Descrição de chapéu Folhainvest Entrevista da 2ª

'Depois da Americanas, dívida virou palavrão, mas há dívidas e dívidas', diz CEO da Azul

John Rodgerson também acredita que governo atual quer que 'classe C e pobre voem', mas não vê queda do preço das passagens tão cedo

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São Paulo

As ações da Azul são as que mais se valorizam entre os papéis do Ibovespa neste ano, segundo o Trademap. Desde o início de 2023, o papel se valoriza cerca de 80%. Isso mesmo com a companhia somando uma dívida bruta de R$ 21,6 bilhões no primeiro trimestre.

Na visão do CEO da companhia, John Rodgerson, isso acontece porque o mercado está "finalmente" entendendo as estratégias da companhia para sair da crise que assolou as aéreas no início da pandemia.

Em março deste ano, a Azul anunciou que firmou acordos comerciais com arrendadores de aeronaves, dentro do plano da empresa de fortalecer a geração de caixa e melhorar sua estrutura de capital. A ideia da companhia é devolver 100% dos valores devidos por arrendamentos que não foram pagos durante o período com mais restrições da pandemia no Brasil, em 2020. Segundo a companhia, os arrendadores representam 80% da dívida bruta nominal da Azul.

CEO da Azul posando para a foto com um banner da companhia aérea atrás. Ele está em pé, com os braços estendidos e as mãos entrelaçadas, rente ao seu corpo.
CEO da companhia aérea Azul, John Rodgerson, posa para fotos no aeroporto de Brasília após entrevista à Folha. - Pedro Ladeira/Folhapress

O executivo percebe um receio muito grande do mercado com relação ao endividamento das empresas, sobretudo depois da crise na Americanas. Mas ele pondera que uma dívida que afeta o capital de giro da empresa, como aconteceu com a varejista, é diferente do passivo da Azul, que foi contraído para que a companhia continuasse a gerar receita.

"Depois do caso da Americanas, dívida virou um palavrão. Mas há dívidas e dívidas. Quando você tem uma dívida que é seu capital de giro, é ruim. Mas quando eu tenho dívida de uma aeronave que vai produzir receita e Ebitda [lucro operacional] para mim pela próxima década, isso não é dívida ruim, porque eu tenho um ativo e eu vou continuar produzindo".

Além da renegociação das dívidas da companhia aérea, Rodgerson também se diz otimista com a nova política de preços da Petrobras, já que hoje os gastos com combustíveis representam 45% do total dos custos da Azul. O executivo também olha de forma positiva para as iniciativas do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) visando aumentar o acesso da população às viagens aéreas. " De maneira geral, eu acho que o governo Lula quer que a classe C e o pobre voem. Ele sempre teve essa preocupação", diz.

As ações da Azul estão entre as dez maiores altas do Ibovespa no ano. Na sua opinião, a que se deve o ânimo dos investidores? Eu acho que o mercado está entendendo tudo o que nós fizemos para consertar a Azul. Finalmente o mercado está entendendo que a Azul sempre foi uma das empresas mais rentáveis do mundo e uma das empresas que mais crescem. E o que o investidor quer? Uma empresa que está crescendo e é rentável. E a gente sempre teve isso.

Quando a gente passou pela pandemia, a Azul era uma das únicas companhias aéreas do mundo que não recebeu aporte governamental. Então, se você olhar Delta Air Lines, American Airlines, JetBlue… Todas receberam aporte governamental. E depois, tiveram outras empresas, como Latam e Avianca, da América Latina, que fizeram recuperação judicial. Então, as pessoas estavam olhando para a Azul e dizendo: ‘Como é possível que a Azul vai sobreviver sem um aporte governamental e sem uma recuperação judicial?’.

Nossas ações começaram a cair porque as pessoas estavam dizendo: ‘Como eles vão sobreviver a isso?’. Mas o que aconteceu é que nossos credores, principalmente quem aluga as aeronaves para nós, acreditam muito na nossa gestão. Eles sabem que Covid, desvalorização cambial e Guerra da Ucrânia não eram culpa de gestão. Então, o que nós fizemos foi: em vez de ir para o juiz, nós fizemos acordo com os nossos parceiros.

