um grande ajuste em seu balanço, depois de ter supervalorizado os valores de seus ativos, como marcas e empresas do grupo, entre 2015 e 2018.

Segundo o ex-presidente da Americanas, Sergio Rial, que ficou apenas dez dias no cargo até anunciar o rombo contábil, seu foco a partir de agora estará na "restruturação da situação patrimonial da empresa, apoiando os acionistas de referência."

Nesta manhã, em apresentação a investidores sobre o que encontrou no balanço da Americanas, Rial afirmou que será preciso fazer uma capitalização na companhia e que os acionistas de referência estão dispostos a participar –mas que a operação precisará contar com todos os acionistas.

"A magnitude do problema é surreal. É muito pouco provável que ninguém soubesse de um erro contábil desse tipo anos a fio", afirma André Pimentel, sócio da consultoria Performa Partners.

"O próprio Rial, na reunião com investidores, indicou que este assunto já deveria ser de conhecimento da gestão anterior", diz Pimentel, que trabalhou na reestruturação da Americanas no fim dos anos 90, quando estava na Galeazzi & Associados.

Até antes da chegada de Rial, por cerca de 20 anos, o presidente da Americanas foi Miguel Gutierrez, homem de confiança do trio do 3G.

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