Descrição de chapéu Financial Times União Europeia juros

O grande Estado está de volta; como vamos pagar por isso?

Países estão gastando mais com defesa, assistência social e transição verde, e os impostos certamente vão subir

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Emma Agyemang Chris Giles
Financial Times

A estrela do simpósio de Jackson Hole, o equivalente ao Fórum de Davos para os banqueiros centrais, é tradicionalmente o presidente do Federal Reserve, cujo discurso é amplamente examinado em busca de pistas sobre a direção da política monetária dos Estados Unidos.

Mas a sessão mais comentada na reunião deste ano não foi a de um banqueiro central sobre inflação e taxas de juro, mas a de um acadêmico sobre dívida.

O professor Barry Eichengreen, da Universidade da Califórnia em Berkeley, trouxe notícias sombrias para seu seleto público. As enormes dívidas públicas acumuladas durante a pandemia e a crise financeira não vão diminuir significativamente em um futuro próximo, alertou, citando um artigo escrito por ele e pelo economista do FMI (Fundo Monetário Internacional) Serkan Arslanalp.

O presidente do Fed, Jerome Powell, e o diretor do BC americano em Nova York, John Williams, caminham juntos em simpósio de Jackson Hole em 2019
O presidente do Fed, Jerome Powell, e o diretor do BC americano em Nova York, John Williams, caminham juntos em simpósio de Jackson Hole em 2019 - Ann Saphir - 22.ago.2019/Reuters

O crescimento econômico provavelmente não será forte o suficiente para derrubar as dívidas, e muitos governos, longe de cortarem os gastos, estão as aumentando com entusiasmo, acrescentou.

Embora tenha deixado claro que espera que os países consigam aumentar as receitas ou melhorar as taxas de crescimento para aliviar as finanças públicas, Arslanalp disse que os desafios são assustadores.

Se o prognóstico estiver correto, todo um consenso em torno dos impostos e dos gastos poderá começar a desmoronar.

Desde que a década de 1980 inaugurou a "Reaganomia" nos EUA e o "Thatcherismo" no Reino Unido, a ideia política dominante em muitas economias avançadas tem sido a de estados menores, que fazem menos e tributam menos.

Mas desafios como a pandemia de Covid-19, a transição energética e as crescentes tensões geopolíticas encorajaram os governos a serem mais ativos, como mostra esta que é a primeira reportagem de uma série do Financial Times e que começa a ser publicada pela Folha. A atual administração dos EUA está intervindo na economia de uma forma não vista desde a década de 1930.

Keith Wade, economista-chefe e estrategista da Schroders, descreve isso como parte do "retorno do ativismo fiscal", com os governos gastando mais e também assumindo um papel mais destacado na gestão do ciclo econômico.

Pagar por um governo mais intervencionista exigirá repensar a política fiscal. O aumento acentuado dos custos dos empréstimos tornou mais difícil para os países que já estão fortemente endividados utilizar os mercados de títulos para financiar ainda mais despesas.

É pouco provável que tributar os rendimentos dos trabalhadores mais jovens para pagar por tratamentos de saúde e benefícios para os cidadãos idosos —que são muitas vezes ricos em ativos, mas economicamente inativos— seja politicamente sustentável por muito mais tempo. Será necessário encontrar novas fontes de receitas.

"A grande questão é como convencer o público eleitor numa democracia de que as receitas fiscais vão aumentar", diz Edward Troup, ex-chefe da autoridade fiscal do Reino Unido. "Essa é a grande questão p olítica e econômica do nosso tempo."

Atração fiscal

A necessidade de maiores gastos governamentais se concentra em três áreas: defesa, demografia e mudança climática.

A queda do Muro de Berlim em 1989 e o fim da Guerra Fria trouxeram um dividendo de paz, com as despesas da defesa redirecionadas para outros usos.

No final de 2021, menos de metade dos 31 membros da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) atingiram a meta de gastar 2% do PIB (Produto Interno Bruto) em defesa.

A invasão da Ucrânia pela Rússia e as crescentes tensões entre o Ocidente e a China, contudo, levaram muitos governos a expandir sua capacidade militar.

Mas as despesas com cuidados de saúde e pensões continuarão a aumentar acentuadamente.

A proporção de dependência dos idosos —calculada como a proporção de pessoas com mais de 65 anos em comparação com o número de pessoas com idades entre 20 e 64— deverá aumentar em toda a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), de 33% em 2023 para 36% em 2027, antes de continuar esse aumento aproximado de 1 ponto percentual por ano até 52% em 2050.

O preço exato para alcançar o net zero (neutralidade das emissões de carbono) dependerá não apenas da inovação tecnológica, mas da vontade dos governos de cooperar. A concorrência entre países para desenvolver ou atrair tecnologia verde é compreensível por razões de segurança nacional, mas agir sozinho provavelmente aumentará o custo de tornar as economias mais verdes.

As exigências prementes da transição verde e o aumento da tensão geopolítica não são as únicas coisas que estimulam um foco renovado na política fiscal.

Os governos foram encorajados por suas intervenções durante a pandemia e pela recente crise energética na Europa, quando organizaram a implementação de programas de vacinação em massa e pacotes de apoio financeiro para famílias e empresas.

