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Dívida enorme que África acumulou com a China se tornou problema para Pequim

Empréstimos para países do continente cresceram 500% em 20 anos, mas inadimplência é risco crescente

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São Paulo

A dívida externa dos 54 países africanos chega hoje a US$ 696 bilhões. É um número elevado de nações, com uma dívida mais elevada ainda, sobretudo quando se sabe que 22 desses governos estão à beira da inadimplência em seus empréstimos externos.

Essa história fica mais apimentada quando se descobre que o mais recente credor desse clube é a China, que começou a emprestar dinheiro para a África há pouco mais de 20 anos. O assunto é mastigado pelo primeiro podcast deste ano da Chatham House —como é conhecida uma das mais importantes ONGs europeias, oficialmente chamada Instituto Real de Assuntos Internacionais, criada em Londres em 1920.

Pois bem, a mesma equipe de especialistas que participa do podcast também elaborou um estudo detalhado sobre a dívida externa africana e o extraordinário e recente poder econômico que Pequim passou a ter sobre a região, de longe a mais pobre, ignorada e menosprezada do planeta.

O dirigente da União Africana Moussa Faki é observado pelo chanceler chinês, Qin Gang, em encontro em Adis Abeba, na Etiópia - Tiksa Negeri - 11.jan.23/Reuters

Mas agora, com o calote no horizonte —apenas Zâmbia, Etiópia e Djibuti cessaram seus pagamentos—, a China também se vê de uma hora para outra com um novo problema no colo.

A solução encontrada é das mais ortodoxas. Começou a aplicar as regras do Clube de Paris, entidade que no século passado criou padrões de renegociação das dívidas, e entregou o monitoramento ao G20 (países mais industrializados) e ao FMI (Fundo Monetário Internacional).

É a solução "multilateral", diz o economista Alex Vines, diretor da Chatham House. Outro autor do relatório e participante do podcast, o economista Creon Butler diz que tais negociações são meio bagunçadas porque a China atua no mercado de crédito africano com quatro ou cinco agências: não há um setor centralizado do regime ou do maior banco oficial.

Isso é curioso. É como se o aparato oficial de Pequim não quisesse privilegiar no mercado internacional de crédito um braço em detrimento de outro. O próprio Xi Jinping, líder maior, disse em 2021 que a questão deveria ser estudada caso a caso. Ou seja, o birô político ou o Banco do Povo da China não serão melindrados.

A ordem de flexibilização na renegociação aparentemente veio de cima em 2019 e em 2021 no caso da República do Congo, que renegociou sua dívida nessas duas oportunidades. A Etiópia não teve a mesma sorte. O chefe da diplomacia chinesa, Qin Gang, passou pelo país agora em janeiro e declarou que não haveria perdão para nenhuma parcela pendente.

Detalhe importante. A inadimplência coincidiu em 2020 com a chegada da pandemia, o que desorganizou a rotina econômica dos países devedores. Outros efeitos do coronavírus —associados aos da Guerra da Ucrânia— foram diversificados. O preço do petróleo aumentou. Mas isso beneficiou Angola, cujos contratos de empréstimo estavam amarrados à cotação do barril do combustível. E prejudicou os que precisam importá-lo.

A China recuou na política de mão aberta quanto aos empréstimos à medida que a pandemia se instalava como um dado permanente. A primeira pisada no freio ocorreu em 2016, ano em que os chineses emprestaram a quantia recorde de US$ 28,4 bilhões para a África. Em 2019 a fortuna já havia caído para US$ 8,2 bilhões. E, no ano seguinte, 2020, com tudo parado em razão do vírus, os empréstimos chegaram a US$ 1,9 bilhão.

Uma pergunta que se faz com frequência é sobre as segundas intenções por trás do dinheiro que a China injeta na África. Quanto a isso, no entanto, não cabem teorias da conspiração, diz o economista Butler no podcast. O único cliente que Pequim pressionou abertamente para obter vantagens políticas em troca de dinheiro foi o Djibuti.

Mesmo assim, a minúscula ex-colônia francesa na região do Chifre da África está estrategicamente localizada num dos pontos de navegação mais estratégicos para superpetroleiros que abastecem a Europa. E não é por acaso que bem ali a China construiu uma base naval.

De resto, Pequim procura ocupar no continente africano um espaço geopolítico que EUA e Rússia deixaram vazio com o final da Guerra Fria, no início dos anos 1990.

O curto período que precedeu a chegada da China foi marcado por um sentimento de orfandade que só os africanos mais ricos, como Nigéria ou Egito, compensavam de maneira indolor. Ele coincidiu com a arrancada de altos índices do crescimento chinês e a consequente procura por fornecedores de matérias-primas, que estavam em parte em solo africano. Os empréstimos foram uma consequência automática de juntar o apetite com a vontade de comer.

Os países africanos tiraram proveito da circunstância para um salto em termos de infraestrutura. A prova está no fato de os empréstimos externos terem crescido 500% no período de apenas 20 anos.

Independent Thinking: China in Africa, Conflicts in 2023

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