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Redes sociais são cobradas por efeitos na saúde mental de adolescentes

Evidências ligam aumento de depressão e ansiedade em crianças ao uso das redes sociais

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Jamie Smith Hannah Murphy
Nova York e San Francisco | Financial Times

Os últimos minutos da vida de Ian Ezquerra, 16, foram passados no Snapchat.

Exteriormente, o adolescente, que se tinha destacado na escola e era membro de sua equipe de natação, era um jovem feliz, mas à medida que seu uso de redes sociais aumentou, a ansiedade também cresceu.

Sua mãe, Jennifer Mitchell, não sabia que Ian estava vendo conteúdo perigoso em diversas plataformas que seriam inadequadas para adultos, e ainda mais para jovens impressionáveis.

"Houve mudanças sutis no comportamento dele que eu não percebi imediatamente na época. Uma dessas coisas foi ele dizer algo como: 'Eu sou um fardo'", diz Mitchell, de New Port Richey, na Flórida.

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Ilustração - Catarina Pignato

Então, em agosto de 2019, Ian foi encontrado morto. A polícia registrou sua morte como suicídio, mas Mitchell diz que seu filho morreu jogando um desafio online sombrio, proposto por algoritmos poderosos.

A história de Ian aumenta as evidências sobre o preocupante declínio da saúde mental de crianças e adolescentes.

O suicídio de pessoas entre 10 e 19 anos nos Estados Unidos aumentou 45,5% entre 2010 e 2020, segundo os Centros de Controle e Prevenção de Doenças. Uma pesquisa realizada no mês passado pela mesma agência governamental revelou que quase um em cada três adolescentes pensou seriamente em tirar a própria vida, contra um em cada cinco em 2011.

As razões dessa deterioração do bem-estar mental, entretanto, são menos conclusivas.

Muitos pais e legisladores atribuem a culpa às empresas de rede social que, segundo eles, estão desenvolvendo produtos altamente viciantes que expõem os jovens a materiais nocivos, com consequências no mundo real. As plataformas resistem, argumentando que sua tecnologia permite que as pessoas construam relacionamentos e são benéficas para a saúde mental.

Mas alguns acadêmicos apontam um crescente corpo de pesquisa que acham difícil ignorar: que a proliferação de smartphones, internet de alta velocidade e aplicativos de rede social estão "reprogramando" o cérebro das crianças e levando a um aumento de distúrbios alimentares, depressão e ansiedade.

"Vários especialistas concordam. Todos estão chegando à mesma conclusão", diz Jonathan Haidt, psicólogo social e professor da Escola de Administração Stern da Universidade de Nova York. "Quando a rede social ou a internet de alta velocidade surgiram, [estudos] encontraram a mesma história, a queda da saúde mental, especialmente entre meninas."

Outros acadêmicos argumentam que as evidências ainda não são definitivas e dizem que a crise de saúde mental na adolescência é mais matizada.

A falta de consenso não aliviou o crescente escrutínio das empresas de tecnologia, as big techs. A família de Ian está por trás de um dos 147 processos de responsabilização por produtos movidos coletivamente nos EUA contra as principais plataformas de rede social –Facebook, Instagram, TikTok, Snapchat e YouTube.

Os litígios iminentes aumentaram a atenção dos legisladores. O presidente Joe Biden acusou a indústria de realizar experimentos com "nossos filhos para obter lucro", e quer que o Congresso aprove leis que impeçam as empresas de coletar dados pessoais de usuários menores de idade.

No Capitólio na quinta-feira (23), o CEO da TikTok, Shou Zi Chew, enfrentou pressão sobre a proteção de jovens usuários. Na plateia estava a família enlutada de Chase Nasca, 16, que diz que a plataforma o expôs a vídeos de automutilação antes de sua morte. "Senhor Chew, sua empresa destruiu a vida deles", acusou um senador.

No Reino Unido, ministros estão considerando alterar uma lei de segurança online para incluir sanções criminais –incluindo possível prisão– para executivos de redes sociais que não protegem a segurança das crianças.

As apostas para as empresas de rede social são altas, pois o aumento da regulamentação pode ameaçar seus modelos de negócios baseados em publicidade, que dependem de um grande e cativo público jovem para prosperar.

‘Depressão, transtornos alimentares, automutilação’

A Carrier Clinic da Hackensack Meridian Health, em Nova Jersey, um amplo campus com uma unidade residencial de saúde mental para adolescentes, está na linha de frente desta crise.

