Descrição de chapéu Agrofolha

Indígenas e pequenos produtores plantam café em Rondônia e desafiam senso comum

Produção cresce mesmo em meio à queda gradativa na área plantada; cafeicultores dizem que cultura não agride a Amazônia

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Belo Horizonte

A área disponível para plantio é pequena, pouco mais de quatro campos de futebol. Mas isso não impediu o indígena Valdir Aruá, 49, de plantar café em plena Amazônia e passar a sustentar a família com uma cultura que tem crescido numa região quente, sem precisar ampliar área.

Como Aruá, que vive na terra indígena Rio Branco, pequenos produtores rurais e indígenas têm desafiado o que o senso comum diz sobre o café –de que só pode ser produzido em locais mais frios– e estão cultivando cada vez mais em 15 municípios de Rondônia.

Imagem aérea de lavoura de café em Cacoal (RO), com áreas de floresta no entorno
Imagem aérea de lavoura de café em Cacoal (RO), com áreas de floresta no entorno - Divulgação

Responsável por 97% do café da região amazônica, segundo a Embrapa, Rondônia tem produzido cafés que superam 90 pontos —são considerados especiais os que superam 80— graças à variedade escolhida.

Os canéforas, caso dos robustas amazônicos plantados no estado, são mais resistentes ao calor que o arábica, predominante em lavouras como as de Minas Gerais, o maior produtor do país, e que se adapta mais a temperaturas amenas.

"Não sabia que tinha um café bom, e que poderia ser melhorado. Muito do café que vendi era classificado como commodity, mas era mais do que isso", disse Aruá, que vive em Alta Floresta D’Oeste.

Ele conta que os produtores dos outros 14 municípios da região não são concorrentes, mas parceiros, e que isso tem contribuído para que todos cresçam. Seis pessoas na família, incluindo a esposa, Maria Aparecida, cuidam dos 8.000 pés plantados.

"Não uso química. Ainda não tenho selo de orgânico, mas esse é o próximo passo", disse ele, que comercializa um café com marca própria, vendido em microlotes.

A Embrapa Rondônia diz que são 17 mil famílias cultivando café na região denominada Matas de Rondônia, que produzem atualmente 2,4 milhões de sacas em uma área total de 70 mil hectares (98 mil campos de futebol).

Há 20 anos, segundo Enrique Alves, 44, pesquisador da Embrapa e doutor em engenharia agrícola, a produção era de 2 milhões de sacas, mas numa área superior a 300 mil hectares (420 mil campos de futebol).

"O café em nada prejudica a Amazônia, já que a produção cresce sem ampliação de área", disse Alves.

Dados da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) mostram que, no início deste século, a área cultivada chegou a ser de 318 mil hectares, com 245 mil hectares em plena produção, que somou 1,9 milhão de sacas.

A queda gradativa do preço nos anos seguintes —houve ano com redução de até 35% em relação à safra anterior— fez com que produtores desistissem da cultura e buscassem outras atividades. De 2001 a 2018, a área plantada reduziu 74%, mas a produtividade subiu 292%.

Nesse período, a chave já estava virando para o setor, e produtores passaram a adotar tecnologia, com avanço genético, irrigação, adubação e melhorias no manejo.

"Se temos uma agricultura que saiu de 8 sacas por hectare, quase um extrativismo, e hoje estamos em uma média de 40, significa que os produtores estão fazendo alguma coisa correta. O terroir deles é a mistura de genética, ambiente e manejo", disse o pesquisador, que atua desde 2010 na Embrapa Rondônia nas áreas de colheita, pós-colheita e qualidade do café.

Em sua avaliação, se a área de 350 mil hectares voltasse a ser ocupada pelo café no estado, poderiam ser produzidos 14 milhões de sacas, sem nenhum desmate. O órgão, neste ano, estimou a produção total no país de canéforas (robusta e conilon) em 16,9 milhões de sacas.

Em Novo Horizonte D’Oeste, Geanderson Gambarte pertence à terceira geração de cafeicultores na família, mas só a partir de 2018 descobriu que tinha café especial na lavoura.

Ele e outros produtores têm sido premiados em concursos de qualidade do café, como ocorreu na SIC (Semana Internacional do Café), em Belo Horizonte, no último mês.

No evento na capital mineira, embalagens de 250 gramas de cafés especiais de produtores do estado chegavam a custar R$ 50 (R$ 200 o quilo), conforme a qualidade. A avaliação de cafeicultores é a de que no passado o produto era classificado por seus defeitos, e não por suas qualidades, e que o processo foi invertido nos últimos anos.

"Eu estava na cidade, mas em 2018 resolvi voltar para gerenciar o sítio. O trabalho era mais rudimentar, mas partimos para a tecnologia, ampliamos a área e em 2021 começamos a trabalhar com os cafés especiais. Estamos crescendo com manejo e melhoramento genético. Queremos chegar a 120 sacas [por hectare] em 2024", afirmou o produtor.

A área total disponível na propriedade de Gambarte é de 5,2 hectares, dos quais 3,8 hectares estão em produção e renderam 270 sacas na última safra, média de 71 sacas (60 kg) por hectare —muito acima da média estadual, de 40. Em concursos de qualidade, ele teve microlotes que alcançaram 92 pontos.

"Desmistificar essa lenda de que agride a Amazônia é o nosso maior desafio. Não tem risco algum. Qual motivo eu teria para destruir o meio em que vivo e que me sustenta?", questionou.

O jornalista viajou a convite da SIC (Semana Internacional do Café)

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