Descrição de chapéu África

Africanos entenderam que dinheiro chinês tem armadilha, diz CEO de empresa aérea de Angola

Eduardo Fairen também vê com ceticismo projeto de passagens aéreas a R$ 200

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São Paulo

Para Eduardo Fairen, países africanos vivem um momento de grande necessidade de investimentos, o que abre espaço para mais negócios de empresas brasileiras.

CEO da Taag, a maior companhia aérea de Angola, o executivo faz críticas à presença de chineses na África. "O modelo chinês funcionou em seu momento, porque eram os únicos que chegavam ali com dinheiro, mas há uma busca por outras opções. As coisas não podem funcionar se um fica com tudo e o outro, com nada."

Homem com braços cruzados
Eduardo Fairen, CEO da Taag, principal empresa aérea de Angola - Gladstone Campos/Divulgação

Fairen conversou com a Folha durante uma visita a São Paulo. Ele e uma comissão de empresários angolanos estiveram em Brasília para assinar acordos de cooperação entre os dois países. A Taag anunciou em abril um acordo de voos compartilhados com a Gol.

O empresário também comentou o plano do governo Lula de oferecer passagens aéreas a R$ 200. "Não conheci mecanismos assim que funcionem como deveriam. E alguns são um desastre."

Como está a demanda de brasileiros por voos a Angola? Na rota para o Brasil, há um fluxo contínuo. Em números gerais, estamos ainda operando com 60% a 70% do tráfego de 2019. Isso tem relação com a velocidade de recuperação das economias. Na parte central da África, como o Golfo da Guiné, há lugares em que as economias estão muito prejudicadas. Muitos negócios e atividades desapareceram.

Na África Austral, a parte sul, como Namíbia, África do Sul, Moçambique, estão recuperando o tráfego de maneira consistente. Há demanda importante para a África do Sul, principalmente porque o país perdeu quatro ou cinco companhias aéreas. A South African Airways tinha como 50 ou 60 aviões. Hoje tem 6.

Vê espaço para ocupar esta lacuna? É o que estamos tentando. Estamos agora lutando com os fabricantes porque não entregam as aeronaves no tempo previsto.

O governo Lula buscou se aproximar da África em seus primeiros mandatos. Acha que ele deve repetir o esforço agora? O Brasil é um país que em muitos lugares ainda é desconhecido. Claramente, uma estratégia africana por parte do Brasil pode ter muito êxito. A África Austral vai ser a parte do mundo que nos próximos 15 anos vai ter o maior crescimento humano de toda a história: 500 milhões a mais.

Essas pessoas necessitam de serviços, comunicações, saúde, educação, de tudo. E têm com que pagar: tem muitos materiais que a indústria precisa, como terras raras, ouro, diamante, platina, cobalto, cobre, em quantidades ainda por explorar. Mas até agora, esta parte do mundo, com exceção da África do Sul, sofre com a falta de investimento produtivo, para criar cadeias de valor, trabalho e infraestrutura industrial.

Como o Brasil pode competir com a influência da China na África? O modelo chinês funcionou em seu momento, porque eram os únicos que chegavam ali com dinheiro, mas há uma busca por outras opções. As coisas não podem funcionar se um fica com tudo e o outro, com nada.

Os africanos já passaram da época de dinheiro fácil chinês, porque descobriram que esse dinheiro tem uma armadilha. Você toma um empréstimo e não pode quitá-lo nunca. Eles dizem 'não, não tem problema. Vai levar 25, 50 anos, a 12% ao ano'. Então, claro, resolveu este problema agora, mas criou um problema futuro que não terá maneira de resolver. Isso aconteceu com alguns países da África. Então há pessoas que pensam 'melhor algo menor, mas que seja viável'.

Como estão as perspectivas da Taag para 2023? A carga é uma parte muito importante. Em janeiro, em uma feira de turismo em Madri, um senhor se apresentou e disse 'eu tenho um problema com uma carga". 'Bem, estamos em uma feira de turismo, não de carga', respondi. Ele disse: 'você poderia levar 150 toneladas de carga na semana que vem, para Luanda e África do Sul, para mim?'.

Sabe o que ele queria levar? Alternadores gigantes, de centrais elétricas. Estava havendo cortes de energia na África do Sul porque as centrais não tinham peças de reposição há anos, que não chegavam por navio.

Recentemente, um voo para Luanda levou milhares de pintinhos vivos. Está havendo uma gripe aviária, que está deixando a África sem frangos. É preciso trazê-los de uma zona onde não haja contaminação, como o Brasil.