As listas de espera aumentaram nos últimos três anos, agravadas pela pandemia, levando a atrasos de meses no acesso a leitos em unidades de atendimento fora de casa. Um hospital próximo teve um aumento de 49% nas consultas psiquiátricas de emergência pediátrica em 2022, em comparação com o ano anterior.

"Estamos vendo muita depressão, ansiedade, ideação suicida, distúrbios alimentares e automutilação", diz o doutor Thomas Ricart, chefe de serviços para adolescentes da Carrier.

"As crianças chegam e falam sobre bullying nas redes sociais e que usam muitas redes e seu impacto sobre elas", acrescenta. "Há também a pandemia, um aumento do estresse em geral e uma melhor triagem de saúde mental."

Enquanto profissionais como Ricart mantêm a mente aberta, nas décadas desde o lançamento do Facebook, em 2004, a pesquisa que explora a ligação entre redes sociais e saúde mental é interessante.

Em janeiro, um relatório de especialistas em psicologia e neurociência da Universidade da Carolina do Norte disse que os adolescentes que verificam habitualmente suas contas de rede social experimentaram mudanças na forma como seus cérebros –que não se desenvolvem completamente até os 25 anos de idade– respondem ao mundo, inclusive tornando-se hipersensíveis ao feedback de seus colegas.

Uma revisão de 68 estudos relacionados ao risco do uso de redes sociais em jovens publicada em agosto de 2022 pelo International Journal of Environmental Research and Public Health examinou 19 artigos que tratam de depressão, 15 de dieta e 15 de problemas psicológicos. Quanto mais tempo os adolescentes passam online, maiores são os níveis de depressão e outras consequências adversas, observa o relatório, especialmente nos mais vulneráveis.

Mas outros pesquisadores contestam a avaliação de Haidt e seu coautor, Jean Twenge, professor de psicologia na Universidade Estadual de San Diego, de que há evidências definitivas de que a rede social é a principal causa da crise de saúde mental dos jovens.

Eles destacam a falta de dados científicos que comprovem um vínculo causal entre o aumento do uso de redes sociais e as condições de saúde mental. Alguns estudos, dizem eles, mostram que os adolescentes podem se beneficiar do uso da rede social, se usada com moderação.

"Não estou dizendo que a rede social não faça parte dessa [crise], mas ainda não temos evidências", diz Amy Orben, líder do grupo de saúde mental digital da Universidade de Cambridge. "É muito mais fácil culpar as empresas do que culpar fenômenos muito complexos. Mas uma teia muito complexa de diferentes fatores influencia a saúde mental."

Pesquisadores que querem se aprofundar nos efeitos das redes sociais dizem que as respostas podem ser encontradas em dados muito bem guardados pelas próprias empresas, que os usam para melhorar seus algoritmos.

"Precisamos dos dados", acrescenta Orben. Sem isso, diz ela, "não há prestação de contas real".

Manual do vício

Embora as empresas de redes sociais tenham evitado até agora regulamentações rigorosas, o dia do ajuste de contas se aproxima.

Os autores de casos de danos pessoais arquivados no tribunal federal de Oakland, na Califórnia, argumentarão que as empresas de rede social sabem que seus produtos prejudicam a saúde mental das crianças e estão suprimindo essas informações.

Eles alegam que a Meta, empresa controladora do Facebook e do Instagram, e seus rivais TikTok, Snapchat e YouTube se apropriaram pesadamente das técnicas comportamentais e neurobiológicas usadas pelas indústrias de tabaco e jogos de azar para viciar as crianças em seus produtos.

Esses recursos, que variam de plataforma para plataforma, incluem feeds infinitos gerados por algoritmos para manter os usuários navegando; recompensas variáveis intermitentes que manipulam o mecanismo de produção de dopamina no cérebro para intensificar o uso; métricas e gráficos para explorar a comparação social; notificações incessantes que incentivam a verificação repetitiva da conta; protocolos inadequados de verificação de idade; ferramentas deficientes para os pais que criam a ilusão de controle.

"’Curtidas’ desconexas substituíram a intimidade das amizades adolescentes. A rolagem distraída desviou a criatividade do jogo e do esporte. Embora apresentados como ‘sociais’, os produtos dos réus promoveram, de inúmeras maneiras, desconexão, dissociação e uma vasta série de danos físicos e mentais resultantes", alegam os demandantes.

Douglas Westwood, um dos pais que entrou com o processo, diz que sua filha, 9, ficou viciada no Instagram meses depois de ganhar seu primeiro smartphone, por motivos de segurança.

