Banco do Brasil negocia com Pará empréstimo inédito para preservar Amazônia

Estado tenta desde julho encontrar interessados, mas pioneirismo assustou instituições financeiras

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São Paulo

Após cinco meses tentando, o governo do Pará enfim encontrou algum banco interessado em participar de uma operação financeira inédita na esfera pública brasileira. O estado firmou um acordo com o Banco do Brasil para um empréstimo de R$ 350 milhões que será destinado à conservação de rios amazônicos.

A quantia vai para a criação de um marco legal do tema, estruturação da Secretaria de Meio Ambiente e proteção dos rios São Benedito e Azul, no sudoeste do Pará. A região sofre com a expansão do agronegócio no Mato Grosso.

Rio São Benedito, no sudoeste do Pará
Rio São Benedito, no sudoeste do Pará - Acervo Onçafari

A operação acontecerá no formato de empréstimo vinculado à sustentabilidade (SLL, na sigla em inglês), modelo que prevê a redução da taxa de juros conforme o cumprimento de metas sustentáveis.

O formato vinha sendo desenvolvido pelo estado desde 2021 com consultorias especializadas em meio ambiente, mas em julho, quando lançou um chamamento público para atrair instituições financeiras interessadas, não recebeu nenhuma proposta.

Em outubro, a administração paraense enviou cartas a cinco bancos apresentando o novo formato, entre eles o Banco do Brasil, controlado pelo governo federal. O acordo entre a instituição e o estado foi firmado na semana passada, durante a COP28.

"A gente já tem uma série de operações sustentáveis, como trabalhar com eficiência energética nos municípios, mas essa operação é diferente de tudo que a gente fez até hoje", diz José Ricardo Sasseron, vice-presidente de Negócios de Governo e Sustentabilidade Empresarial do BB.

Como a Folha mostrou no mês passado, especialistas e o próprio governo atrelavam a falta de interessados ao ineditismo da operação. Havia dúvidas, por exemplo, sobre a natureza jurídica do empréstimo, que podia ser confundido com um título de dívida —a legislação federal impede que estados e municípios emitam títulos de dívida pública.

Inicialmente, o projeto também determinava que o empréstimo tinha que vir de um consórcio de ao menos dois bancos. Ou seja, as instituições financeiras não poderiam fornecer sozinhas o crédito. Tal mecanismo visava reduzir os riscos da operação, mas acabou servindo como obstáculo. O trecho foi retirado e, agora, o Banco do Brasil entrará sozinho na operação.

Por ora, o acordo é representado por um protocolo de intenções. Isso porque o contrato final entre as partes só pode ser assinado após um aval da Assembleia Legislativa do Pará e a autorização da garantia da União por parte do governo federal. Segundo o Banco do Brasil, geralmente esse trâmite dura cem dias, mas o período pode ser mais longo devido à falta de precedentes deste modelo de operação no Brasil.

É improvável que o governo federal crie obstáculos. O Pará é um dos estados com menos recursos garantidos pela União (R$ 3,5 milhões) e, segundo a Secretaria do Tesouro Nacional, não descumpriu nenhum pagamento desse tipo desde 2016.

Já os detalhes do contrato ainda precisam ser decididos, inclusive a taxa de juros cobrada pelo banco e a forma como as metas ambientais serão estabelecidas.

No edital de julho, por exemplo, o governo estadual enumerou 11 metas para serem cumpridas ao longo dos dez anos de contrato, mas o banco sentiu a falta de explicações sobre os objetivos. "Alguns dos indicadores apontam como o governo pretende fazer aquilo, mas qual é o impacto que aquilo traz para a ponta? A gente se preocupa muito com isso", diz Gabriel Santamaria, gerente geral da unidade ESG do BB.

O banco também quer mais segurança de que essas metas serão avaliadas por uma consultoria não vinculada ao governo paraense. Esse ponto, aliás, já teria sido acordado entre as duas partes.

O SLL é visto por especialistas como a melhor forma de garantir que as metas ambientais estipuladas pelos entes públicos sejam cumpridas.

Isso porque os títulos verdes normais, apesar de atrelarem a quantia alocada a determinadas ações, não cobram resultados. Já o SLL não delimita a destinação dos recursos, mas condiciona a redução das taxas de juros ao cumprimento de metas –assim, o governo pode usar a verba, por exemplo, para construir uma escola, desde que não deixe de cumprir as obrigações previstas no contrato de financiamento.

"Eu poderia pegar R$ 350 milhões com o Banco do Brasil para asfaltar uma estrada, para construir uma obra pública, mas não, estou pegando isso para fazer um grande projeto de recuperação e de conservação dos rios do Estado", afirma à Folha o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB).

"A mim parece uma operação inovadora e muito positiva. É importante que o monitoramento dos resultados seja sério e que sirva de exemplo para outras operações similares, em que entes públicos brasileiros assumam e cumpram compromissos ambientais atrelados a empréstimos com juros mais baixos", afirma Luciane Moessa, diretora da associação Soluções Inclusivas Sustentáveis (SIS).

O fato de o Banco do Brasil ser uma instituição controlada pelo governo federal –ainda que tenha acionistas privados, sendo um quarto de estrangeiros– pode ter facilitado a operação. O banco se diz interessado em procurar outros estados para firmar contratos semelhantes ao discutido com o Pará.

"Isso tudo é um processo novo que envolve riscos, e o ente privado tem muito mais remuneração sobre riscos. Por essas razões, eu entendo que isso deve ser enxergado como um grande ganho, porque abre uma janela provocativa, inclusive, para que as instâncias do sistema financeiro privado possam estar atentas e alertas de que este é um novo negócio, é um novo mercado. E que, na agenda da sustentabilidade, crédito é decisivo", diz Barbalho.

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