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Yi Shin Tang e Vivian Rocha

Nova legislação ambiental europeia deve preocupar o exportador brasileiro

Restrições comerciais nem sempre funcionam para alcançar fins ambientais

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Yi Shin Tang

Professor do Instituto de Relações Internacionais da USP

Vivian Rocha

Doutora em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da USP

Em 19 de abril de 2023, o Parlamento Europeu aprovou legislação que proíbe a importação de "commodities sujas" por membros da União Europeia, tornando obrigatória a realização de due dilligence nas cadeias de fornecimento de determinadas commodities agrícolas comumente associadas ao desmatamento.

O objetivo é garantir que commodities produzidas a partir de 31 de dezembro de 2020 e comercializadas em território europeu não sejam oriundas de áreas desmatadas ilegalmente em seus países de origem. A legislação, que ainda depende de aprovação do Conselho Europeu, também exige que as commodities sejam produzidas em conformidade com regras internacionais de direitos humanos e em respeito aos direitos dos povos indígenas e seus territórios.

As commodities abrangidas pela medida são bovinos, soja, cacau, café, borracha, óleo de palma, madeira e celulose e derivados, tais como óleo de soja, couro, móveis e chocolate, o que impactará uma ampla gama de países agroexportadores. Para o Brasil, uma das principais consequências é a classificação dos países exportadores pela Comissão Europeia de acordo com seu grau de risco, com base em uma avaliação em 18 meses após a entrada em vigor da medida.

Fiscal do Ipaam (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas) vistoria um desmatamento no município de Apui, no sul do Amazonas. - Lalo de Almeida - 20.ago.2020/Folhapress

A justificativa da medida é o combate global ao desmatamento ilegal, com base no art. XX (b) e (g) do Acordo Geral sobre Comércio e Tarifas (GATT), sob o manto da Organização Mundial do Comércio. Embora seja um motivo alinhado aos princípios ESG, da proteção ambiental e do desenvolvimento sustentável, a medida pode constituir uma barreira não tarifária ao comércio, impactando sobretudo o Brasil.

Uma primeira controvérsia jurídica é que a medida possui caráter extraterritorial, visto que a legislação da UE afeta atividades fora do seu território. Além disso, apesar de a medida também ser aplicável aos produtores da UE, na prática há um risco de discriminação velada contra produtos importados, podendo implicar em penalidades na OMC. A propósito, nota-se que a medida é focada em produtos originários de florestas tropicais –o que a UE curiosamente não possui.

Para os agroexportadores brasileiros, a medida possui evidentes impactos e deve ser minuciosamente estudada, sob risco de desacelerar o seu desempenho exportador. No entanto, tal norma também pode implicar oportunidades para a indústria nacional, sobretudo nos setores em que é competitiva, caso do agronegócio e de bens de consumo não duráveis. Tais setores já vêm se antecipando a tais regras e adotando medidas de adequação ao combate ao desmatamento, por meio de padrões privados e normas voluntárias de sustentabilidade.

Nesse sentido, a atenção do setor privado brasileiro deve se centrar sobre o caráter potencialmente protecionista das regras europeias. Primeiro, tais exigências são mais rígidas que os padrões internacionais de proteção ambiental: por exemplo, a lei não punirá apenas o desmatamento ilegal, mas também a conversão de uso do solo, o que é normalmente permitido.

Também não está claro como os órgãos europeus classificarão o nível de risco do país exportador. Caso o Brasil seja categorizado como de alto risco, isto poderá até mesmo prejudicar suas negociações de futuros acordos comerciais.

Por outro lado, iniciativas em contraposição a essa medida têm sido ventiladas no Brasil. É o caso da chamada Lei da Reciprocidade Ambiental, cujo projeto prevê a criação de barreiras aos produtos do bloco europeu caso haja obstáculos às exportações brasileiras. Porém, tal medida pode dificultar os esforços de reinserção do Brasil no palco diplomático global, aprofundando discriminações em escala viciosa.

Restrições comerciais nem sempre funcionam como meio para alcançar fins ambientais, pois além de não necessariamente eficazes, tendem a ensejar uma espiral de distorções econômicas. O Brasil deve se preocupar com a medida e se ela inspirará regras similares no futuro: para isso, é necessária ação coordenada entre governo e setor privado no monitoramento, análise e questionamento de tais iniciativas.

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