"Eu não tinha ideia de que uma criança de 9 anos pudesse acessar um site de rede social. Supõe-se que haja um limite de idade, um mínimo de 13 anos", diz Westwood. "Não há verificação. Não há triagem."

O algoritmo bombardeou a criança com imagens e vídeos prejudiciais, incluindo alguns que promoviam distúrbios alimentares, diz ele. Sua saúde mental piorou e, aos 14 anos, ela deu entrada num centro para fazer tratamento contra anorexia.

A garota, agora com 17 anos, está se recuperando, mas ainda é confrontada com conteúdos nocivos, diz Westwood, acrescentando que não quer impedi-la de usar o smartphone porque é como ela se comunica com os amigos.

É um problema frustrante para os pais, agora que os smartphones e as redes sociais são tão onipresentes.

"Quando [as plataformas de rede social] descobriram como monetizar a atenção, elas fizeram isso com uma crueldade da qual as crianças são o dano colateral", diz a baronesa Beeban Kidron, presidente da instituição de direitos digitais das crianças 5Rights Foundation.

Por serem vagamente regulamentadas, ela argumenta, as plataformas são capazes de se safar com técnicas mais invasivas para atrair usuários jovens.

Documentos judiciais alegam que alguns funcionários da Meta estão cientes dos efeitos nocivos de seus produtos, mas desconsideraram a informação ou, em alguns casos, tentaram miná-la.

"Ninguém acorda pensando que quer maximizar o número de vezes que abre o Instagram naquele dia", escreveu um funcionário da Meta em 2021, de acordo com o processo. "Mas é exatamente isso o que nossas equipes de produto estão tentando fazer."

Um estudo interno da Meta realizado por volta de junho de 2020 descobriu que 500 mil contas do Instagram todos os dias envolviam "interações inadequadas com crianças". No entanto, a segurança infantil ainda não era considerada uma prioridade, dizem os documentos, levando um funcionário a comentar que "se fizermos algo aqui, ótimo, mas se não pudermos fazer nada, tudo bem também".

O processo judicial também alega que Mark Zuckerberg, CEO da Meta, foi avisado de que a empresa estava deixando de abordar questões de bem-estar, incluindo uso excessivo, intimidação e assédio. Isso aumentaria o risco regulatório se não fosse resolvido, disse um funcionário, conforme documentos do processo.

Muitas dessas preocupações foram destacadas pela denunciante Frances Haugen, ex-funcionária do Facebook que acusou a empresa de priorizar o lucro em detrimento da segurança pública. Ela disse que a Meta continua resistindo aos apelos de autoridades de saúde pública e pesquisadores para colaborar na compreensão dos problemas de saúde mental associados ao Instagram e à imagem corporal, por exemplo.

"O Facebook tem medo de que, se forem pioneiros e apresentarem todos esses recursos de segurança em relação ao uso compulsivo, problemas de imagem corporal e depressão, as pessoas digam: 'Uau, o Instagram é perigoso. A rede social é perigosa'", disse Haugen. "Eles não querem admitir."

Caminho da regulamentação

Haugen está certa em que Meta refuta a ideia de que as redes sociais estão alimentando a crise de saúde mental adolescente.

"A saúde mental é complexa, é individualizada, ela... [envolve] muitos fatores", diz Antigone Davis, chefe global de segurança da Meta.

No entanto, ela reconhece a necessidade de garantir uma "experiência segura e positiva" para os usuários jovens, acrescentando que a empresa criou cerca de 30 ferramentas, incluindo controle dos pais, recursos que incentivam os adolescentes a fazer pausas e tecnologia de verificação de idade.

A Meta afirma que suas plataformas também removem conteúdo relacionado a suicídio, automutilação e distúrbios alimentares. Essas políticas foram aplicadas com mais vigor após a morte da estudante britânica Molly Russell, 14, que tirou a própria vida em 2017 depois de ver milhares de postagens sobre suicídio. Desde então, a Meta lançou uma configuração padrão para menores de 16 anos que reduz a quantidade de conteúdo sensível que eles veem e interrompeu os planos para o Instagram Kids, produto para menores de 13 anos.

Outros gigantes da rede social estão agindo à medida que a ameaça de regulamentação ganha força.

A Snap, empresa que opera a rede Snapchat, introduziu o controle dos pais e desenvolveu um centro de bem-estar para usuários. Jacqueline Beauchere, chefe global de segurança da plataforma, também diz que este difere de outros aplicativos porque se concentra menos na rolagem passiva: "Não somos um aplicativo que incentiva a perfeição ou a popularidade".

O YouTube também afirmou que "investiu pesadamente" em experiências seguras para crianças, como seu aplicativo YouTube Kids, para menores de 13 anos, que possui controle dos pais.