No cenário pós-pandemia, é preciso recuperar as rotas, que ficaram muito prejudicadas. Hoje temos 5 voos semanais para Luanda, e queremos subir a 7. Com Lisboa, começamos a ter, em janeiro, 10 voos semanais e já estamos em 14.

O que falta para que a ampliação de voos possa ser feita? É uma sopa complexa, com muitas variáveis. O preço do bilhete é um fator fundamental, resultado de outros, como preço dos combustíveis, dos seguros, de muitas coisas.

O que se passa na aviação é um termômetro do que se passa no mundo. Quando se olha a Linha do Equador, abaixo quase não há aviões. E acima dela, está cheio. Há uma quantidade muito menor de aviões voando no hemisfério austral do que antes da pandemia.

As fabricantes dizem que vão aumentar as linhas de produção, mas ainda não estamos nas cifras de 2019. Há pouco, nos sentamos com a Boeing e perguntamos qual era o horizonte de compra. Se comprar e pagar hoje, o avião vai chegar em 2029. O mesmo acontece com a Airbus.

As fabricantes estão com seis meses de demora na entrega [de pedidos anteriores]. A gente pergunta o que acontece. Dizem 'falta titânio'. Onde está o titânio? Estão fazendo balas. Há um esforço de guerra. Todos os metais e ligas exóticas que se usam para máquinas que têm muito estresse, como motores de aviões, são os mesmos metais e ligas que se usam para fazer munição. É matemática: se leva muito para um lugar, sobra pouco para os demais. O efeito na indústria é muito grande. De momento, é uma onda, mas se isso se prorroga por muito tempo, vai haver problemas sérios de escassez.

Estamos vendo falta de peças de reposição de aviões. No começo [da pandemia], não havia oficinas para levar os aviões. Logo, não havia aviões novos para comprar, nem para alugar. Agora não haverá lugares para reparar os motores. A indústria [aeronáutica] está há três anos com pouca atividade, mas mesmo se usar ou não as aeronaves, na data determinada, tem que levar na oficina.

Quando o mundo começou a abrir um pouco depois da Covid, mas a China seguia fechada, todas as empresas tinham problemas com equipamentos de emergência. Se for preciso evacuar o avião, abre-se um tobogã inflado. Para que ele infle, é preciso de uma garrafinha de um gás que gera a pressão para inflar. Essas garrafinhas só são fabricadas na China. E a China estava fechada.

Estávamos todos sem as garrafinhas, a ligar para a British Airways, a Qatar, e dizer 'oi, me dá uma garrafinha, que tenho um avião parado?' e diziam 'oi, tenho só o mínimo também, não posso te dar nada'. Estamos todos assim. A indústria de aviação está tendo um desafio brutal para voltar a funcionar.

No Brasil, o governo tem um plano para que as companhias ofereçam passagens aéreas a R$ 200. Como avalia? Todos os países têm algum tipo de subvenção para determinados grupos ou destinos, por razões sociais, políticas ou o que seja. Ao final, tudo é questão de gestão. Se o subsídio cumprir o objetivo, fantástico.

Em princípio, não sou contra, mas não conheci mecanismos assim que funcionem como deveriam. Alguns são um desastre. Você pode tomar a melhor medida administrativa, mas se não cria um sistema de controle e comprovação, que está sendo aplicado corretamente, fica apenas uma aspiração.

Na Espanha, há as Ilhas Canárias, um destino turístico distante da costa. Há muitos anos, desde a época do [ditador Francisco] Franco, o governo subsidiava passagens para que quem morasse ali pudesse viajar ao continente. Esse subsídio passou por vários modelos. Em dado momento, o governo decidiu ampliá-lo: para ter acesso ao subsídio, só teria de ir e comprar o bilhete. Na prática, estava subsidiado todos, inclusive turistas.

Isso funcionou nos primeiros meses, mas as companhias logo perceberam que não havia sido colocado um teto no preço dos bilhetes, e o subsídio era de 33% do valor. Assim, quanto mais subiam o preço, mais dinheiro recebiam. Havia um cartel, depois desmontado. Ao final, foi um escândalo gigante. A dívida do governo com as companhias ficou monstruosa.


Raio-x

Eduardo Fairen
Presidente da Taag (Linhas Aéreas de Angola) desde 2022. De origem espanhola, se formou em engenharia pela Academia da Força Aérea da Espanha e tem MBA pela Universidade Complutense de Madri. Já foi piloto de avião, teve cargos de direção na Air Arabia e na Vueling e presidiu a Viva Air Peru.

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