Descrição de chapéu Banco Central

Economistas avaliam aperfeiçoamento do sistema de metas de inflação

Alvo maior, mais prazo para atingi-lo: o que pode mudar no Brasil e como funciona em outros países

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São Paulo

O regime de metas de inflação chegará em 2023 ao seu 25ª ano de vigência no Brasil, com uma "taxa de sucesso" de 70% e em meio ao debate sobre uma possível revisão de seus parâmetros.

O próprio Banco Central possui estudos para aprimoramento desse sistema, conforme afirmou o atual presidente da instituição, Roberto Campos Neto, em entrevista recente, na qual não detalhou quais as possíveis mudanças.

Sede do Banco Central em Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress

O Brasil está entre os dez primeiros países que adotaram o sistema que prevê o uso de uma taxa básica de juros, por um banco central, como principal ferramenta para tentar garantir a estabilidade de preços e colocar a inflação em um determinado valor.

Praticamente todas as economias relevantes do planeta possuem uma meta para a inflação, que pode ser formal ou não, definida pelo governo ou por um órgão autônomo, a ser alcançada no ano calendário ou em prazos mais longos. A forma de medir a alta dos preços e a tolerância com alguns desvios também muda de acordo com o país.

O tema também ganhou destaque com as críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à condução da política monetária pelo BC autônomo e com as preocupações do ministro Fernando Haddad (Fazenda) com o patamar elevado da taxa básica (Selic) no Brasil, o que deu início a uma discussão sobre os benefícios de se elevar ou não a meta atual.

Um dos responsáveis pela implantação do sistema de metas no Brasil em 1999, o presidente do conselho da Jive Investments, Luiz Fernando Figueiredo, afirma que esse regime era o que havia de mais moderno na época para substituir a política de câmbio fixo e se tornou uma tendência nos anos seguintes.

Ele também avalia que a regra se mostrou flexível para lidar com choques de inflação ao longo desses anos. Segundo Figueiredo, nenhum banco central está tentando neste momento, por exemplo, derrubar a inflação sem avaliar os custos em termos de crescimento econômico.

"Os bancos centrais, que cada vez mais usam o sistema de metas, fazem uma suavização [da redução da inflação] por conta da atividade econômica. Se você levar a ferro e fogo, pode gerar uma recessão com pouco benefício em termos de inflação", afirma Figueiredo.

"Os outros países estão, na prática, subindo a meta de inflação, mas sem dizer isso. O Banco Central está mirando 3,25% para este ano e 3% para o ano que vem? Ele tem de dizer que sim, mas está com uma flexibilidade, olhando o que está acontecendo no mundo. O que o mundo está fazendo é suavizando, achando que isso é mais produtivo do que mudar a meta."

José Luis Oreiro, professor de economia da Universidade de Brasília, avalia que o regime de metas no Brasil ainda segue parâmetros muito rígidos. Para ele, não há possibilidade, por exemplo, de adiar o cumprimento do objetivo em casos de choques que não são de demanda.

Oreiro considera necessário rever a meta atual e diz que a literatura econômica aponta uma taxa ótima de inflação entre 5% e 8% ao ano para países em desenvolvimento. Também avalia que ter um objetivo que não será alcançado pelo terceiro ano seguido não parece ser a melhor forma de o Banco Central ganhar credibilidade.

"Uma meta de 3,25% para o Brasil é irrealista. Vai exigir um sacrifício muito grande em termos de juros elevados e o prejuízo para a atividade econômica. Estamos vendo várias empresas com problemas de liquidez. O país está à beira de uma crise financeira de grandes proporções", afirma.

Esse debate não é uma exclusividade brasileira. No artigo "É hora de revisitar a meta de inflação de 2%", publicado em novembro do ano passado, o economista Olivier Blanchard (ex-FMI) afirma que a inflação nos EUA deve ceder dos atuais 6,4% para algo próximo de 3% neste ou no próximo ano.

A partir daí, haverá um debate sobre os custos de trazê-la para 2%, meta estabelecida pelo próprio Federal Reserve (banco central americano) para ser alcançada no "médio prazo". Blanchard argumenta que o benefício de trazer a inflação de 4% para 2% é pequeno, diante dos custos em termos de redução da atividade e do emprego.

Atualmente, economias avançadas e alguns emergentes possuem metas de 2%. Na América Latina, o objetivo em geral é de 3%. No Brasil, a meta ficou em 4,5% de 2005 a 2018. Foi reduzida gradativamente nos anos seguintes. Atualmente está em 3,25%. Será de 3% a partir de 2024.