O TikTok, que tem lidado com crianças que se ferem acidentalmente ou, em alguns casos, se matam como parte de perigosos desafios virais online nos vídeos curtos em sua plataforma, disse que eliminou esse tipo de conteúdo nos resultados de pesquisa. Também anunciou recentemente que as contas de todos os usuários com menos de 18 anos serão automaticamente definidas para um limite de tempo diário de tela de 60 minutos, além do controle dos pais.

"De modo geral, um dos nossos compromissos mais importantes é promover a segurança e o bem-estar dos adolescentes, e reconhecemos que esse trabalho está em andamento", diz TikTok.

As mudanças não impressionaram Jennifer Mitchell, que desde a morte de seu filho faz campanha para aumentar a conscientização sobre os perigos das redes sociais. Somente restrições de idade apoiadas por verificação eficaz protegerão as crianças, diz ela. "Temos restrições de idade em quase tudo aqui nos Estados Unidos", acrescenta Mitchell. "Mas se uma criança quiser abrir sua própria conta de rede social não há verificação, é tão simples quanto clicar num botão."

Outros, como Haidt, acreditam que as contas de rede social devem ser totalmente proibidas para menores de 16 anos e dotadas de um software de verificação de idade melhor, como o Clear, que exige um documento oficial, como passaporte ou carteira de motorista.

"Sabemos que eles não fazem nenhum esforço para manter as crianças menores de 13 anos fora [das plataformas]", acrescenta Haidt. "É aí que eu acho que está a maior responsabilidade legal deles."

As empresas de rede social contestam isso. A Meta diz que removeu 1,7 milhão de contas do Instagram e 4,8 milhões de perfis do Facebook no segundo semestre de 2021 por não atenderem aos requisitos de idade mínima. O Snapchat removeu 700 contas de menores de idade entre abril de 2021 e abril de 2022, em comparação com cerca de dois milhões do TikTok, de acordo com dados relatados pela Reuters. A Snap diz que os números foram tirados do contexto e "deturparam" seu trabalho para manter os menores de 13 anos fora da plataforma.

Também não está claro se esses usuários simplesmente criam novas contas.

Apoio bipartidário

O que pode fazer a balança pender a favor dos pais é a próxima batalha legal contra os gigantes da rede social. Qualquer decisão que considere as companhias responsáveis por mortes e lesões causadas a crianças poderá obrigar à remoção em massa de conteúdo online e prejudicar as receitas.

Em 2022, as receitas da Meta e da Snap cresceram em seu ritmo mais lento desde que as empresas abriram o capital em 2012 e 2017, e a TikTok reduziu sua meta de receita global em quase US$ 2 bilhões (R$ 10,4 bilhões).

As empresas de rede social pretendem se basear numa lei americana de 1996, conhecida como Seção 230, que oferece ampla imunidade contra reclamações sobre conteúdo nocivo postado por usuários. Os queixosos, no entanto, argumentam que são os recursos de design dessas plataformas, e não o conteúdo gerado pelo usuário, que geram dependência.

Davis, da Meta, alerta que, se esse escudo for removido, poderá criar "problemas reais" para a Internet com ramificações para a liberdade de expressão.

Mesmo que o processo não tenha êxito, ele concentrou a atenção do público na saúde mental e na segurança na Internet, uma das poucas questões políticas com apoio bipartidário nos EUA e em outros lugares.

O governador da Califórnia, Gavin Newsom, assinou em setembro passado um projeto de lei que exige que as plataformas de redes sociais estabeleçam a idade dos usuários infantis com um "nível razoável de certeza", entre outras medidas, mas está sendo contestado na Justiça.

Os legisladores de Minnesota propuseram um projeto de lei que proibiria as empresas de redes sociais de segmentar usuários menores de 18 anos com algoritmos que selecionam conteúdo de que um usuário poderia gostar ou interagir. Cada violação acarretaria uma multa de US$ 1.000 (R$ 5.230).

Na quinta-feira (24), Utah aprovou um projeto de lei que impõe a verificação de idade para todos os usuários e exige o consentimento dos pais para uso da rede social por menores de 18 anos a partir de 2024. Propostas semelhantes estão sendo apresentadas em estados como Texas e Ohio.

Pais enlutados, como Mitchell, dizem que não vão parar de fazer campanha até que uma regulamentação mais rígida seja aplicada. "Se eu puder ajudar outra criança e outro pai a não vivenciar meu horror", diz ela, "então eu fiz o que era necessário."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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