A Azul é uma empresa muito sólida. Então, qual foi o problema da Azul? Ela estava carregando dívida de 2020. Ficamos um ano sem ter receita e as obrigações financeiras não acabaram em 2020. Na época, dizíamos que iríamos pagar mais tarde. E o mais tarde veio em 2023. Nós negociamos um ótimo acordo, que foi benéfico para todo mundo. Sem ter que dar calote em alguém. Porque recuperação judicial é dar calote. Não pagar 100% os credores é dar calote. E a maneira que a Azul negociou suas dívidas foi muito benéfica para os acionistas. Nós fizemos um acordo para mudar muitas dessas dívidas para 2030, com juro a 7,5% ao ano, o que é muito baixo se comparado ao patamar que os juros estão no Brasil neste momento.

O mercado financeiro estava com medo que a Azul quebrasse e agora viu que não é bem assim? Há um medo muito grande do mercado financeiro hoje, porque, depois do caso da Americanas, dívida virou um palavrão. Mas há dívidas e dívidas. Quando você tem uma dívida que é seu capital de giro, é ruim. Mas quando eu tenho dívida de uma aeronave que vai produzir receita e Ebitda [lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização] para mim pela próxima década, isso não é dívida ruim, porque eu tenho um ativo e eu vou continuar produzindo.

Isso é bem diferente do que a Americanas tinha. E outra coisa que eu acho que o mercado financeiro não percebeu é que a gente não depende de bancos locais. Se você olha Itaú, Bradesco e outros bancos, menos de R$ 500 milhões da nossa dívida vem deles. É nada. Todos esses bancos estavam emprestando dinheiro para a Azul, é verdade, com juros altos, mas a gente não estava financiando a Azul através do mercado local. Então, esses juros altos não estão impactando tanto a gente, porque essa não era nossa fonte de capital. Nossa fonte de capital era dos arrendadores de aeronaves. Então, tivemos essa crise grande com Covid e também a desvalorização cambial —que afeta forte o nosso setor. Esses fatores fugiram do nosso controle. Mas em relação a coisas que nós podemos controlar, fizemos tudo certo. Nossa receita no primeiro trimestre é 75% acima do que foi no mesmo período de 2019. Nós estamos mais eficientes como empresa.

Como a Azul está lidando com as mudanças que vieram com a pandemia? Os voos executivos, por exemplo, ainda não retomaram completamente. Hoje a demanda por voos executivos é 85% do que era. Mas a receita, a tarifa média, está 50% acima do que foi. Então, em termos de receita, já voltou. Mas eu quero te mostrar outra coisa, exemplificando com o que acontece no feriado de Carnaval. No passado, a tarifa média para ir à Bahia na sexta-feira de Carnaval era R$ 2.000. Na quinta, era R$ 1.000 e na quarta, R$ 500. Mas hoje em dia, com o home office, quem não tem condições de pagar R$ 2.000, mas tem condições de pagar R$ 500, pode ir na quarta e trabalhar esses dois dias antes do Carnaval de lá. Ou seja, para quem estava disposto a pagar R$ 2.000 antes, não mudou. Mas agora, quem só pode pagar R$ 500, consegue ir antes. Então, o que foi um dia ruim para nós, que era quarta-feira antes do Carnaval, virou um voo rentável, por conta da flexibilidade. Isso com certeza deve permanecer.

O sr. sinalizou que os preços de passagens aéreas devem ficar altos por mais tempo, até que haja um salto de oferta de voos. Com a mudança na política de preços da Petrobras, e a possibilidade de mais cortes de preço do querosene de aviação, há expectativa de redução das passagens em breve? Ainda não. Mas estamos otimistas com essa mudança na Petrobras. Vou mostrar para você alguns dados: 93% do combustível que nós consumimos dentro do país vem do Brasil e 7% é importado. Mas como esses 7% chegam ao Brasil? Tem que colocar dentro de um barco e levar o barco para o Brasil e depois distribui-lo. O que acontece é que, no fim, esse combustível fica 25% mais caro do que o combustível daqui. Mas sabe o que eles fazem? O certo é que nosso preço seja 93% do custo atual mais a margem, mas eles colocam o prêmio do combustível importado acima dos 100% de combustíveis no país.

