Sob Milei, Banco Central vai encarecer dólar em 2% ao mês na Argentina

Instituição manteve taxa de juros em 133% e anunciou eixos de sua nova política após forte desvalorização do peso

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Buenos Aires

O Banco Central da Argentina anunciou os principais eixos de sua nova política cambial e monetária sob o governo do ultraliberal Javier Milei. A instituição decidiu manter a taxa básica de juros em 133% ao ano, abaixo da inflação, e encarecer em 2% ao mês a cotação do dólar oficial, usado por instituições financeiras, bancos e empresas em transações de grande volume.

O comunicado foi publicado depois que o ministro da Economia, Luis Caputo, divulgou uma forte alta desse dólar, de 366 para 800 pesos, e portanto uma maxidesvalorização do peso argentino. A mudança faz parte de um pacote de medidas para enfrentar o profundo déficit fiscal, a inflação de três dígitos e a escassez de reservas internacionais do país.

Javier Milei, novo presidente da Argentina, participa de cerimônia judaica do Hanukkah nesta terça (13), enquanto seu ministro da Economia anunciava medidas - Juan Mabromata/AFP

"O objetivo é alcançar um equilíbrio fiscal financeiro em 2024", justificou o Banco Central na longa nota. "Uma das prioridades [...] é a sinceridade dos preços na economia. A estrutura herdada, com distorções marcantes nos preços, foi implementada para reprimir e atrasar, e não erradicar, as consequências inflacionárias das políticas de déficit do Estado".

Hoje, a Argentina tem a compra e venda de dólares bastante limitada e convive com várias cotações diferentes, a depender do setor. Milei já indicou que quer retirar os controles e unificar esses câmbios, mas não imediatamente, argumentando que isso causaria uma hiperinflação. Por isso a desvalorização progressiva, por mês, servindo como uma "âncora inflacionária".

Nas ruas e nos supermercados, a remarcação dos produtos já começa a se acelerar com o fim dos acordos de preço que a gestão anterior fazia com fornecedores e empresários —a inflação de novembro será conhecida nesta quarta.

O Banco Central defendeu que a "sinceridade" da taxa de câmbio introduz um "fator novo e importante: o incentivo à produção e às exportações e um desincentivo para continuar aumentando artificialmente as importações. Uma melhora genuína na balança comercial será um motor essencial para recuperar o nível das reservas internacionais".

Por último, a entidade também anunciou nesta quarta (13) que começou a avaliar alternativas de financiamento externo com entidades financeiras internacionais, uma vez que as novas medidas anunciadas, em tese, permitirão o pagamento de dívidas e a melhora da credibilidade do país.

"O diálogo formal com organizações internacionais, incluindo o Fundo Monetário Internacional (FMI), foi iniciado e progrediu rapidamente", sinalizou o órgão. A Argentina contraiu em 2019, na gestão de Mauricio Macri, o maior empréstimo da história do FMI, que foi renegociado várias vezes por Alberto Fernández e hoje totaliza US$ 44 bilhões (cerca de R$ 220 bilhões).

Agora, o país precisa solicitar formalmente uma dispensa por não ter cumprido as últimas metas acordadas em agosto. "O governo fará os esforços necessários para restabelecer a validade do acordo assinado com o FMI e conduzirá negociações adicionais [...] para melhorar as condições de financiamento em vigor", afirmou o BC.

Além da desvalorização do peso, o duro pacote de medidas econômicas anunciado pelo governo de Milei nesta terça inclui suspender todas as novas obras públicas, reduzir subsídios de energia e transporte (a partir de 1º de janeiro), enxugar repasses às províncias e liberar importações. Aumentar temporariamente, porém, impostos a importadores e exportadores.

Para amortecer os efeitos dessas mudanças, os benefícios sociais à população mais pobre, como o Bolsa Família brasileiro, serão ampliados: as mensalidades pagas a famílias por filho subirão 100%, e os cartões para alimentação, 50%. O contexto é uma inflação anual de 160% e pobreza maior que 40%.

"Isso nos leva a uma expectativa de déficit zero [...] Fica eliminada a emissão monetária para financiar o Tesouro", disse o porta-voz presidencial, Manuel Adorni, em entrevista coletiva nesta quarta. "Precisamos de credibilidade, que não pode ser alcançada gastando mais do que temos. Não havia opção", repetiu ele, fazendo uma comparação com um paciente na UTI.

Medidas são bem recebidas pelo mercado e Bolsa sobe 6%

As medidas foram elogiadas pelo FMI e recebidas com otimismo pelo mercado, apesar de haver cautela entre economistas. A Bolsa da Argentina operava em alta de 6,2%, às 11h05, aos 1.072.661,76 pontos. No ano, o índice S&P Merval acumula valorização de 430,80%.

Já as ações da empresa petrolífera estatal argentina YPF listadas nos Estados Unidos subiram cerca de 1% nas negociações de pré-abertura.

"O dólar a 800 pesos é o valor mais alto desde o fim da conversibilidade", quando um peso valia um dólar, na década de 1990, lembra o analista Salvador Vitelli, observando que a desvalorização "é um pouco maior do que o mercado esperava". Na semana passada, falava-se na casa dos 600 pesos.

Jimena Blanco, analista-chefe da Verisk Maplecroft, acredita que o governo está tentando amenizar um colapso econômico. "Ele prometeu uma pílula muito difícil de engolir e está entregando essa pílula", disse. "A questão é quanto tempo durará a paciência da população em termos de esperar que a situação econômica mude."

Em uma nota, o banco Barclays também disse que a "governabilidade" das reformas seria o principal desafio, pois elas poderiam acelerar drasticamente a inflação e provocar uma recessão. Milei tem poucas cadeiras no Congresso e nenhum governo provincial, mas por enquanto conta com o apoio de Mauricio Macri e sua força Juntos pela Mudança.

Com Reuters

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