O renascimento de um Estado grande, mais ativo na resposta às necessidades sociais, requer maiores despesas públicas para resolver os problemas.

Um exemplo notável disto é o plano de subsídios verdes do presidente dos EUA, Joe Biden, a Lei de Redução da Inflação, aprovada no ano passado. O pacote deverá distribuir centenas de bilhões de dólares em subsídios e créditos fiscais para tecnologias e produção verdes.

O argumento a favor de gastos em investimento não era defendido tão fortemente por um presidente americano havia décadas, segundo o historiador fiscal dos EUA Joseph Thorndike. "Ninguém apresentou esse argumento com tanta liberdade e convicção desde Roosevelt", diz.

O enigma que as economias avançadas enfrentam é que tanto o desejo quanto a necessidade de gastar mais surgem em um momento de crescimento econômico medíocre e de condições financeiras mais duras.

O apoio governamental sem precedentes às empresas e aos indivíduos durante a pandemia já fez subir os níveis de dívida pública em muitas economias avançadas, enquanto um aumento da inflação desencadeou um surto das taxas de juros, à medida que os bancos centrais lutam para controlar a alta dos preços.

O aumento dos níveis de dívida e as taxas de juros mais elevadas tornarão mais difícil e mais caro o empréstimo nos mercados financeiros, especialmente para despesas cotidianas.

"A atual necessidade de receitas, especialmente para mais despesas com defesa, é realmente grande", afirma Pascal Saint-Amans, antigo chefe da área fiscal da OCDE. "Parece que os impostos continuarão a ser ao sabor do dia."

No entanto, os cidadãos e as empresas das economias avançadas já são bem tributados. Os números da OCDE mostram que a carga fiscal média nos países-membros, em relação ao PIB, aumentou de 24,9% em 1965 para 32,6% em 1988, à medida que os governos expandiam as redes de segurança social e os sistemas de saúde.

Os níveis de tributação permaneceram relativamente estáveis até esta década, mas têm aumentado desde a pandemia. A média foi de 34,1% em 2021, segundo a OCDE.

'Reforma fundamental'

Dizer ao público que seus impostos terão de subir durante uma crise de custo de vida e em um momento de inflação mais elevada é uma tarefa muito mais difícil de vender. "Realmente não temos mais linguagem política para justificar o aumento de impostos; não há como defender isso", diz ele.

Helen Miller, vice-diretora e chefe da área fiscal do Instituto de Estudos Fiscais do Reino Unido, salienta que o corte dos serviços públicos é a outra alternativa. Mas isso também é politicamente difícil.

"Estamos muito longe de um debate público que diga: 'Aqui estão os desafios que estão por vir. O que vocês querem como cidadãos?'", diz ela.

Dadas as dificuldades políticas, o resultado mais provável é que os governos procurem avançar, aumentando os impostos aqui e congelando os limiares ali sem que muita gente perceba.

Judith Freedman, professora emérita de direito e política fiscal na Universidade de Oxford, afirma que agora precisamos de "reformas fundamentais, não mexer" no sistema fiscal. Isto deve incluir a análise do equilíbrio entre o imposto sobre o capital e o rendimento, a possibilidade de tributar mais a terra e a forma como tributamos a riqueza de forma mais ampla, argumenta ela.

Mahmood Pradhan, chefe de macroeconomia global do Instituto Amundi, afirma que, "sem a tributação do carbono e esse compromisso do setor público, poderemos não fazer a transição verde". Outra opção seria reverter à tendência observada antes do século 20 e tributar mais a riqueza.

Saint-Amans aponta as estatísticas da OCDE sobre propriedade mostram que a arrecadação fiscal da classe de ativos é modesta em todas as economias avançadas. Um relatório de 2021 concluiu que as receitas provenientes de bens imóveis em porcentagem do PIB variaram entre 0,1% em Luxemburgo e 3,1% no Canadá —com uma média de 1,1% na OCDE.

Os impostos sobre a propriedade, especialmente os baseados no valor subjacente da terra, devem ser revistos, acrescenta Freedman, embora os governos que os considerem devam analisar cuidadosamente a história daquilo que não funcionou antes e aprender com isso.

A recente tendência de impostos sobre lucros inesperados ou excedentes na Europa também pode ser um prenúncio do que está por vir. Freedman diz que a introdução de surpresa de um imposto sobre os lucros dos bancos na Itália, em agosto, mostrou o que os políticos provavelmente fariam quando confrontados com quebras de receitas.

"Eles terão uma crise de curto prazo e introduzirão um imposto de curto prazo", diz Freedman. "Isso não vai resolver os problemas no longo prazo."

As consequências sobre a forma como os governos se comportam e a necessidade de abordar questões de longo prazo terão um impacto nas economias, nos mercados, nas finanças individuais das pessoas e, em última análise, no próprio planeta. Como sempre acontece com os impostos, haverá vencedores e perdedores no caminho.

"Você realmente precisa pensar nos efeitos", diz Chris Sanger, líder de governo global e de risco fiscal da EY. "A política fiscal é uma ferramenta muito poderosa."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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