Ex-CEO diz que Americanas quer proteger trio de bilionários e culpar ex-diretores

OUTRO LADO: Varejista e empresa que representa principais acionistas afirmam que acusações são infundadas

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Brasília

O ex-CEO da Americanas Miguel Gutierrez afirma que os controladores da empresa –o trio de bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira– participavam ativamente do cotidiano da companhia de varejo e que a atuação era ainda mais forte na área financeira, onde foi executada uma fraude de R$ 20 bilhões revelada neste ano.

As declarações foram dadas por meio de depoimento por escrito à CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) sobre a Americanas. É a primeira vez que um ex-executivo da empresa aponta publicamente para uma possível participação dos acionistas no escândalo.

Fachada das Lojas Americanas em São Paulo. - Zanone Fraissat - 27.jan.2023 / Folhapress

Gutierrez afirma que a participação dos acionistas se dava por meio da presença dos controladores ou de pessoas ligadas a eles no conselho de administração ou no comitê financeiro; pela forte presença de membros desses órgãos no dia-a-dia da companhia, especialmente na área financeira; e por meio da holding dos bilionários, a LTS Investments.

"O conselho de administração, seja diretamente, seja por meio de seus comitês, participava e, portanto, tinha responsabilidades atinentes às questões financeira e contábil da companhia. Tanto os membros do comitê de auditoria como os do comitê financeiro eram escolhidos pelos acionistas controladores", aponta em seu depoimento por escrito.

Segundo ele, membros do conselho de administração, do comitê financeiro e do comitê de auditoria, além de funcionários da LTS, ainda que não tivessem cargos oficiais na companhia, conversavam de forma direta e frequente com o diretor financeiro da companhia.

"Todas as decisões estratégicas na história do grupo, inclusive nos últimos anos, foram tomadas pelos controladores", afirma Gutierrez.

"Como em todas as suas companhias [do trio de bilionários], havia uma intensa pressão por resultados positivos, controle rígido de despesas (mediante 'aperto' comercial em cima de fornecedores) e incentivo ao 'fanatismo' de seus executivos e funcionários pelo trabalho incessante. Eu nunca soube, porém, que essa pressão teria levado a atos de manipulação da contabilidade", afirma o ex-executivo da empresa.

Gutierrez afirma que durante todos os anos e em todos os cargos, sempre se reportou a Sicupira, que chama de principal acionista da companhia. "Sicupira era por mim participado de todos os assuntos relevantes que fossem de meu conhecimento", diz.

"Posso dizer com segurança que absolutamente tudo o que eu sabia o conselho de administração também sabia – sendo certo que, em função da intensa penetração de alguns membros do conselho nos negócios e atividades da companhia, o inverso seguramente não é verdadeiro", afirma Gutierrez.

Gutierrez afirma que em nenhum momento até seu último dia na empresa ouviu alguém falar em "inconsistências contábeis" ou "fraude" na empresa e que não tinha conhecimento de nada relacionado a isso.

Ele afirma que a partir de 2018 suas funções como CEO se transformaram para passar a ser um coordenador dos líderes das diferentes linhas de negócio dentro da Americanas. Por isso, diz, a participação nas questões técnicas e operacionais reduziu-se bastante.

Cada um dos diretores que Gutierrez coordenava tinha "bastante autonomia e interação direta com o
conselho de administração e respectivos comitês de assessoramento". Essa mesma dinâmica se manteve quando a Americanas e a B2W, seu braço de comércio eletrônico, se fundiram.

Gutierrez relata que, a partir de 2019, foi iniciado pelos acionistas um processo de sucessão no comando da companhia que acentuou o distanciamento dele das atividades administrativas.

"Eu tampouco participava da definição das políticas contábeis, coisa que, nos termos do estatuto da Americanas, cabia, isto sim, ao conselho de administração", afirma.

Gutierrez diz que a investigação feita pela companhia após a revelação da fraude foi nula e inexistente e resultou em acusações falsas contra ele.

"Inicialmente, a Americanas tentou incluir, como membros do comitê independente, uma sujeita que integrava o comitê de auditoria (!!!) e um sujeito da KPMG, que havia auditado as contas da companhia no passado recente", afirma ele, relatando que os nomes foram trocados após pressão de credores.

Além disso, diz ele, o comitê independente não teve participação na acusação contra ele. "O fato demonstra que a intenção da Americanas sempre foi culpar a antiga diretoria (e a mim, principalmente), para proteger o conselho de administração e os controladores", diz.

Segundo ele, ninguém da companhia o procurou para esclarecer qualquer fato. "Simplesmente fui surpreendido, com a acusação desferida naquela data, cujo conteúdo eu desconhecia e sobre a qual, repita-se, não tive nenhuma possibilidade de defesa", afirma.

Gutierrez diz que a acusação foi feita com base em um relatório produzido por advogados da Americanas e que a empresa negou acesso a ele alegando que era uma propriedade da companhia. O ex-executivo afirma que o relatório que o acusou foi elaborado pelo mesmo escritório de advocacia que representa há décadas os controladores da companhia.

"Portanto, os subscritores do relatório não têm a independência necessária para realizar qualquer análise sobre responsabilidades pelo que ocorreu na Americanas, uma vez que eles certamente estariam impedidos de acusar seus clientes", afirma.

"A acusação contra mim formulada pela Americanas, além de falsa, é claramente enviesada, produzida com o objetivo de induzir o mercado e as autoridades investigativas a erro. Confio, assim, que esta CPI não se deixará enganar por esta clara manobra da Americanas para proteger seus acionistas controladores", afirma.

Um relatório da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) foi apresentado pelo deputado Carlos Chiodini (MDB-SC) nesta semana afirmando não ter sido possível identificar os responsáveis pelas inconsistências de R$ 20 bilhões nas contas da empresa.

O texto redigido pelo parlamentar diz que não houve como determinar "de forma precisa, a autoria dos fatos identificados, nem imputar a respectiva responsabilidade criminal, civil ou administrativa a instituições ou pessoas determinadas."

O que diz o trio de bilionários

Em nota, a LTS Investments diz que as palavras de Gutierrez "não trazem qualquer prova de suas alegações nem refutam evidências de sua participação na fraude".

"As ilações de uma pessoa que deixou o país depois de ter tido um requerimento de participação à CPI aprovado não têm coerência com os fatos até agora expostos pelas autoridades, tampouco nenhuma prova apresentada pela companhia há três meses foi questionada até o presente momento", afirma a LTS.

De acordo com a empresa, os acionistas de referência sempre atuaram com o máximo de zelo e ética sobre a companhia, observando rigorosamente as normas e a legislação aplicável. "Ainda assim, todos os acionistas da Americanas foram enganados por uma fraude ardilosa cujos malfeitores serão responsabilizados pelas autoridades competentes", diz o texto.

O que diz a Americanas

A Americanas afirmou que refuta veementemente as argumentações apresentadas por Gutierrez e reitera que o ex-dirigente da Americanas não contestou em nenhum momento os documentos e fatos apresentados à comissão.

A Americanas reiterou o relatório apresentado à CPI, baseado em documentos levantados pelo comitê de investigação independente, além de documentos complementares identificados pela administração e seus assessores jurídicos, que indica que as demonstrações financeiras da companhia vinham sendo fraudadas pela diretoria anterior da Americanas, o que seria liderado por —Gutierrez segundo a empresa.

"A Americanas confia na competência de todas as autoridades envolvidas nas apurações e investigações, reforça que é a maior interessada no esclarecimento dos fatos e irá responsabilizar judicialmente todos os envolvidos", afirmou a empresa.

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