Os economistas Bráulio Borges e Ricardo Barboza, da FGV (Fundação Getulio Vargas), publicaram artigo no qual afirmam que não está claro que o alvo de 3% seja o mais adequado para a realidade atual da economia brasileira.

Eles defendem a elevação da meta para 4% a partir de 2024, destacando que o valor ainda seria inferior na maior parte do tempo desde 1999. Argumentam que a inflação média no Brasil de 1999 a 2022 foi de 6,4% ao ano e que a média das metas de 59 países em desenvolvimento foi de 4,5% no ano passado.

Citam também estudo da MCM Consultores que aponta que o patamar de inflação a partir do qual agentes econômicos brasileiros passam a se preocupar com a questão é de 3,7%, mais próximo de 4% do que da meta de 3% já estabelecida para 2024 e 2025. Alguns estudos calculam valores pouco acima de 3% para os EUA, algo que alimenta o debate por lá.

Desde 1999, a meta foi descumprida sete vezes. Ficou seis anos acima e um abaixo do intervalo de tolerância. Isso deve se repetir em 2023.

Segundo o Banco Central, o regime de metas tem sido bem-sucedido no Brasil e possibilitado que a inflação fique sob controle e em níveis relativamente baixos. "Fundamental para isso tem sido a ancoragem das expectativas de inflação, isto é, as pessoas utilizam a meta da inflação como referência da inflação prospectiva. Isso dá maior previsibilidade para a economia e melhora o planejamento das famílias, empresas e governo", diz a instituição.

Vários bancos centrais fora do país também defendem manter o objetivo de trazer a inflação de volta para as metas já estabelecidas, apesar do não cumprimento no período mais recente.

Em um trabalho sobre o tema, o FMI (Fundo Monetário Internacional) afirma que "as metas de inflação parecem ter sido mais eficazes do que estruturas alternativas de política monetária".

"Cada país, no entanto, deve avaliar suas economias para determinar se a meta de inflação é apropriada para eles ou se pode ser adaptada para atender às suas necessidades", diz o Fundo.


Como funciona o sistema de metas de inflação no Brasil

1. O CMN (Conselho Monetário Nacional), formado pelos ministros da Fazenda e do Planejamento, mais o presidente do Banco Central, estabelece a meta de inflação para um determinado ano

2. Para alcançar essa meta, o Copom (Comitê de Política Monetária), órgão formado pelo presidente do BC e seus diretores, tem autonomia para definir o nível da taxa básica de juros (Selic)

3. O BC realiza diariamente operações de compra e venda de títulos públicos para manter a Selic próxima do valor definido pelo Copom, o que influencia o custo de captação dos bancos

4. A taxa Selic afeta a inflação por meio de diversos canais da economia, como crédito, investimentos, consumo, expectativas e câmbio

5. Estima-se que o juro demore até 18 meses para atingir seu efeito máximo sobre a inflação

Características

1. A meta deve ser alcançada no ano-calendário (inflação acumulada de janeiro a dezembro)

2. O BC utiliza como meta a inflação medida pelo IPCA, índice de preços ao consumidor calculado pelo IBGE

3. A meta possui um intervalo de tolerância, também definido pelo CMN

4. A meta pode mudar todos os anos. Desde 2019, vem sendo reduzida de 4,5% para 3%. Ela é definida com três anos e meio de antecedência

5. Se o IPCA ficar acima ou abaixo dos limites de tolerância, o presidente do BC precisa escrever uma carta para explicar o descumprimento da meta. Isso já aconteceu em 2001, 2002, 2003, 2015, 2017, 2021 e 2022.

Fonte: Banco Central do Brasil


Meta de inflação em outros países

1. Meta de longo prazo
O Banco Central Europeu, o Federal Reserve (EUA) e a Coreia do Sul não estabelecem prazo definido para alcance das suas metas de 2%, que não têm intervalo de tolerância

2. Inflação sempre na meta
Os bancos centrais de Canadá e Reino Unido devem manter a inflação sempre dentro do intervalo de tolerância, de 1% a 3%. Esse último divulga mais de uma explicação por ano, caso isso não ocorra

3. Meta com intervalo e sem objetivo central
Na África do Sul, a inflação deve ser de 3% a 6%, o que dá liberdade ao banco central para perseguir qualquer objetivo dentro desse intervalo. Na maioria dos países, deve-se sempre mirar o centro da meta, e a tolerância serve para absorver desvios

4. Metas mais elevadas
Alguns países perseguem objetivos mais elevados que o patamar de 2% ou 3%. É o caso da Turquia (5%, com dois pontos de tolerância). O Brasil teve meta de 4,5% na maior parte do tempo


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