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Justiça suspende no Pará atividades de empresa que comprou ouro com origem suspeita

OUTRO LADO: Fênix DTVM diz que operações apresentavam regularidades operacionais e documentais

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Brasília

A Justiça do Pará determinou a suspensão de todas as atividades de comercialização de ouro no estado da Fênix DTVM (Distribuidora de Títulos e Valores Imobiliários) por suspeita de comercialização do minério com origem no garimpo ilegal.

Segundo a investigação da PF (Polícia Federal), desde 2021 a empresa comprou cerca de R$ 3,5 bi em minério no Pará.

A decisão tem como base uma investigação da polícia feita no estado, que mirou um esquema envolvendo cooperativas de garimpo ligadas à companhia e que "esquentavam" o material extraído ilegalmente, registrando-o na nota fiscal como se tivesse origem em uma área legal.

A Justiça também autorizou busca e apreensão em endereços de envolvidos e bloqueio de bens em um total de quase R$ 550 milhões.

À Folha a Fênix afirmou, por meio de nota, que todas as operações de compra citadas pela PF "apresentavam regularidades cadastrais, operacionais e documentais."

Rio Jamanxim, na floresta nacional da Itaituba, região com grande incidência de garimpo ilegal no Pará
Rio Jamanxim, na floresta nacional da Itaituba, região com grande incidência de garimpo ilegal no Pará - 3.jun.2017 - Avener Prado/Folhapress

A PF identificou que as lavras de garimpo de onde supostamente o ouro era extraído não tinham sinais de atividade —o que é chamado de "esquentamento de ouro".

Segundo os investigadores, cooperativas envolvidas arrendam lavras garimpeiras de moradores locais de regiões como Itaituba, um dos polos de extração ilegal no Pará. Depois, registram a origem do ouro como se fosse destes locais e vendem para a Fênix.

Ao olhar as imagens de satélite, no entanto, a PF notou que não havia indício de atividade garimpeira em tais lavras. A suspeita é que o minério seja extraído ilegalmente, inclusive de áreas de preservação, como florestas nacionais ou terras indígenas.

A Fênix é uma DTVM, ou seja, uma revendedora de ouro autorizada pelo Banco Central. Ela não atua na extração, mas na compra e revenda. A PF afirma que, por ser uma das principais empresas do setor na região, ela não pode ser considerada inexperiente na atividade a ponto de ter sido enganada.

De acordo com a PF, "há robustos indícios neste caso concreto demonstrando a conivência dela [Fênix] com o ‘esquema’ descortinado" e "não há de se cogitar a presunção de boa-fé da empresa referida" uma vez que o ouro esquentado é "reiteradamente incorporado em seus estoques, especialmente procedente do Pará".

A Fênix é apontada em um estudo da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) como uma das cinco maiores comerciantes de ouro ilegal do Brasil, e a cidade de Itaituba, origem da investigação da PF, como o principal polo de garimpo irregular do país.

Na investigação que motivou a suspensão das atividades da empresa, a PF identificou, por exemplo, uma lavra com registros de venda, de 2021 a 2022, de quase 1 tonelada de ouro, ou mais de R$ 250 milhões, a maior parte para a Fênix, sem que haja sinal de exploração do solo no local.

O dono de uma outra lavra apontada como fantasma, que seria a origem de 130 kg de minério comprado pela empresa, prestou depoimento à PF e disse que a companhia atuou diretamente para acobertar o esquema.

Segundo o relato, a negociação com a Fênix é feita por meio de um intermediário, que entrou em contato com uma proposta de arrendamento da lavra de garimpo em troca de 10% do lucro obtido.

Quando o dono do terreno aceitou, teria sido firmado um contrato com uma cooperativa, ligada à empresa, ainda de acordo com o relato.

À PF o homem disse que estranhou o fato de ter sido pago pelos rendimentos com venda de ouro sem que houvesse sinal de atividade na sua lavra.

"O acesso para a área da PLG [lavra garimpeira] é pela fazenda do declarante, sendo por essa razão que o declarante saberia se tivesse alguma atividade no local", disse o proprietário da lavra à PF.

Segundo afirmou, o dono da lavra teria entrado em contato com a Fênix para questioná-la. Dias depois, a empresa teria dito que havia enviado uma equipe ao local, que teria atestado que toda a operação estava acontecendo dentro da lei —a empresa nega que isso tenha acontecido.

Em outros casos, a investigação aponta que os titulares das lavras são familiares dos donos das cooperativas de garimpo ligadas à Fênix, ou sócios em empresas que também negociam ouro.

A Justiça determinou busca e apreensão, bloqueio de bens e suspensão das atividades relacionadas à mineração também de outras DTVMs, das cooperativas, dos sócios e de alguns titulares de lavras de garimpo.

O Pará é um dos estados que tem o maior índice de garimpo ilegal no país, sobretudo de terras indígenas, como a Munduruku ou a Apyterewa, território mais desmatado do Brasil durante os quatro anos do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Nesta última, atualmente, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) realiza uma operação para expulsão de invasores —não só garimpeiros, mas também madeireiros e fazendeiros. A ação, no entanto, vem sofrendo pressão de políticos paraenses e foi paralisada na última semana.

Empresa afirma confiar na regularidade dos processos

Em nota, a Fênix afirma que "confia plenamente na regularidade de seus processos, e já está tomando todas as medidas cabíveis para esclarecimento dos fatos e contribuição com as autoridades".

Sobre a relação com a cooperativa investigada pela PF, a empresa diz que não realizava negociações com ela "há pelo menos oito meses [quando a operação foi deflagrada], visto que nossos procedimentos de compliance —que vão além daqueles exigidos por lei e citados na investigação— identificaram atipicidades nas operações".

A Fênix ainda afirma que imagens de satélite vão no sentido contrário do que diz a PF e apontam que o "título minerário era compatível com a capacidade produtiva estimada para a área" e que não identificou, à época, "atipicidades que pudessem levar à conclusão de que haveria qualquer atividade de esquentamento de ouro".

"Por fim, destacamos que não existe um sistema infalível de prevenção a ilícitos. Mesmo grandes instituições sofrem diariamente com a utilização de suas estruturas por pessoas mal-intencionadas."

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