O brasileiro paga mais com combustível do que o colombiano, o mexicano, o americano, o europeu e de qualquer outro lugar do mundo. E falando de viagem, isso afeta mais a classe C do Brasil. Com isso, o brasileiro viaja menos do que o colombiano, e viaja um terço do que o chileno viaja. Isso é uma vergonha para o país se comparado o PIB do Brasil.

O preço do combustível do Brasil é o mais caro do mundo por causa desse preço de paridade. Quando se fala em paridade de preço, o Brasil não tem hoje. Paridade de preço só vai existir quando Azul, Gol e Latam pagarem de combustível o mesmo que as companhias gringas pagam.

Estou otimista com a mudança na Petrobras. A Azul perdeu dinheiro no ano passado e sabe quem ganhou? A Petrobras. Porque o preço do combustível dobrou, mas o custo da Petrobras não dobrou. Hoje, 45% dos custos da Azul são com combustível. Então, o preço do combustível mais barato faz a Azul, Gol e Latam terem vontade de voar mais, de aumentar a oferta de voos. E isso que vai fazer reduzir preços de passagem.

Você vê boa vontade do governo no diálogo com as aéreas? Sim. De maneira geral, eu acho que o governo Lula quer que a classe C e o pobre voem. Ele sempre teve essa preocupação.

E o que falta para o Brasil conseguir ter um modelo semelhante ao da Europa, onde há companhias aéreas chamadas de low cost, que ofertam voos com custo menor? O Brasil opera apenas 3% de todos os voos do mundo, mas 86% de todos os processos judiciais do mundo envolvendo companhias aéreas estão aqui no país. A Azul é a empresa aérea mais pontual do mundo. Não do Brasil, não da América Latina, mas do mundo! E olha o quanto que a gente gasta em processos judiciais. Vamos dizer que eu atrasei o seu voo e você entra em um processo judicial alegando que perdeu um compromisso muito importante, como uma entrevista de emprego. O juiz dá ganho de causa para você. Porque é a lei do consumidor. É como dizer que você estava em uma entrevista de emprego pelo Zoom, aí caiu a chamada e você vai processar a Zoom porque perdeu esse evento importante. Isso é um câncer que está afetando o Brasil.

Outro problema: nos Estados Unidos, voos são cancelados por causa de um furacão, por exemplo, e os passageiros não são ressarcidos. É um evento natural. Se fosse no Brasil, as companhias teriam obrigação de pagar hotel, comida, acesso à internet e tudo para os passageiros. O Brasil é o único país que faz isso. Quando o aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, fecha, os passageiros têm direito, assegurado pela Anac [Agência Nacional de Aviação Civil], a comida, transporte, hotel, acesso à internet, telefone e remarcação. Agora, se a Ryanair [companhia aérea irlandesa low cost] vem para o Brasil … Vai lá, cobra R$ 10 em um voo Rio-São Paulo. No primeiro voo cancelado, mesmo se o passageiro não processar, a companhia já vai gastar R$ 700 por causa de tudo isso que eu falei. Não tem condições. Então, existem duas coisas que acho que são um câncer no Brasil para o setor aéreo: a paridade de preço de importação do combustível e esse custo dos processos judiciais.



RAIO-X

John Rodgerson, 46

Formado em finanças pela Brigham Young University, é um dos fundadores da Azul e diretor-presidente da companhia desde julho de 2017. Antes de ocupar a posição, Rodgerson foi vice-presidente financeiro e diretor de Relações com Investidores da Azul, sendo responsável pelas áreas de Planejamento e Análise Financeira, Tesouraria e Contabilidade da empresa aérea. Também ocupou o cargo de diretor‐presidente da subsidiária operacional da companhia, a Azul Linhas Aéreas Brasileiras S.A., entre agosto de 2019 e outubro de 2022. Antes de ingressar na Azul, Rodgerson foi diretor de Planejamento e Análise Financeira na JetBlue Airways, além de ter trabalhado para a IBM Global Services.

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